"AGALOPADO" E OUTROS POEMAS DE ANTÔNIO CARLOS
BARRETO
AGALOPADO
Sou mais que as manadas ao som do
chocalho,
esteira de prata nas larvas de fogo,
transtorno de outono buscando agasalho:
espadas, mugidos, relógios, agouros.
O fogo dos ventos soprando do norte,
a noite azulada tangendo os abismos.
Na dança da flecha se vão os aforismos:
paisagens, caminhos, sertões, um galope.
Lonjuras, espinhos, mais um retirante;
que pasme a cidade ante o vôo do condor
e a orquestra afinada dos ventos
uivantes
no entulho da morte dos sonhos de amor.
Não morro no inferno traçado por Dante
porque codifico a loucura que sou.
DESENCUENTRO
Hay
una puerta abierta
en cuya casa
vive
un poeta
hambriento de amor
Hay
una estrella
buscando abrigo
en mi corazón
sin saber
a donde estoy
REQUERIMENTO
Do céu das restingas
de todas tangentes
do azul do vulcão
a sombra se move
à prova dos nove:
festim de ilusão.
A aurora das vidas
a lira da fauna
as pernas da flora
veredas, caatingas
cometas respingam
nos olhos do não.
No véu das astúcias
roubaram as Minas
do rei Salomão;
e a quem interessa
o sopro da sina
do meu coração?
CANTO LÍRICO DE UM SERTANEJO
Sou do seio das catingas
lá das bandas do sertão
carrego na veia a essência
dos acordes do azulão
do açum preto o sustenido
da cigarra o alarido
da coruja a solidão.
Sou o Pajé lá da floresta
o Xamã buscando a cura
de toda ferida aberta
da mais profunda loucura
sonho eterno de menino
eu sou o badalar do sino
e o doce da rapadura.
Bode deserto no pasto
apartado do rebanho
Asa Branca em retirada
cobra que não tem tamanho
o tatu-bola escondido
um lobisomem sofrido
assanhaço sem assanho.
Sou caipira itinerante
águas velozes do rio
bem-te-vi anunciando
que andorinha está no cio
o verão queimando a mata
um cachorro vira-lata
todas as noites de frio.
Galo da crista vermelha
no seu despertar da aurora
berro do garrote magro
que o verão então devora
canário longe do ninho
voando sempre sozinho
desde as lonjuras de outrora.
Urubu buscando a presa
papagaio falador
gavião beijando as nuvens
inocente beija-flor
sou preguiça descansando
nessa estrada passeando
sem inveja do condor.
Galope incansável sou
do meu cavalo alazão
gozando da liberdade
indiferente à razão
que vai tangendo a boiada
numa longa caminhada
nos capinzais do sertão.
Todo sol de primavera
com seus raios de esperança
colorindo a nostalgia
esturricando a lembrança
incendiando o amanhã
das aves de ‘arribaçã’
e do meu sonhar-criança.
Eu sou o arrebol primeiro
com a corneta da alegria
convocando a passarada
a mais uma sinfonia
sou também o entardecer
todo o escarlate-morrer
vestido de poesia.
Sou o amor dos inocentes
o vento abrindo janela
soprando nos meus ouvidos
que vai chegar Cinderela
promessas de uma princesa:
la belle de jour
surpresa
que ainda espero por ela.
Sou a sanfona do “Lua”
pondo estrelas a dançar
espada de Virgulino
querendo sangue inventar
Conselheiro na idéia
coisas do arco da “véia”
tentando me alucinar.
Sou a imensidão do açude
suas águas cristalinas
lágrimas desatinadas
escorrendo nas colinas
todo o frio das invernadas
a solidão das manadas
as serpentes assassinas.
Picula, bumba-meu-boi
dança de roda ao luar
saci-pererê no mato
sou vaga-lume a piscar
cobra cega vendo tudo
sou caipira e não me iludo
colorindo meu sonhar.
Sonhar de pombo-correio
levando cartas de amor
atravessando caatingas
no seu singelo labor
fugindo lá das montanhas
realizando façanhas
com destino a Salvador.
Umbuzeiro solitário
contando estrelas no céu
mandacaru sem espinhos
a coivara em fogaréu
um tição de fogo aceso
e este mundo todo preso
debaixo do meu chapéu.
Sou o abôio dos vaqueiros
pelos ventos da alegria
nessa estrada empoeirada
seja noite, ou luz do dia
eu sou o berro da manadas
as estrelas prateadas
a viola e a cantoria.
O cantar de um menestrel
a flauta de Pan chorando
a gaita com seu lamento
a primavera chegando
o canto do bacurau
o Sítio do Pica-Pau
em meus sonhos habitando.
Sou o mistério luminoso
do pequeno vaga-lume
brincadeira de cometas
das rosas todo o perfume
sou a solidão das rochas
o fogo aceso das tochas
das noites todo o negrume.
As vestes das nuvens brancas
traduzindo calmaria
derretendo-se no solo
e arejando a escadaria
da igreja de Santa Bárbara
e das ruas de Pasárgada
para me dar moradia.
Cavaleiro, anjo de luz
nesse abrir-fechar porteira
explorando meu sertão
com bravura e brincadeira
mas logo se alguém se atreve
lanço fogo, água e neve
saco da espada guerreira.
Eu sou menino-ancião
porta aberta pro mistério
magia de Salomão
matuto falando sério
um compulsivo do estudo
querendo saber de tudo
mas às vezes sem critério.
Rodas do carro-de-boi
nas estradas do sem fim
com seu gemido sem cura
acenando adeus pra mim
apagando da memória
a doce infância de glória
desse louco querubim.
Eu sou uma casinha branca
cercada pela alegria
encoberta de esperança
que o futuro já anuncia
o chegar da primavera
e também da Nova Era
na mais perfeita harmonia.
Sou o breu que banha a noite
de suspense e de mistério
segredos da madrugada
silêncio do monastério
alarido dos pardais
a dança dos bambuzais
no tablado do etéreo.
Meu avô tirando leite
na vaquinha holandesa
canarinho na cancela
com seu canto de surpresa
minha avó fazendo renda
minha mãe com sua prenda
colorindo a farta mesa.
Minhas irmãs no varal
meus irmãos lá no roçado
abraçados à enxada
e também puxando arado
semeando seu sustento
desprovidos de lamento
tendo a sorte do seu lado.
Do jacarandá eu sou
fortaleza e solidão
sonho que desaparece
na iminência da extinção
ante o corte do machado
e a ganância do mercado
dessa industrialização.
Eu sou o acre do limão
laranja que nunca acaba
o gosto do tamarindo
o mel da jabuticaba
o maracujá açu
a castanha do caju
e o gostinho da goiaba.
Do jasmim sou todo aroma
do canavial o mel
da gaiola o passarinho
o esperar Papai Noel
o pavão e sua beleza
o verde da Natureza
o Maestro e seu pincel.
Mas o tempo em disparada
não me espera lá na esquina
quando do meu sonho acordo
minha vida então declina
e noutra realidade
solitário na cidade
vou cumprindo minha sina.
O trem que me conduziu
diluiu-se na estação
não há passagem de volta
pra retornar ao sertão.
Sem asas para voar
sem sonhos para sonhar
vou seguindo essa missão.
E na selva de cimento
já não sou anjo de luz
junto aos animais falantes
eu vou carregando a cruz.
Sou mais um na multidão
perdido na contramão:
o destino me conduz.
Mas não me entrego porque
sertanejo é mais que forte
é raio rasgando o céu
muito mais que o vento-norte
semente de luz plantada
todo desafio da estrada
de quem nunca teme a morte...
FIM
BIOGRAFIA
Antonio Carlos de Oliveira Barreto, natural de Santa
Bárbara-Bahia, professor (com 18 anos de experiência em sala de
aula), poeta e cordelista. Graduado em Letras Vernáculas e
pós-graduado em Psicopedagogia e Literatura Brasileira.
Vários trabalhos em jornais, revistas e
antologias, tendo publicado 53 folhetos de cordel que abordam temas
ligados à Educação, problemas sociais, futebol, humor – além de 15
títulos ainda inéditos.
Seu terceiro livro de poemas,
Flores de umburana, foi publicado em dezembro de 2006
pelo Selo Letras da Bahia. Ultimamente Antonio Barreto vem se
dedicando à cantoria e ministrando palestras e oficinas de cordel em
escolas públicas, particulares, faculdades e outras instituições.
Títulos de cordel já publicados:
1 – O discurso de um caipira arretado.
2 – A história do leão que endoideceu a
população de Santa Bárbara.
3 – A origem do Mensalão vem dos tempos
de Cabral.
4 – O Bahia e o Vitória na 2ª divisão.
5 – O Bahia e o Vitória na 3ª divisão.
6 – O Bahia e o Vitória na língua de
dois torcedores apaixonados.
7 – O Colo-Colo faz festa no Barradão.
8 – A Seleção Brasileira deu vexame na
Alemanha.
9 – Romário encerra a carreira causando
decepção.
10 – A peleja internética entre dois
cabras da peste. C/Jotacê Freitas.( 1ª peleja pela internet que se
tem notícia ).
11 – O bate-papo virtual entre Feira e
Santa Bárbara. C/Franklin Maxado.
12 – A peleja de Antonio Barreto com
Carlos Joel.
13 – A carta de um matuto baiano a
George Bush.
14 – A peleja de Raul Seixas com Zé
Limeira no avarandado da lua.
15 – A história do aluno preguiçoso que
não gostava de estudar.
16 – Uma experiência de cordel na sala
de aula.
17– Aula de Barroco em cordel.
18 – A consciência ecológica que os
nosso filhos precisam ter.
19 – O eleitor que trocou Geraldo Alkmim
por um walkman.
20 – O Matuto que fez uma promessa para
Santo Antonio.
21 – Canto lírico de um sertanejo.
22 – O passarinho que foi aprisionado na
cidade grande.
23 – Um galope à Beira Mar nas asas da
modernagem.
24 – Padre Pinto está correto ou merece
punição?
25 – O feirense João Falcão que conheci.
26 – O professor Gilfrancisco no
imaginário popular.
27– As aventuras de Bin Laden no
carnaval da Bahia.
28 – Diário de um fumante estressado.
29 – Mentiras que o povo gosta em época
de eleição.
30 – Clodovil está correto ou merece
punição.
31 – O sertão é o meu lugar.
32 – A operação Navalha no reino da
impunidade.
33 – Carta de um professor baiano ao
governador Jaques Wagner.
34 – O encontro de Marinês com Luis
Gonzaga no avarandado do céu.
35 – Detalhes da escravidão em Casa
Grande & Senzala.
36 – ACM está correto ou merece punição?
37 – Reflexões pedagógicas nas trilhas
de Alicia Fernández
38 – A história de um aluno portador de
TDA/H
39 – O patinho feio nas ondas da
Internet
40 – O aluno que não queria crescer.
41 – A peleja internética de uma mulher
arretada com dois cabras da peste. C/ Jotacê Freitas e
Gilmara Cláudia Silva. (1ª peleja a três que se tem notícia).
42 – Um olhar crítico sobre a guerra de
Canudos.
43 – Despedida e tragédia nos Estádio da
Fonte Nova.
44 – Meu Corinthians abraçou a Segunda
Divisão.
45 – Discutindo a Lei 10.639 na sala de
aula.
46 – O valor da Arte na Educação.
47 – Carta de um professor baiano ao
presidente Lula pedindo a inclusão do Cordel na sala de aula.
48 – ABC do HIV
49 – O rapaz que trocou a namorada pela
sogra.
50 – A peleja de uma mulher arretada com
um cabra cismado. ( c/ Creusa Meira)
51– A peleja da Internet com a Sabedoria
52 – As aventuras de Zé Parabala no
sertão de Santa Bárbara.
53 – Um político exemplar chamado
Francisco Pinto.
Contatos:
acobar@bol.com.br
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