ALENTOS
(Sephi alter)
I
a amendoeira
acho que é dia
vou entre línguas
que ninguém sabe
amarga e branca
em pleno inverno
o sol já vinha
florescia
fora da amêndoa
dentro das línguas
ninguém sabia
que despertava
com a flor primeira
acho que é dia
II
mexe mexe damasqueiro
ainda sem folhas ali
com as origens à mostra
todo o por dentro de fora
que até se vê através
das flores que não vieram
toca no que ainda dorme
mexe no mês de Janeiro
fica desarmado um ninho
onde o tronco se bifurca
desabitado uma roda
de restos em turbilhão
mexe dentro da origem
toca na polpa do alperce
invisível mas que vem
relâmpago no caminho.
III
se te lembras da China
ou se já tudo esqueceste, diz,
amoreira tão alta, cansada de
tudo. cantas agora em silêncio,
escuta-se
a tua altura sem neve.
lembras-te ao menos do verão
da fadiga, folha após folha
dizendo amoras amoras
dizendo tudo da seda da fruta.
cantar, diziam amoras
nos sinais do Outono
a cair a cantar
IV
querem as uvas sair daqueles
meandros
daquelas matérias mortiças;
vide dormindo sem presença
passa despercebida
tempo concentrado, vida escura
querem que pague a fé na
sepultura
que hás-de florir
dar sombra verde uma turba de
mãos
estender-te velocíssima
agarrar trepar aumentar invadir
o espaço
fazer brotar cabelos de bagaço
sei por ouvir dizer
por histórias contadas repetidas
coisas do teu futuro
cachos sumos bebedeiras
bondades crimes carreiras.
acreditas que sonhei
estar sentado à tua sombra
num socalco de Lisboa
e depois vinha uma abelha
de Évora com um ferrão
(daqueles que suicidam qualquer
abelha em qualquer lugar)
para me comer à mão?
V
nespereira
não pereira
que já seca
que já arde
na fogueira
pêra seca
sobre a mesa
desespera
a noite inteira
dizes freira
sempre verde
gargalhada
não esperada
cócegas dentro da nêspera
tragédias de Inês Pereira
nome doce
no caroço
abrasivo
na dentada
riso vivo
amarelo
como a casca
como a chama
alaranjada
quatro nozes
vinte vozes
contra a alma
mil algozes
no regresso do Japão
casa queimada não gozes
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