TRÊS POEMAS DE CRISTO
DE CINZAS
(Olney São Paulo)
MÁRMORE DE SONHO
A chuva castigava o falso teto que me
abrigava.
Afora isto, silêncio e frio.
Tão bom era aquele cobertor puído,
gasto.
Se tivesse sabido o quão importante
seria,
Já na época teria chorado de saudades e
melancolia.
Tais tardes de chuva, com seus cheiros
de terra,
Sonhos de aconchego me davam.
Minha alma embalada no sussurrar da
chuva.
Meu corpo aquecido deste calor.
Temperatura vigiada pelos olhos cegos da
minha mãe.
Hoje, ainda cega, vigia e controla o
calor que me cuida.
Mas aquele encharco de vida,
Açude onde minhas cabras bebiam com seus
olhos costurados,
Congela no tempo.
A esponja úmida de amor tingiu-se em
barro.
O cobertor tornou-se mortalha.
Demente, afundo os pés
Na lama infértil de minhas lembranças.
Nunca mais dormi de tal forma.
Nunca mais senti o cheiro da chuva.
Meus olhos nunca mais descansaram
tranqüilos.
Sou como minhas cabras gritando de
sede...
Durmo e acordo eternamente.
Tal qual minhas cabras,
Com meus olhos costurados,
Ferida aberta em pus,
Chorando as pedras que não entendi.
(Do livro no prelo Cristo de Cinzas,
2005-6)
QUIMERAS
Dormíamos no mesmo quarto, na mesma
cama.
Seus pés em minha cabeça,
Meus pés em sua cintura.
Para mim, a vida era acordar.
Seus soldados de chumbo cheiravam a
chocolate.
Não tínhamos chocolate.
De onde vinha tal cheiro?
Um rezava enquanto calçava, com jornal,
seus sapatos.
Rezava e benzia-se do presente,
Pressagiando o sofrimento de seu futuro
imediato.
O outro, tímido, sonhava, filosofava,
Polindo, na pedra bruta, sua alma.
Eu e o outro simplesmente brincávamos.
Caíamos da bacia na hora do banho.
Eu fazia planos para o futuro.
Ele tinha medo do presente.
Acreditávamos no canto.
O grito desesperado de liberdade.
Para nós, a canção cantava.
Solitário, percorria o projeto de
cidade.
As levas de ciganos e pistoleiros,
A feira do rato,
O campo do gado.
Passava horas vagando.
Vagabundeando pela cidade.
As cebolas podres,
O alho macho no bolso.
Ali, terra sem futuro,
Minha solidão tornava sólida e real
A minha existência.
(Op. cit.)
LUZ CEGA
Feira de Santana,
Penteaste meus cabelos longos,
Com tuas mãos cegas.
O brilho oculto de teus olhos,
Iluminou minha ilusão de vida.
Foste, és e serás,
Eternamente,
Os nós de meus cabelos finos.
Eternamente,
Os acordes no canto do cancão.
Foste em mim o êxodo da alma.
O caminho frente a meu passado.
Origem real e desespero.
Quanto gosto
De tuas mãos em meus cabelos.
Feira de Santana,
Menina dos Olhos D’água.
Banhaste em tua seiva
As dores de minhas costelas.
Estrela em meu Norte perdido.
Jamais encontrei meu Equador.
Desatinado entre dois trópicos,
Espero meu equinócio final.
Mas, de fato,
O que importa é a busca.
E até hoje busco,
Em teus olhos cegos,
O amor fecundo
Que me deste,
E que em mim secou.
(Op.cit.)
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