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Henri Matisse

 

ÓRFÃO E SÓ...

 

(Wladimir Saldanha)

 

"Órfão e só, para que eu vá sozinho..."

(Renato Suttana)

Órfão e só, para que eu vá sozinho

mas concitando os mitos dos antigos:

estas placentas para meus umbigos,

estas mamães para um bebezinho:

 

é Jocasta, é Medeia em desalinho

velando juntas berços e jazigos:

matar os filhos, mudá-los em maridos,

à estirpe de Orfeu, servir mau vinho.

 

E como um filho sempre imita o Pai,

volver atrás, a lira descaída,

e perguntar se valeu: “Valeu a pena?”

 

Sabemos a resposta: alguém a deu.

Mas perguntar é seguir! E outro vai.

E é consolo pensar-se menos “eu”.

 

 

 

EM MEMÓRIA

 

(Wladimir Saldanha)

 

“Lá ouvi uma elegia;
dou-a aqui tal qual ouvi-a”

Bruno Tolentino

 

Foram uns goles de vinho,

e uma conversa de versos.

Hoje, somente, sozinho,

degustando o menos terso

 

dos vinhos, estas quadras alinho

assim, mais canhestro que destro.

Tu nem me disseste “eu definho”

naquela conversa de versos

 

regada a uns goles de vinho,

na qual te julgara perverso

demais, imenso mesquinho

e aquém dos meus sonhos dispersos.

 

Soubera ali, teu desalinho,

o quanto devia aos reversos,

melhor te julgara e “definho”

entendera do seu tergiverso!

 

Mas fora a conversa de versos

e apenas uns goles de vinho...

Tu nem me disseste o “definho”

De que muito tarde me apresto.

 

E agora, canalha, carinho

dedico ao mestre – sou lesto.

Para o mais terso dos vinhos

o mais amargo dos versos

 

enquanto relembro, sozinho,

e ergo de novo dos restos

o fim de tarde, os passarinhos

– aquela conversa de versos –

 

o fim de tarde e os começos

da noite – conversa de versos –,

quando voltavam pros ninhos

eles – os passarinhos,

 

e eu, que andava disperso,

voltava pra casa sem ter

sequer ouvido “eu definho”

e mal te julgando, e perverso.

 

Relembro, relembro imerso

em tua ausência e sozinho:

ouço de novo os molestos

passarinhos... E, carinho,

 

dedico ao mestre, canalha:

never more

– um nunca mais de gralha

deserdada, um requesto

de quem, só mais um tantinho,

e tão docemente transversos,

 

quisera saber teus espinhos,

como flores, mas pelo inverso:

teus sapos de ontem – sapinhos –

nos charcos de hoje – universo.

 

 

 

In memoriam

 

« J'entendis là-bas une élégie

« je la livre ici telle que je l'entendis »

Bruno Tolentino*

 

Il y a eu quelques gorgées de vin,

et une conversation sur les vers.

Aujourd'hui seulement, tout seul,

en dégustant le moins pur

 

des vins, j'aligne ces quatrains

comme ça, plutôt gauche qu'adroit.

Tu ne m'as même pas dit “je dépéris”

pendant la conversation sur les vers

 

arrosée de quelques gorgées de vin,

quand je t'avais jugé trop

pervers, immensément mesquin

et en deçà de mes rêves éparpillés.

 

Si j'avais su alors combien

ta négligence était due aux revers,

je t'aurais mieux jugé et j'aurais compris

“je dépéris” derrière ta tergiversation !

 

Mais hormis la conversation sur les vers

et les quelques gorgées de vin...

Tu ne m'as même pas dit le “je dépéris”

Que je ne saisis que trop tard.

 

Et maintenant, canaille, tendresse

c'est ce que j'offre au maître – je suis leste.

Pour le plus pur des vins

le plus amer des vers

 

pendant qu'il m'en souvient, tout seul,

et de nouveau je hisse des restes

la fin de l'après-midi, les oiseaux

la conversation sur les vers

 

la fin de l'après-midi, les débuts

de la nuit conversation sur les vers

quand ils regagnaient leurs nids

eux – les oiseaux,

 

et moi, qui m'en allais dispersé,

je rentrais à la maison sans même

avoir entendu “je dépéris”

et te jugeant mal, et pervers.

 

Il m'en souvient, il m'en souvient immergé

dans ton absence et tout seul :

j'entends de nouveau les oiseaux

ennuyeux... Et, tendresse,

 

c'est ce que j'offre au maître, canaille :

               never more

               – un plus jamais de corneille

déshéritée, une requête

de qui, juste encore un petit instant,

et si doucement de travers,

 

j'aurais voulu savoir tes épines,

telles des fleurs, mais à l'envers :

tes couleuvres d'hier – petites couleuvres

dans les bourbiers d'aujourd'hui univers.

 

* poète brésilien né à Rio de Janeiro le 12 novembre 1940

et décédé à São Paulo le 27 juin 2007

 

(traduit du portugais Brésil par Pedro Vianna)

 

 

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