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O AMADOR DE POEMAS
(Paul Valéry)
SE olho de repente para o meu verdadeiro
pensamento, não me consolo com o ter que sofrer esta palavra interior sem
pessoa e sem origem; estas figuras efémeras; esta infinidade de empresas
interrompidas por sua própria facilidade, que se transformam uma na outra,
sem que nada mude com elas. Incoerente sem o parecer, nulo instantaneamente
em ser espontâneo, o pensamento, de sua própria natureza, é falho de estilo.
MAS nem todos os dias possuo a força de propor à
minha atenção alguns seres necessários, nem de fingir os obstáculos
espirituais que formariam uma aparência de começo, de plenitude e de fim, em
lugar da minha insuportável fuga.
UM poema é uma duração, durante a qual, leitor,
respiro uma lei que foi preparada; dou o meu sopro e as máquinas da minha
voz; ou somente o seu poder, que se concilia com o silêncio.
EU abandono-me ao adorável andamento: ler, viver
aonde levam as palavras. A sua aparição está escrita. Suas sonoridades
concertadas. O seu agitar compõe-se, segundo uma meditação anterior, e elas
precipitam-se em grupos magníficos ou puros, na ressonância. Mesmo os meus
espantos estão assegurados: foram previamente escondidos, e fazem parte do
número.
MOVIDO pela escrita fatal, e se a métrica
encadeia sem regresso a minha memória, sinto cada palavra em toda a sua
força, por tê-la esperado indefinidamente. Esta medida que me transporta e
que eu coloro, guarda-me do verdadeiro e do falso. Nem a dúvida me divide,
nem a razão me lavra. Nenhum acaso, mas uma sorte extraordinária se
fortifica; encontro sem esforço a linguagem desta felicidade; e penso por
artifício, um pensamento todo certo, maravilhosamente previdente,--com as
lacunas calculadas, sem trevas involuntárias, cujo movimento me comanda e
cuja quantidade me preenche: um pensamento singularmente acabado.
(Tradução de Sephi Alter)
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