SONETO SEM MEDIDA
(Sephi Alter)
os dedos, era
preciso começar pelos dedos
uma vez que os
outros tinham desaparecido
restavam os
dedos como assunto, armas e instrumento de música
agora era
aproveitar as unhas para escavar os cantos
sem nenhuma
certeza quanto à casa nem
se erguida
tombada existente imaginada
só dedos eram
certos ou talvez um pouco a água e
havia fogo
verdade seja dita, e noite, sim, a forma da ausência se armar em presente
seria a noite, maneirismo vasto e negro.
e o vento
contava uma história em chinês que não se percebia bem por cima do lago,
amor nenhum
amizade nenhuma
se esperava sob o peso das coisas
principiar nos
dedos (então vamos lá) até às pontas
já que outra
saída não haveria
desenterrar uma
tecla carregar num botão e mais nada
talvez florisse
e o coração do
coração
a fazer vezes e
usos
era um só
mesmo aperto um
mesmo alívio
aberto
de coração sem
órgão
por trás do véu
que
nem sangue
vermelho nem sangue comum
mas só
encarnado e sujo e puro e porco
e meu e teu e
touro e
serpente e
gazela e lagarto e
dança da alma
das almas
retalhos de cor
a bater
do coração no
coração do coração
quando a
suprema dor que não é bem o caso agora
porque nisto de
supremacias que apertam muito sempre
perdi as
batalhas do sofrimento e não na quero mas se vem
há-de ser o que
for e o melhor é confessar desde já a ignorância
se bem que seja
dor o que aqui canta não será bastante para fingir
intimidades com
a morte por muito poder que prometa o fingimento
outros modos
haverá de desafogar a pena como por exemplo lembrar
o arremesso de
um avião de papel há tantos anos
que não pára de
aterrar nas mãos um segredo de letras para a vida inteira
os pontos sobre
os nomes que doem
pairam rasgados
carregados com os tons das vozes cheias
de regresso na
carrinha com toda a equipa cheias de
escolher uma
vítima igual ao meu nome despida por todos e colada
contra o vidro
em exibição das partes vergonhosas como o meu nome
chamado pela
voz mais doce e sem pudor como uma amostra
os pontos no
lábio rasgado no braço na testa que não se sente já
nenhuma destas
dores nem o pulso quebrado nem a clavícula
cometimentos
dextros assinalados em vento e cicatrizes
deixa-me pensar
no jarro a esvair-se em vinho
pelo fundo
rachado deixa-me sair ainda ao encontro
daquela
formosura do jarro inútil e continuar a dizer
impropriamente bem do que já só vento vaidade ou
quando muito um
hesitar antes de abrir
isto são
maneiras de rodar sem rumo esperas sem esperança
vislumbres da
revolução que tarda para sempre e o rol das vinganças
das cabeças
cortadas que não se dão nestes ares nem nesta língua
machados
aquáticos lâminas de água estranho país a desfazer-se
num dilúvio de
mar sem fim por dentro num interior sem fim realidade
mais louca que
a imaginação do louco isto aqui é nada à vista dos outros definidos
além do mar é
nada desejo de terra sensível escura vermelho praia escura
onde o
pensamento desse à costa e sentisse dores verdadeiras
no seu corpo
esfarrapado dores ou algo mais firme do que estas saudades
se mudares o
teu nome mudas o teu destino
disse e se o
meu destino fosse mudar de nome
se até agora
era mudar de nome a partir de agora será
outro quando
mudas de nome o destino velho se era mudar de nome
cumpriu-se
morreu
circuncida-me o
pé
circuncida-me a
canela
circuncida-me o
pulso
circuncida-me o
braço
circuncida-me o
ombro
circuncida-me a
boca
circuncida-me a
testa
sem resposta
parecia o mundo lá fora
uma voz
sumidíssima aguda a desfazer-se
prometia agora
um braço contra o lodo e logo se
apagava
fantasma cinzento a juntar aos demais
cuidados da
lembrança
a árvore de
repente disfarçava-se de assunto
numa carga sem
sentido mas que mesmo assim
queria ser
ouvida quase gritava um verde que logo desaparecia
sem deixar
rasto além de cinzas de falta de verde
e era o verão a
vitória do sol e aquele verso do só
que diz as
mortes nas vidraças verso que fica para eu nunca perceber
chegava agora
com o disfarce da árvore
e vinha a
propósito vinha mesmo a calhar nesta
falta de
entendimento quente a pedir chuva
a memória apaga
o sol daqueles dias antigos
escreve nuvens
acinzenta o azul que de certeza havia
no carro junto
ao rio até ao mar soavam
dizeres sábios
de marinheiros que eu ouvia para logo esquecer
no cinzento
gravado por cima de qualquer lindeza
ficou só a
palavra estai uma espécie de vela estai e
toda arte se
resumiu
nesta ignorância
de repente a
loucura começa querer dizer
a querer
contar os pontos da cicatriz as
vinte e duas
letras assinam o teu braço
estás
secretamente escrito pela porta de vidro
tudo se
conjugou para que os tendões fossem poupados
não temas os
dedos ainda mexem
e o braço e a
gordura assinalados esperam
a tua história
para adormecer
agora ao que
parece o corpo deveria ganhar peso
des
dissolver-se precipitar-se fora do primeiro lago
aprenderia
então os outros modos
alcançaria o
limite da água
despertaria todos os adjectivos possessivos
bem cedo de
manhã partiríamos juntos
reconheceria os
que não me tocam
chamaria mãe ao
resto
o náufrago
pergunta pelo nome afogado
nada ao largo
de luanda tenta alcançar a baía de cascais
de encontro à
muralha as ondas quebram suaves
um hospital do
outro lado talvez alívio para joelhos feridos
nada de médicos
homens de bata branca mas cantores
olham debitam
em coro uma maldição
aproximam-se do
alpendre de microfone em riste
misturam a voz
ao burburinho contente do maior número
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