“ELOGIO
DO DILACERAMENTO” E OUTROS POEMAS
(D’Almeida
J.)
Silêncio.
Noite. Caos
Contrariamente
à palavra
à
agitação da palavra
coisas
há que só o silêncio
o
movimento do silêncio
pode
dizer...
Escuta.
Escuta em torno de ti.
Letais
como punhais
silêncios
há que matam,
outros
que ferem,
outros
ainda que sangram...
...
mas não há nada que cale mais fundo
que
esse silêncio gutural
que
esse grito primal
que
é o silêncio do Caos...
Entre
a noite e o firmamento
percorro
os corredores da eternidade
de
par em par abro
as
portas do infinito e escuto
o
único silêncio
que
realmente é d’ouro...
Elogio
do Dilaceramento
Esta
idade não é
não
pode ser o tempo da felicidade.
Apesar
de ferido de morte, o animal
recusa-se
a perecer.
Exacerbam-se
o desejo e a posse. Vivo
entre
formas tenebrosas e densas
alérgicas
à luz. Permanentemente insatisfeito
perco-me
nas coisas – just enough
is
never enough.
À
lentidão e meio-termo da penumbra
prefiro
o sol do meio-dia
as
promessas das trevas e
o
ritmo endiabrado do efémero.
Os
amigos são raros
as
esquinas sucedem-se
e
tudo isto ao mesmo tempo
atemoriza-me
e atrai-me...
De
sul norte este e oeste
divergem
os caminhos que me afastam
do
meu secreto centro.
Esses
caminhos são fantasmas do passado.
Labirintos.
Ajustes de contas sempre adiados.
O
que fui e não consigo deixar de ser
noites
brancas e
dias
negros, cada ínfimo instante do mundo...
Tento
esquecer.
Tento
esquecer e aproximar-me do centro
mas
a memória trai-me:
–
continuo a ignorar
quem
ou o que se reflecte...
no
espelho.
A
ARTE D’AMAR(GURA)
Guardar
o anonimato.
Não
deixar quaisquer vestígios
nem
humanos nem animais mas
sobretudo
Humanos.
Repelir
a ternura
e
para que os nossos ombros se não
dobrem
e lentamente a alma
se
não consuma sob o peso
e
a chama morosa
do
fardo da intimidade:
–
Fugir da prisão dos nomes.
Nunca
tivemos encontro
marcado
com o destino,
apenas
comparecemos
apenas
colidimos:
–
Assim se pavoneia
(sem
nunca deixar quaisquer vestígios!)
a
moderna arte d’amar(gura)...
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