O
PARENTE
(Vincenzo
Quillici)
A
senhora Beaumont, Mélanie Beaumont de sua graça, todos os sábados
de manhã se deslocava a ouvir missa em Saint Sulpice. Gostava da
igrejinha, do jardinzito próximo e do mercado mesmo ao pé onde
frequentemente se abastecia para a semana. Comprava endívias,
laranjas de todo o ano, rabanetes de que era particularmente gulosa,
peixe e alguma carne. Flores da época, se era tempo delas umas
cerejas, rabanadas e bolo-dôce. A senhora Beaumont, que era uma alma cândida, usava no tempo
frio um casaco castanho claro a condizer com o seu cabelo
cuidadosamente pintado – embirrava com as brancas e perdoava-se
esta faceirice – e um lenço de cabeça às pintinhas discretas
que lhe ficava muito bem. A senhora Ricot, a vendedeira de verduras,
via-se mesmo que lhe tinha alguma inveja.
Naquele
sábado a senhora Beaumont sentia uma pequenina pontada no peito. As
coisas, desde as árvores aos automóveis, parece que estavam assim
como que enevoadas, fluidas e até julgara distinguir um buçozinho
sob o nariz da menina Sabine, que era loira e roliça, com os seus
braços clarinhos mexendo-se daqui para ali a pesar o peixe e a
fazer os trocos.
Foi
quando abandonava o mercadinho e ia já virar para a rua Vosges,
direitinha a casa, que o homem se lhe dirigiu, polidamente ainda que
com ar resoluto. A princípio não percebeu, julgara ter ouvido mal.
Decerto um pouco intimidado ante o seu ar de incompreensão, o
cavalheiro repetiu contudo:” Senhora
Mélanie Beaumont, não é assim? Sou seu filho."
A
princípio ficou como que paralisada. Depois, segurando-se nas
pernas, olhou o moço bem de frente e começou ao mesmo tempo a
reflectir. É que lhe achava um ar familiar. Ferdinand, o gascão de
bigode e olhos indagadores? O Egobert, que era caixeiro e gostava da
sua pinga? O Maubart, que apesar de aborrecido era bom sujeito? Não
era capaz, digamos, de enquadrar a cara do moço numa recordação
determinada. Mas sorriu, já com a ideia fisgada de lhe fazer depois
um interrogatório em regra. “E
o senhor seu pai… como vai passando?" perguntou com natural
delicadeza embora um pouco indecisa.
Enquanto
o rapaz lhe respondia, esclarecendo-a que ele falecera pouco tempo
atrás, a senhora Beaumont ia dizendo de si para si que já teria
algo para contar à noite, no serão habitual com a vizinha Malverne.
(in
"Contos
do parque”)
(Tradução
de Nicolau Saião)
Nota:
Nascido em Aubagne em 1967, poeta e contista Vincenzo Quillici, é
de ascendência transalpina. Deu a lume poemas e “Recits
du parc”, pequenas histórias do quotidiano onde brilha uma
crueldade terna e desenvolta.
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