RESPOSTA
A UM QUESTIONÁRIO (recebido de Renato Suttana)
(Wladimir
Saldanha)
1.
Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
Certamente,
poesia. E em minha língua. Podia ser a “Clepsidra”, de Camilo,
ou o “Livro de Cesário Verde”.
2.
Já alguma vez ficaste apanhadinho por uma personagem de ficção?
“Apanhadinho”
é o quê? Se for indigitado, cagüetado, fico “apanhadinho”
sempre que os escritores me trazem o velho personagem funcionário público,
lírico e protocolar, afogado em papéis, bracejando na imaginação.
Fui Policarpo Quaresma (de Lima Barreto); fui o amanuense Belmiro
(de Cyro dos Anjos); fui quase todos os fiscais de Gogol; estive
presente ao velório de Ivan Ilitch.
Os
russos são terríveis. Num conto, Tchecov pintou um estudante de
Direito que vai à farra e não aproveita nada...
Mas
se “apanhadinho” é caçado, feito serviçal, gato e sapato, aí
a primeira algoz foi aquela Emília, do Sítio do Pica-pau Amarelo,
de Lobato. Por causa dela, abri a cabeça de sapos e lagartixas, à
procura da glândula pituitária, que nunca achei.
Depois, na adolescência, veio Lord Henry, de Wilde
(“Retrato de Dorian Gray”) e destruiu meu resto de sanidade, com
suas conversas sobre o Belo, a Arte...
3.
Qual foi o último livro que compraste?
“A
Rua dos Cata-ventos”, de Mário Quintana. Esperei sempre esse
livro, que vivia esgotado. Agora, no centenário do autor,
republicaram. É a estréia do poeta gaúcho, onde estão – não
hesito em dizer – alguns dos mais belos sonetos da língua.
4.
Qual o último livro que leste?
Um
livro de contos – “Memorial dos Medíocres”, de um autor
baiano, Tom Correia L. Brochura magra, prêmio estadual de incentivo
a estreantes. Achei-o por acaso, e o título me fisgou. Excelentes
contos. Só lamento que o autor não responda a e-mails...
5.
Que livros estás a ler?
Finalmente,
“aconteceu-me” o Dom Quixote. Tinha-o há vários anos, mas... Enfim, sou meio de
envelhecer o livro, como numa adega. Um dia vou lá, olho a lombada
como quem confere um rótulo e, nem sei por quê, animo-me a provar.
No caso do Quixote, sendo
2005 um ano de festa, não poderia haver melhor ocasião. E estou ébrio
deste livro “eterno e belo, belamente eterno”, como dizia um
personagem de outro, aliás, de outros,
o filósofo Quincas Borba.
Mas
leio também o livro de Quintana; este, não como vinho, mas como
licor: pequenas doses.
6.
Que livros (cinco) levarias para uma ilha deserta?
Li,
sei que li, um texto de Drummond respondendo a essa mesma pergunta;
lembro que levaria André Gide, o mais remoto autor da armadilha, o
primeiro a perguntar. Bom castigo.
Eu
levaria o próprio Drummond – uma obra completa; levaria uma
antologia de Hemingway, que não deixasse de fora “Francis
Macomber” e “A Alma dos Rios” – este para guia de sobrevivência;
número três? “Orlando”, o homem eterno de Virgínia Woolf,
para relativizar o tempo (na tradução de Cecília, que assim me
arranjo com um 2 em 1); quatro: é o “Quincas Borba”, de Machado
de Assis, com aquele Rubião que, como ninguém, sabia fitar o mar;
e afinal outro Quincas, e outro 2 em 1 - “A Morte e a Morte de
Quincas Berro D´água” , de Jorge Amado, para o caso de saudades
da Bahia.
7.
A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e por quê?
Vai
para o contista Marcus Nascimento, de Minas Gerais, pela curiosidade
de saber que leituras, presentes e passadas, entortaram tanto seu juízo;
para outro contista, aquele Tom Correia L., a fim de ver se
doravante responde a meus e-mails; e para meu amigo Paulo Roberto
Couto, Paulinho, que não é contista, nem poeta ou romancista, mas
aquele bicho raro e esquivo que chamamos leitor.
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