FELICIDADE
(Vincenzo
Quillici)
Em
certo dia, o senhor Jacquemard pôs-se a pensar. Tinha entrado na
sala depois de vir da rua, atravessado o vestíbulo sem reparar em
nada e, ao acender a luz, viu os tigres. Olhou de novo. Um estava ao
pé da mesa, com um ar de expectativa e o outro, maiorzinho,
acomodado no sofá.
O
senhor Jacquemard, depois de ter tirado o maço de “Gauloises”
da estante ao pé da televisão, apagou a luz e fechou a porta
mansamente. Desceu as escadas, fez um gesto feio nas costas da
porteira e saiu para o frio de Março. O senhor André, o ronha
reformado do Estado, bastante mais velho que Jacquemard e perito em
electricidades, estava como sempre na sua mesa por detrás da montra
do cafezinho da esquina e olhou-o suspeitosamente. O senhor
Jacquemard foi andando, pensando como um homem a quem tivesse saído
a lotaria sem estar à espera. No seu peito algo ronronava com
ternura. Jacquemard começou a recordar-se da sua infância no Poitu:
os regatos correndo entre bosques de avelaneiras, o fumo sobre os
telhados das casas da quinta, o tilintar dos chocalhos das vacas da
courela de mestre Paupel, o seu boné de abas quando era inverno.
“Jacquemard, pensou de
si para si, há coisas na vida
que não podemos explicar. Tomemo-las como ofertas do mundo
misterioso. Não esperar mais do que a nossa conta... isso é que é
saudável!”
Em
vista disso, foi andando para a tasca onde costumava fazer as suas
refeições desde que a mulher falecera, resolvido a destroçar uns
belos linguados salteados com batatinhas. Um dos seus pratos
favoritos, ainda que não fosse um comilão.
Ia
cheio de paz, mas um bocado intrigado. Disse com os seus botões:
“Logo, quando me for deitar,
espero bem que também lá estejam uns avestruzes”. O senhor
Jacquemard sempre fora, e isto desde pequeno, um homem de espírito
aberto, curioso até mais não. Lá na loja, por causa disso, os
colegas até lhe atiravam às vezes, de raspão, piadas que lhe
entravam por um ouvido e saíam pelo outro.
(in
"Contos
do parque”)
(Tradução
de Nicolau Saião)
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