ODES
(Olívio Costa)
a meu mestre
Ricardo Reis
Não tenhamos
remorsos
que levemos à
noite, como fardos –
que, após vencido
o dia, transportemos
para dentro da
noite.
Ao bebermos,
bebamos
à claridade da
hora e ao rio calmo
que, o dia
inteiro, cumpre o seu caminho,
sem esbordar das
margens.
Sejamos
totalmente,
em nós mesmos,
aquilo que fizermos
de nós mesmos,
vivido totalmente
no dia em que o
vivemos.
Recebamos, com
calma,
a oferenda dos
dias –
e amemo-nos com
calma, aqui, sentados
ao pé deste
carvalho.
Amemo-nos,
pensando
que todo ardor
consome
e que toda
ansiedade impõe excessos
que o coração
oprimem.
No espelho deste
lago
que a suave brisa
encrespa,
não lancemos
senão a nossa sombra –
o peso dessa
sombra.
Não tanto
indiferentes, branca Lúcia,
pois não convém
aos homens, mas voltados,
como estas
flores, para o sol, que dá
luz e calor às
plantas;
a devolver em cor
quanto nos seja
concedido de luz
e de calor:
atravessemos, da
manhã à noite,
toda a extensão
do dia:
acolhendo a
estação abertamente
e da terra
apanhando fruto e flor –
amplamente
voltados para a luz
que o céu nos
endereça.
Crenças,
Lúcia, não tenho, nem pretendo,
nem penso que a
verdade tenha feito
ao meu humano
ser, mesquinho e fraco,
o favor de
mostrar-se.
Creio nos deuses
como creio em ti:
com um sentimento
leve de que estão
sobre o céu ou no
mar, mas de que em tudo
me são
desconhecidos.
Dia a dia ao meu
lado eu te descubro,
e és tu quem me
acompanha até o campo,
sem que eu saiba
de ti senão que és bela
e vais comigo ao
campo.
Assim também os
deuses: dia a dia,
iluminando o céu,
movendo as águas;
mas plenamente
ocultos em mistério –
em baça
incompreensão.
Mesmo os
deuses, senhora,
sujeita-os o
destino –
dirás: não o
destino,
mas serem eles
deuses.
A nós sujeita o
fato
de que haja noite
e dia
e a distância que
vai
da minha à tua
casa.
.............................................
(E amanhã, quando
velhos,
teremos a
lembrança
de que um dia eu
te disse
que há deuses e
destino.)
E nome de um
só deus,
conceberam um
dia, ó linda, os homens
a sombria ficção
do deus
crucificado.
De onde veio,
formosa,
aos homens essa
idéia, nem os deuses
que ora estão
silenciosos
o saberão dizer.
(Ou pode ser que
o saibam,
mas seu silêncio
de hoje nos oprime
e nos deixaem nom
perplexos
à sombra de uma
cruz.)
No entanto que
não seja
(mesmo após vinte
séculos de olvido)
tarde demais ou
cedo
para o que nos
convém:
este seguirmos,
juntos,
de mãos dadas na
tarde ensolarada –
alimentando
apenas
sonhos de deuses
claros.
Do livro
"Odes" (inédito)
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