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ALGUNS PENSAMENTOS E
AFORISMOS SOBRE LITERATURA E LINGUAGEM
(Renato Suttana)
Escrevo, sinceramente, sobre a insinceridade de
escrever.
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Temos a linguagem, mas não a temos plenamente. As
palavras nos são estranhas, e nós as olhamos com
estranheza. O que quer dizer casa, fracasso,
sentimento? Não temos resposta para essa
pergunta. E, no entanto, precisamos delas — das palavras
— para expressar os nossos pensamentos e dar a ver
aquilo que somos. E precisamos nos expressar para saber
o que somos.
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Não sabemos o que são os nossos pensamentos e ignoramos
o que as palavras querem dizer. Usamos as palavras como
se elas soubessem mais sobre nós mesmos do que ousamos
conceber. É como se elas nos expressassem por fora
daquilo que somos e da própria consciência que temos de
nós. Frequentemente nos espantamos com o que elas nos
dizem e, quase sempre, não as compreendemos.
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Pobre daquele que tenta elaborar teorias sobre a
linguagem, o ser e a vida, sem saber o que as palavras
dizem realmente. Talvez escrevamos poesia como uma
tentativa de responder às nossas indagações. Mas não
sabemos o que é a poesia, e não sabemos o que é
escrever.
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É preciso olhar as palavras com desconfiança. Nós as
usamos com familiaridade, mas a familiaridade é
enganosa. Ela nos mantém presos do lado de fora.
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O filósofo Ludwig Wittgenstein dizia que a linguagem não
exprime a realidade das coisas, mas as mostra (as
coisas), dando-as a ver. Para saber o sentido da palavra
casa eu preciso mostrar o objeto casa.
Mas de que modo a palavra casa se conecta a esse
objeto? Que garantias tenho de que existe efetivamente
tal conexão e de que ela não é apenas um evento fortuito
ou uma ilusão do meu pensamento? Ora, tudo se passa como
se eu soubesse: expresso-me, falo como se
tivesse a linguagem à minha disposição.
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Dizer que nada se sabe é sempre falso. Sabe-se sempre
alguma coisa.
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Escrevo poesia como se conhecesse o sentido das
palavras. Escrevo prosa como se ele me fosse familiar.
Em ambos os casos eu sou um desconhecido para mim mesmo
e perambulo às cegas por lugares estranhos.
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Mesmo quando atravesso uma paisagem desconhecida, tenho
uma espécie de segurança em relação a mim: onde tudo me
é estranho, eu, pelo menos, estou lá. Sou familiar a mim
mesmo em meu desconhecimento.
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Sou familiar a mim mesmo e me desconheço. Uso palavras
para me expressar e me dizer quem sou eu ao meu
pensamento. Mas não sei o que as palavras significam e,
quando me dizem alguma coisa, tenho apenas a impressão
de que as compreendendo. Por acaso sei o que é compreender?
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Ora, a ideia da familiaridade é de todas a mais
estranha. Parece-me estranho ser familiar a qualquer
coisa, mesmo que o nome dessa coisa me soe familiar.
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A palavra coisa já me é bastante estranha, quase
desconhecida.
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Escrever é aventurar-se no desconhecido. O primeiro
passo de quem escreve já implica uma entrada no
desconhecido. Os passos seguintes são modos de se
comprometer ainda mais.
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Pessoas que usam a expressão aventura criativa
deviam pensar melhor sobre o que isso quer dizer. A
situação se agrava quando anexam ao composto algum tipo
de adjetivo: “intensa”, “ousada”, “inusitada”, etc.
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Em boca fechada não entra mosquito, diz a máxima
popular. Mosquitos são, em todo caso, um tipo
(repugnante) de alimento.
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“Não te achei no teu poema.” Excelente fórmula para se
utilizar em apreciações de crítica: “Não te vi nas tuas
palavras.” Mas ninguém nunca se viu (nem nos viu)
realmente.
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Passar o dia à mercê de oscilações de humor e estados de
espírito — é uma coisa terrível. Pela manhã se comparece
a um velório, à noite se vai a uma festa. À tarde,
entramos numa discussão doméstica que nos faz ter
vontade de fugir para um lugar tão distante quanto a
Sibéria. Mas logo em seguida recebemos a notícia de que
nosso livro foi contemplado com não sei que prêmio
literário. E nossa bursite (ou outra coisa qualquer) não
nos deixa em paz. Pela manhã se escreve o melhor poema
de uma vida; e à noite se conclui que tal poema não
passou de um equívoco.
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Digo que a crítica não tem lugar na literatura e
sustento essa ideia. Mas é preciso ser crítico o
tempo todo. Como no caso de alguém que anda por uma
floresta desconhecida e que tem de estar atento o tempo
inteiro aos perigos que espreitam por toda parte —
inclusive à necessidade de não andar em círculos.
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A crítica literária é uma atividade confusa e geralmente
cega. Os críticos falam com segurança sobre aquilo que
não compreendem.
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Sentir-se inseguro o tempo todo é uma das formas do bom
senso.
15/27-7-2021
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