POEMAS
DE WALT WHITMAN
UMA
HORA PARA A LOUCURA E A ALEGRIA
Uma
hora para a loucura e a alegria! Ó furiosos! Oh, não me confinem!
(O
que é isto que me liberta assim nas tempestades?
Que
significam meus gritos em meio aos relâmpagos e aos ventos
rugidores?)
Oh,
beber os delírios místicos mais fundamente que qualquer outro
homem!
Ó
dolências selvagens e ternas! (Recomendo-as a vocês, minhas crianças,
Dou-as
a vocês, como razões, ó noivo e noiva!)
Oh,
me entregar a vocês, quem quer que sejam vocês, e vocês se
entregarem a mim, num desafio ao mundo!
Oh,
retornar ao Paraíso! Ó acanhados e femininos!
Oh,
puxar vocês para mim, e plantar em vocês pela primeira vez os lábios
de um homem decidido.
Oh,
o quebra-cabeça, o nó de três voltas, o poço fundo e escuro –
tudo isso a se desatar e a se iluminar!
Oh,
precipitar-me onde finalmente haverá espaço e ar o bastante!
Ser
absolvido de laços e convenções prévias, eu dos meus e vocês
dos seus!
Encontrar
uma nova relação – desinteressada – com o que há de melhor na
Natureza!
Tirar
da boca a mordaça!
Ter
hoje ou todos os dias o sentimento de que sou suficiente como sou!
Oh,
qualquer coisa ainda não experimentada! Qualquer coisa em
transe!
Escapar
totalmente aos grilhões e âncoras dos outros!
Libertar-me!
Amar livremente! Arremeter perigosa e imprudentemente!
Cortejar
a destruição com zombarias e convites!
Ascender,
galgar os céus do amor que foi indicado para mim!
Subir
até lá com minha alma inebriada!
Perder-me,
se preciso for!
Alimentar
o resto da vida com uma hora de completude e liberdade!
Com
uma hora breve de loucura e alegria.
UMA
SAUDAÇÃO DE NATAL
(De
uma constelação do Norte para uma do Sul, 1889-1890)
Bem-vindo,
irmão brasileiro – teu amplo lugar está pronto;
uma
mão amorosa – um sorriso do norte – um pronto e caloroso aceno,
cheio de sol!
(Deixa
o futuro cuidar de si, onde revele seus problemas e
empecilhos;
nossos,
nossos o anseio presente, a meta democrática, a aceitação e a fé);
hoje,
para ti se estende o nosso braço, se volta a nossa cabeça – para
ti se volta o nosso olho expectante,
tu
livre de embaraços, tu, que és claro, refulgente! tu, aprendendo
bem
a
lição verdadeira da luz de uma nação em pleno céu
(brilhando
mais do que a Cruz, mais do que a Coroa),
as
alturas de ser esplêndida humanidade!
A
TERRÍVEL DÚVIDA DAS APARÊNCIAS
Da
terrível dúvida das aparências,
da
incerteza afinal de que possamos estar iludidos,
de
que talvez a confiança e a esperança não sejam afinal senão
especulações,
de
que talvez a identidade para além do túmulo seja apenas uma linda
fábula,
de
que talvez as coisas que observo, os animais, plantas, homens,
colinas, águas brilhantes a fluir,
o
céu do dia e da noite, cores, densidades, formas, talvez tudo seja
(como sem dúvida é) apenas aparições, e a coisa real ainda
esteja por conhecer
(quão
frequentemente se desligam de si mesmas como se para me confundir e
zombar de mim!
quão
frequentemente penso que não sei nem homem nenhum sabe nada a
respeito delas),
talvez
me parecendo aquilo que são (como sem dúvida parecem) no meu
presente ponto de vista e podendo revelar-se depois (como
naturalmente poderiam) como não sendo nada daquilo que parecem, ou
nada enfim, a partir de pontos de vista totalmente diferentes;
para
mim essas e outras questões semelhantes são de algum modo
respondidas pelos meus amantes, meus queridos amigos,
quando
aquele que eu amo viaja comigo ou se senta segurando longamente minha mão,
quando
o ar sutil, o impalpável, o sentido que as palavras e a razão não
detêm, nos cercam e nos perpassam,
então
me sinto invadir por uma sabedoria indizível, inaudita, e fico em
silêncio, e não me falta mais nada,
não
posso resolver a questão das aparências ou a da identidade para além
do túmulo,
mas
caminho ou me sento, indiferente, e estou satisfeito;
ele,
a segurar minha mão, me satisfez completamente.
QUANDO
OUVI AO FINAL DO DIA
Quando
ouvi ao final do dia que meu nome fora recebido com aplausos no
capitólio, mesmo assim não foi uma noite feliz a que se seguiu;
e,
antes, quando eu farreava, ou quando meus planos se realizavam,
ainda assim eu não me alegrava,
mas
no dia em que, me levantei da cama ao amanhecer, em perfeita saúde,
refeito, cantando, respirando o hálito maduro do outono,
quando
vi a lua cheia empalidecer no oeste e desaparecer na luz da manhã,
quando
andei sozinho pela praia e, despido, me banhei, rindo com as águas
geladas, e vi o sol nascer,
e
quando pensei que meu querido amigo, meu amante, já estava a
caminho, aí sim eu era feliz,
aí
sim o respirar me pareceu mais doce, e durante todo o dia o alimento
me nutriu melhor, e o lindo dia transcorreu perfeito,
e
veio o seguinte com igual alegria, e no terceiro, ao anoitecer,
chegou meu amigo,
e
naquela noite, quando tudo estava quieto, ouvi as águas fluindo
lenta e continuamente ao longo da costa,
ouvi
o murmúrio suave do líquido e das areias, como se se dirigissem a
mim num sussurro, a me felicitar,
pois
quem eu mais amava dormia ao meu lado sob o mesmo teto na noite
fria,
na
quietude do luar de outono sua face se inclinava para mim,
e
o braço descansava suavemente sobre meu peito – e naquela noite
eu estava feliz.
EIS
O QUE CANTANDO NA PRIMAVERA
Eis
o que cantando na primavera eu colho para os amantes
(pois
quem senão eu entenderia amantes e toda a sua mágoa e alegria?
e
quem senão eu seria o poeta dos camaradas?),
colhendo
atravesso o jardim do mundo, mas logo passo pelos portões,
ora
à margem do lago, ora me adentrando um pouco, sem temer a umidade,
ora
junto à cerca de mourões onde as pedras ali jogadas, provenientes
dos campos, se acumularam
(flores
silvestres e parras e ervas brotam em meio às pedras e as cobrem
parcialmente, por tudo isso eu passo),
longe,
longe na mata, ou perambulando tarde no verão, antes de me
perguntar para onde vou,
solitário,
sentindo o cheio da terra, parando aqui e ali no silêncio,
sozinho
eu pensara: mas logo uma tropa se reúne ao meu redor,
alguns
caminham ao meu lado e alguns atrás, e alguns me tomam pelo braço
ou pelos ombros,
eles
– os espíritos dos amigos queridos, mortos ou vivos – se
ajuntam mais, uma grande multidão, e eu no meio,
colhendo,
distribuindo, cantando, lá eu caminho ao lado deles,
pegando
como lembrança uma coisinha aqui e ali, jogando para quem estiver
perto,
aqui,
um lírio, com um ramo de pinheiro,
aqui,
do meu bolso, um pouco de musgo que retirei de um carvalho que se
vergava para o solo na Flórida,
aqui,
folhas de louro e cravina, um punhado de sálvia,
e
aqui o que eu retiro da água, passeando à margem do lago,
(oh,
foi aqui que eu vi por último aquele que me ama ternamente e que
retorna para jamais se separar de mim,
e
este, este será para sempre o sinal dos camaradas, esta raiz de cálamo
será,
troquem-no
uns com os outros, ó jovens, e nunca o devolvam!),
e
galhinhos de bordo, e um monte de laranjeiras silvestres e
castanhas,
e
ramos de groselha e o cheiro das ameixas e o cedro aromático,
tudo
isso eu, cercado por uma multidão de espíritos,
vagueando,
aponto ou toco quando passo, ou jogo a esmo a partir de mim,
indicando
para cada um o que ele terá, dando alguma coisa a cada um;
mas
o que retirei da água à margem do lago, isso eu reservo
e
o hei de dar, mas somente àqueles que amam como eu mesmo sou capaz
de amar.
QUEM
QUER QUE SEJA VOCÊ A
SEGURAR AGORA A MINHA MÃO
Quem
quer que seja você a segurar agora a minha mão,
sem
uma coisa tudo será inútil,
dou-lhe
um honesto aviso antes que você me tente mais,
não
sou o que você supôs, mas muito diferente.
Quem
é aquele que deseja se tornar meu seguidor?
Quem
se apresentaria como candidato às minhas afeições?
O
caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo,
você
teria de desistir de tudo o mais, eu sozinho haveria de ser seu
estandarte único e exclusivo,
seu
noviciado seria pois longo e exaustivo,
toda
a teoria passada da sua vida e toda a conformidade com as vidas ao
seu redor teriam de ser abandonadas,
assim
me deixe agora antes que se complique mais, tire a mão dos meus
ombros,
me
largue e siga o seu próprio caminho.
Ou
então furtivamente em alguma floresta, para tentar apenas,
ou
atrás de uma rocha ao ar livre
(pois
em nenhum quarto coberto de nenhuma casa eu emerjo, nem em
companhia,
e
nas bibliotecas permaneço como quem é mudo, ou parvo, ou não
nascido, ou morto),
mas
muito possivelmente com você numa colina alta, primeiro vigiando
por milhas em volta para que ninguém se aproxime sem avisar,
ou
possivelmente com você a velejar no mar, ou numa praia do mar ou
numa ilha sossegada,
aqui
eu permito que você coloque seus lábios sobre os meus,
com
o beijo prolongado do camarada ou o beijo do recém-casado,
pois
sou o recém-casado e sou o camarada.
Ou,
se você quiser, metendo-me entre suas roupas,
onde
poderei sentir os soluços do seu coração ou repousar sobre o seu
quadril,
carregue-me
quando for através das terras e dos mares;
pois
apenas tocar você assim é o bastante, é o melhor,
e
tocando você assim eu adormeceria em silêncio e seria carregado
eternamente.
Mas
examinando estas folhas você se arrisca,
pois
a estas folhas e a mim você não entenderá,
elas
o eludirão no princípio e mais ainda depois, eu certamente o
eludirei,
mesmo
quando você pensar que me apanhou de modo inquestionável,
cuidado!,
você
logo verá que lhe escapei.
Pois
não é pelo que coloquei neste livro que o escrevi,
nem
é pela leitura dele que você o ganhará,
nem
são esses que me admiram e me elogiam com jactância aqueles que me
conhecem melhor,
nem
são os candidatos ao meu amor (a não ser no máximo alguns poucos)
os que sairão vitoriosos,
nem
meus poemas farão apenas bem, eles também farão mal, talvez até
mais,
pois
tudo é inútil sem aquilo que você poderá suspeitar em muitas
ocasiões sem compreender, aquilo que sugeri;
assim
me deixe e siga o seu próprio caminho.
(Tradução de Renato Suttana)
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