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SEM ARRANJO

 

(Sephi Alter)

 

Jorge tinha o nome estragado, já não servia para nada. Decidiu que não havia arranjo possível e quis mudar imediatamente. Perguntou em redor: quem é que manda nos nomes? Ninguém se acusou. Quem é que me ajuda a mudar de nome? Ainda menos reposta. Uma mulher sem dentes tentava dizer-lhe algo. Aproximou-se para descortinar o que era por entre a falta de dentes e julgou ouvir assim: olha, tens que ir ter com eles à loja do cidadão, explicas que o teu nome já não funciona, que queres outro, e logo vês o que eles te arranjam.

 

Chegou à loja do cidadão, havia uns homens fardados à entrada, Jorge disse-lhes, queria falar com o dono. Qual dono? O dono da loja, o cidadão ora que esta! Cidadão é você, e sou eu e todos nós, e esta a nossa loja. Quer dizer que somos nós os donos da loja? Não, não quer dizer nada. Mas quem é que manda nisto? Tire uma senha e espere pela sua vez.

 

Jorge chegou ao balcão dos serviços de identificação. Queria mudar de nome, se faz favor. Diga-me o seu nome completo. O meu nome já não está completo, aliás não creio que alguma vez tenha estado completo; sempre achei que tinha frinchas, entrava frio por todos os lados e quando chovia, ficavam as letras a boiar; agora está tudo podre e a cheirar a mofo. Mostre-me o seu bilhete de identidade. Não prefere que eu lhe mostre os meus testículos? Ou os meus dentes cariados e os chumbados e os buracos onde já houve e não há. Roubaram – me o bilhete de identidade. A falar verdade fui eu que roubei o meu bilhete de identidade e deitei fora, para trás dum muro que dá para uma lixeira, na Mouraria. Se calhar ainda lá está. Ainda não existem minhocas comedoras de plástico, podemos ir lá procurar mas era melhor não. O que eu queria mesmo era um nome novo que funcionasse. O que é que tem o seu nome? Está mal, está muito mal, está pior do que se tivesse sido comido pelas minhocas do plástico. Mas qual é o seu nome? É a maior podridão que possa imaginar; e para além do mais fede horrivelmente, verdadeiramente pestilento; por isso não o trouxe comigo; nem me tinham deixado entrar na loja. Ficou na lixeira, ao pé do bilhete de identidade, atrás do muro. Se alguém o quiser que vá lá buscar. Qual é o nome que pretende? Jorge, disse Jorge. E os apelidos? da Costa Penedo,  Jorge Manuel da Costa Penedo. Espere um momento… desculpe, mas já há uma pessoa com esse nome, Jorge Manuel da Costa Penedo, natural de Lisboa, Arroios, 1/4/1961. Pois é sou eu, e esse é o meu nome antigo que nunca mais morre. Mas quer continuar a chamar-se assim? Não propriamente, quero chamar-me Jorge Manuel da Costa Penedo, mas de novo; com o nome em bom estado desta vez.

 

Não perca este talão e volte cá daqui a cinco dias úteis. Só que este é o primeiro dia útil de todos os meus dias, só hoje é que arranjei forças para mudar de nome.  Você não percebeu, cinco dias úteis para quem trabalha aqui na loja, não úteis para si. É melhor telefonar-me então quando o meu nome estiver pronto, nunca serei capaz de calcular essa soma. Nós não telefonamos aos utentes. É pena,  disse Jorge. Lamento mas ordens são ordens. Posso cá voltar daqui a cinco dias inúteis?

 

Jorge voltou para casa com o talão no bolso, decidido a calcular pelos dedos a inutilidade dos seus dias. No caminho, foi de repente assaltado por uma dúvida simétrica: dedos da mão direita ou dedos da mão esquerda? Cruzou os braços e foi tamborilando contas de somar com os dedos das duas mão em uníssono: um dois três quatro cinco, um dois três quatro cinco, um dois três quatro cinco…dias inúteis, um dois…

 

As pessoas com quem se cruzava comentavam: olha, aquele fugiu do Júlio de Matos com camisa-de-forças e tudo. Mas tem um ar tão manso. Porque será que lhe vestiram a camisa-de-forças?

 

 

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