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Sobre
a Literatura Portuguesa Contemporânea
(Nicolau Saião)
Quando sou convidado para vir conversar em
lugares como este, durante alguns dias tento articular uma introdução
apropriada, defrontando-me então com um acervo de inícios possíveis.
Provavelmente passa-se o mesmo com qualquer
outra pessoa nas mesmas circunstâncias. Mas no meu caso, confesso,
fico ligeiramente mergulhado numa certa indecisão, que a meu ver
parte do facto de que, à medida que os anos passam, me parece saber
cada vez menos, ter cada vez mais interrogações perante a questão
da escrita e ante o que ela pode significar para os meus semelhantes
em geral e para mim mesmo em particular.
Creio que tal se deve à circunstância de eu não
ser, segundo me parece, um pensador mas apenas um indivíduo que foi
através dos anos descobrindo uma certa pequena
música na literatura própria e alheia e alguns segredos presumíveis
nas palavras e no reflexo que elas por vezes são.
Mas antes de passarmos ao assunto nuclear que
aqui nos trouxe – uma incursão (ainda que breve) e um olhar
(ainda que de relance) sobre a literatura portuguesa contemporânea
– conviria talvez efectuarmos uma ligeira reflexão sobre a questão
da escrita. E escrita praticada nestes tempos peculiares em que a
Europa das pátrias tenta novas soluções comunitárias e o mundo
se vê percorrido por ritmos sócio-económicos muito particulares.
Ao escrevermos, e naturalmente aponto para o
meu caso pessoal, talvez não fosse asneira meditarmos no facto de
que, de acordo com alguns sagazes especialistas, logo contestados
por outros tão sagazes como eles, o território da escrita é o
território da indefinição e da suspeita, da maior luz e da mais
profunda sombra, isto se quisermos recorrer a símbolos. Pela minha
parte tenho concluído que a existência projectada num determinado
espaço de escrita configura sempre a observação, por vezes a
instauração, dum espaço caótico, seguido nos melhores casos da
sua reconversão. Ou seja, segundo o raciocínio que a lógica dos
sinais e dos símbolos comporta, um acto que provém do jogo
efectuado em circunstâncias mortais no seu plano próprio, no plano
da vida enredada nas palavras a que o “Zohar” alude: “Todas as palavras podem ter cinco sentidos e algumas têm mesmo muito
mais”. Porque, com efeito, o caos manifesta-se a cada passo,
vivemos num Universo regido pelo “princípio
de incerteza” de Heisenberg, o que pressupõe, por extensão e
antítese, que a acção do sujeito, enquanto “anima
mundi”, é o verdadeiro princípio gerador da ordem e da
realidade. E aqui está porque é que a ordem das instituições e
dos poderes é tão incapaz de estabelecer uma relação harmoniosa
entre o ser e o meio societário. Máquina esvaziada de sentido,
palavra perdida num oceano de dura penumbra e de aparências
fragmentadas, ela não é mais que uma ilusão arteiramente
acatitada através dos séculos, ainda que as consequências
produzidas tenham sido sempre funestas, sempre duvidosas. A palavra
que contém em si o verdadeiro sopro vital é bem outra: a que se
consubstancia na figuração e no posterior entendimento do secreto
sentido do Mundo, ou seja, aquele que é o cerne da própria matéria,
como um sal unindo enxofre e mercúrio.
Dito de outra maneira: a palavra
poética, seja ela em verso ou em prosa, que é simultaneamente
significante e significado.
Segundo parece há na operação alquímica um
momento em que o operador, depois de efectuado um “tour
de main” apropriado, fica dependente de um lampejo em que a
sua imaginação, mais que o seu conhecimento, lhe indica o que
fazer. O mesmo se passa a meu ver na poesia: há, nos melhores casos
e nas melhores alturas, um encadeamento feito de sabedoria em que,
como referia Chesterton, somos levados ao país das fadas. O grande
problema, o penoso problema, é que vivemos numa sociedade de
afrontamentos que, apesar da democracia mais ou menos envolvente, é
um meio propício ao desenvolvimento do efémero
contínuo, mais do que o “presente
contínuo” a que um conhecido filósofo contemporâneo fez
referência numa obra sua.
E, uma vez que vivemos nessa tal sociedade,
talvez faça sentido recordar que, desde Georges Simmel, que através
dos seus estudos chamou a atenção para o que depois tomaria o nome
de “socialização da morte”, se tem conhecimento de que, e cito “o
espaço social mantém e encerra os ossos com o excremento dos
vivos, acumula os locais vividos de geração em geração, suscita
uma unidade atemporal que envolve o Homem na trama já constituída
da morfologia e da paisagem. É uma unidade, sem dúvida,
inteiramente psíquica, pois os acontecimentos podem levar um grupo
a certas deslocações e os nómadas não sentem a necessidade dessa
estabilidade campal, mas esta frágil unidade é como aqueloutra da “memória
colectiva” de que falará
Halbwachs, mais ligada ao meio que à duração”.
E, penso eu, não devemos perder de vista o facto de que a
sociedade actual se caracteriza, entre outras coisas, por
possibilitar que se camufle a violência interior, que é a mais
perigosa e arrasadora, sob artefactos mentais de violência exterior
dados como naturais, inevitáveis ou até como exigências de
maiorias claramente controladas por uma certa ideia, desvirtuada,
das necessidades de Estado. Talvez faça sentido, ainda,
considerarmos que nos encontramos em reciprocidade de acção, quer
sejamos mais permanentes ou mais passageiros – passe o simbolismo
destes termos – e que as estruturas deste fim de século dependem
muitíssimo de abstracções que já pouco têm a ver com as
realidades individuais ou grupais existentes. Daí o desacordo
frequente entre personalidade e colectividade e que tem a ver com o
“apodrecimento das
sociedades” detectado, entre outros, por Georges Pérec e Paul
Virilio mas também, noutro continente de preocupações, pelo sagaz
e recentemente desaparecido Jean Guitton.
A escrita e a literatura – e naturalmente na
portuguesa contemporânea isso também acontece – dão sinal desse
tempo e dessas circunstâncias e, na minha opinião, não só pelo
que expressamente dizem mas
também pelo que não dizem (ou não lhes é consentido que
digam mediante os mais diversos entraves – que podem passar pelo
simples facto de se dificultar a publicação aos autores incómodos).
Aqui, tenham a bondade de me consentir que
transcreva umas palavras de Thomas Mann, que a dada altura dum
ensaio da sua lavra nos diz: “O
artista e a sociedade. Pergunto-me se chega a compreender-se com
clareza quão complexo é o problema que enfrento.(…) De facto, muito bem se sabe que o artista não é em si mesmo um ente
moral mas um ente estético, que o que o inspira e move não é a
virtude mas o jogo, inclinado espontaneamente a jogar, ainda que
mais não seja que dialecticamente, com os problemas e as antinomias
da moral”.
Todavia, acrescenta o Autor logo a seguir, “o artista melhora o mundo de maneira distinta à que é preconizada pela
moral, e precisamente incorporando a sua vida pessoal – e de
maneira representativa a vida em geral – à palavra, à imagem, ao
pensamento, dando-lhe um sentido e uma forma e tornando transparente
o que Goethe chamava ‘a vida da vida’: o espírito. Em nenhum
caso poderei contradizer o artista quando afirma que o fim da arte
é a ‘vivificação’ em todos os sentidos e não outra coisa (…)”. E mais adiante, e a finalizar esta citação, refere: “A
verdade é que o artista, nas suas realizações e nas suas formas
individuais começa sempre como algo de novo e, impregnado de
ingenuidade, sem se conhecer, ou melhor, sem se reconhecer, vai
adquirindo vida de maneira espontânea, sempre de maneira totalmente
nova e absolutamente única. Cada caso que nele se manifesta é um
caso extraordinário, determinado pessoalmente, de modo particular”.
Em
Portugal estamos a atravessar, uma vez mais, dias em que o
novo-riquismo e o ambiente filisteu da mais baixa extracção se
erigiram em valores sensíveis e que certos sectores buscam
apresentar como naturais e irrepreensíveis. Fará talvez sentido,
então, sublinhar uma vez mais que o artista não desfigurado e
vertical e alheio às mundanidades continua a ser um pólo de
consciencialização, embora isso seja extremamente entravado pelo
jogo intrincadamente societário de muitos sectores que, no país,
procuram imitar em caricatura o que lá fora se faz com mais experiência,
mais discernimento e até com certa lealdade, embora esta seja uma
lealdade nefanda, uma vez que tenta fazer passar como exemplares,
conseguindo-o frequentemente, ritos de massificação, propondo com
certa argúcia os valores do precário, do aparente e do vazio
pedante como questões fundamentais.
É isso que explica, a meu ver, um epifenómeno:
o surgimento da chamada literatura
light, género que aliás mostra o seu parentesco com as
telenovelas e que encena, de modo ligeiro e aproximativo, as
aventuras e desventuras de uma certa pequena e média burguesia
urbana ou urbanizada. Ou o surgimento, como autores de ficção, de
indivíduos ligados à actividade pública – como políticos e repórteres,
por exemplo – e que o marketing
logo acarinha devido à sua relativa celebridade e que passam como
fogachos num céu de Verão.
Mas, indo agora ao ponto principal, de que
falamos quando falamos de literatura portuguesa contemporânea?
Num enfoque sobre a literatura portuguesa
devemos, a meu ver, estabelecer um critério temporal, não
esquecendo contudo que há autores mais antigos que, no ano de 2004
em que estamos, nos aparecem como mais actuais do que outros que
neste momento dão a lume os seus escritos. É o caso, por exemplo,
de Graça Pina de Morais com a novela “A origem” ou de Agostinho
da Silva com “Herta, Teresinha e Joan”, muito mais interessantes
e resistindo melhor ao tempo que outras vozes posteriores, que
mau-grado a sua persistência vão enrouquecendo assim que é
passada meia-dúzia de anos.
Quer tenhamos a opinião de que a literatura
contemporânea começou com o movimento “Presença” (José Régio,
Branquinho da Fonseca, João Gaspar Simões, Miguel Torga, Francisco
Bugalho…) – uma vez que as vozes do chamado Futurismo, como hoje
se percebe, afinal ainda estavam presas a cadências que vinham
marcadamente de trás e contra esse passado é que se definiam –
ou consideremos que a maior contemporaneidade teve início quando
esse movimento findou formalmente, não podemos afastar o facto de
que na Literatura Portuguesa se exercem dois ritmos fundamentais e
que são, no fundo, comuns ao que se passa na Europa: um que parte
dos exercícios no quotidiano e que busca efectivar um determinado
realismo e outro que, recusando um realismo que considera estreito,
no fundo dá uma fotografia mais adequada do tempo em que se vai
construindo.
Por estranho que pareça, em Portugal ainda por
vezes persiste a velha querela do neo-realismo (que foi
fundamentalmente uma fabricação de sector político enquanto
movimento organizado) ou de um certo realismo sedimentado, contra as
diversas surrealidades que entretanto foram acontecendo. Claro que
é mais uma escaramuça de velhas comadres, uma vez que os autores
mais desembaraçados vão efectuando a sua obra sem se aterem a
esses considerandos.
E os autores mais significativos dum tempo que
já lá vai indo – como dum lado, por exemplo, Carlos de Oliveira,
Manuel da Fonseca, Antunes da Silva (na sua poesia isso é patente),
Ferreira de Castro, Mário Dionísio, José Cardoso Pires e José
Rodrigues Miguéis, este último claramente perpassado pelo contacto
com o estrangeiro onde viveu durante largos anos; ou, do outro lado,
Manuel de Lima, Mário-Henrique Leiria, Herberto Hélder ou
Alexandre O´Neill – têm no que escreveram o sinal evidente da
ultrapassagem dos cânones, o que lhes permitiu não ficarem
enredados nos timbres das respectivas “escolas”
de que partiram ou que os influenciaram.
Os nomes que referi pertencem formalmente ao
meio-século e aos anos sessenta, com prolongamentos residuais palpáveis
até aos nossos dias. Conviria aqui assinalar também os nomes de
Cristóvam Pavia, José Blanc de Portugal ou, mais tardiamente, José
Bento como autores que souberam ou puderam levar para diante a menção
contida no que antes, posto que com outro propósito, Mário
Cesariny, Pedro Oom ou António Maria Lisboa haviam cometido; e, do
outro lado funcionalmente realista
(com todo o eventual equívoco que esta palavra pode conter), os
casos de Egito Gonçalves, Vítor Matos e Sá, Fernando Namora, José
Gomes Ferreira ou António Borges Coelho.
Há nomes, entretanto, incontornáveis
–desses tempos até aos nossos dias – pese embora à por vezes
precária arrumação das estantes nacionais da especialidade:
Fernando Pessoa, que foi vários em seu universo singular; Aquilino
Ribeiro, beirão retinto e em cujas novelas e tomos memorialistas se
distingue o cheiro do terrunho que também se sente no saudosismo
amplo de Pascoaes; Irene Lisboa, poetisa e novelista cuja alta
qualidade os melhores souberam reconhecer; David Mourão-Ferreira,
poeta lírico, ensaísta e agudo novelista com o seu “Gaivotas em
Terra”; António Luís Moita, com uma poesia onde a nostalgia é
transportada por uma escrita rigorosa e exigente (“Cidade sem
tempo”); Vitorino Nemésio, poeta e ensaísta, com um romance
superlativo (“Mau tempo no canal”); o presencista Branquinho da
Fonseca, contista de nível europeu; Mário Cesariny, também
pintor, com versos onde a magia se congrega com um real quotidiano
transfigurado; Luiz Pacheco e os seus “Exercícios de estilo”
que transbordam para contos de recorte abjeccionista; a poesia ática
de Sophia de Mello Breyner; Maria Gabriela Llansol com os seus
textos nos quais se cruzam diversos registos duma escrita convulsiva
e simultaneamente envolvente; Fernando Echevarria, que antecipou nos
seus poemas muitos dos melhores ritmos de hoje; Álvaro Guerra e a
sua trilogia dos Café que corrobora anteriores romances; António
Franco Alexandre e Fiama Hasse Paes Brandão com uma desconstrução
de ritmos poéticos a que ninguém ficará indiferente; Manuel António
Pina que, sendo também cronista, faz reflectir nos seus textos um
universo inquietante e surpreendente a que uma súbita inflexão dá
a sua verdadeira face de realidade; Maria Judite de Carvalho com um
perturbante e belíssimo “Tanta gente, Mariana” onde a questão
do destino é analisada ponto a ponto de forma desencantada; o
teatro “erótico e religioso”de
Bernardo Santareno, bem como o mais quotidiano de Luís de Sttau
Monteiro; um intensamente vernáculo Tomás de Figueiredo; Vergílio
Ferreira, com romances nos quais se espelha a inquietação metafísica
que o preocupava; Ana Hatherly, também desenhadora, que sabe
brincar a sério com as palavras; João de Melo e Américo Guerreiro
de Sousa, em cujos romances perpassa uma clara angústia de viver;
Inês Pedrosa com um significativo “A instrução dos amantes”
onde se reflectem timbres comuns a muitos autores estrangeiros;
Dinis Machado que como um meteoro atravessou o horizonte com o seu
famoso “O que diz Molero” para a seguir ficar quase calado;
Fernando Assis Pacheco com um “Trabalhos e paixões de Benito
Prada” de espanholíssima intenção; o multifacetado Jorge de
Sena com o seu “O físico prodigioso”; Casimiro de Brito, que
também tem tido importante acção à frente do Pen Clube; António
Ramos Rosa, que torrencialmente exprime a sua poesia seminal; um
Alberto Pimenta irónico e, em boa verdade, sofrido com os “disparates
do tempo”; José Miguel Fernandes Jorge e o seu peculiar
discurso poético; Lídia Jorge, em cujo romance “A costa dos murmúrios”
vibram ainda os ecos do Império; um novíssimo José Luís Peixoto
com o comovente “Morreste-me” ou o sedutor “Nenhum olhar”
que os sulcos do marketing ainda
não conseguiram prejudicar relevantemente; Cruzeiro Seixas, um dos
pintores surrealistas mais destacados cuja poesia de poder
transfigurador foi ultimamente revelada; um João Luís Barreto
Guimarães, um Amadeu Baptista e um Ruy Ventura, uma Eduarda Chiotte
e uma Rosa Alice Branco, um Gonçalo M. Tavares, um Luís Quintais,
um Daniel Faria e um José Tolentino Mendonça que entre outros vão
conferindo à poesia portuguesa mais chegada as suas melhores honras
e o seu melhor quilate.
Não falando nos livros com que Saramago se viu
galardoado com o Nobel, ou os romances de recorte deliberadamente
bem moderno de um Lobo Antunes, de uma Agustina Bessa-Luís que como
uma sibila se tem ido revelando, ou de um Fernando Campos que busca
na História os seus temas e protagonistas.
A vol
d’oiseau citemos também algumas revistas actuais onde a
actividade de poetas, contistas e ensaístas se tem exercido: a
quase institucional “Colóquio-Letras” da Fundação Gulbenkian;
a “Ler” do Círculo de Leitores e onde ganhou relevo o
publicista Francisco José Viegas; a “Sol XXI” compósita e com
um roteiro abrangente de nomes muito diversos em qualidade e estilo;
a “Saudade” com números mais ou menos temáticos; a “Águasfurtadas”
primeiramente dirigida pelo poeta Rui Lage e dada a lume por
estudantes do Porto mas que vai para além das suas fronteiras
naturais; a “Apeadeiro” que é também um órgão de
autores/editores; a “Bumerangue” onde se destacou o nome de
Fernando Guerreiro; a “Diversos” de poesia e tradução editada
em Bruxelas por escritores emigrados (José Carlos Marques, Manuel
Resende, Carlos Leite, Jorge Vilhena Mesquita…); a “Abril em
Maio”, editada pela associação do mesmo nome (Eduarda Dionísio,
Vítor Silva Tavares – também a alma de uma relevante editora à
margem do sistema); a “365” de Pedro Alvim, a “Bíblia” de
Tiago Gomes e a “Bicicleta” de Almeida e Sousa, com estilos gráficos
assumidamente de ponta… Ou revistas de origem regional focando
temas gerais mas repercutindo a região onde se editam, como
“Callipole” (alentejana) ou “Saber” (Açores), esta muito
virada para a diáspora que se centrou em terras americanas.
Nos últimos tempos apareceu algo que ainda é
talvez cedo para ser estudado, mas que é já significativo: espaços
interactivos denominados blogues
e que na Net se expandem. Deram origem a uma escrita ágil, nervosa
e caracoleante, com um sabor muito próprio e onde aparecem contos,
pequenas crónicas, apontamentos mais ou menos rápidos ou
esfuziantes de humor (muitas vezes negro) e que são uma reflexão
em geral acerada sobre o quotidiano nacional, nos seus vectores artísticos,
políticos, sociais e filosóficos. Citaria, a talho de foice, os
nortenhos “Quartzo, Feldspato e Mica”, “Tempo Dual” e
“Abrupto”ou os sulistas “Janela indiscreta” e “Húmus”.
Mas os exemplos poderiam multiplicar-se, sendo de referir que
diversos autores transformaram em livro os seus posts
colocados nos respectivos órgãos em que se apresentam.
Não me referirei aqui à escrita que se
transporta na chamada Banda Desenhada, que a meu ver teria de ter
uma análise específica. Bem assim como a outros géneros – a ficção
científica, o policial, o romance de mistério ou o fantástico)
pouco praticados em Portugal devido a condições especiais
decorrentes do enquadramento societário.
A literatura portuguesa contemporânea, no seu
trilhar de caminhos no dia-a-dia, tem estado e está como muitas
outras parcialmente sob a acção perniciosa de editores canhestros,
aproveitadores ou espertalhões (ou apenas dependentes constrangidos
dum mercado implacável) e, também, de capelinhas de ordem política
e sectorial (companheiros de formatura ou de profissão civil,
etc.). Parece que tal é inevitável seja em que país for. Mas não
escamoteemos um dado bem lusitano, absolutamente de considerar: que
a erosão a que o país esteve sujeito durante o consulado de
Salazar e a que está sujeito agora, sob o consulado de uma
democracia quantas vezes aproximativa, tem agravado o clima em que
se vive literariamente e que é muito mais opressivo e condicionante
que o que talvez exista em países mais abertos, mais livres ou onde
a hipocrisia se exerce com menor êxito.
Ao agradecer-vos a atenção dispensada, fico
naturalmente aberto às questões que entendam dirigir-me.
Palestra
realizada em Zafra em 23 Novembro 2004
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