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Nicolau Saião, Mariana 5 (arte digital)

 

Como quem em Desgarrada

 

Por volta do Natal de 2003, Nuno Rebocho dirigiu a Nicolau Saião, em carta de boas-festas, o poema abaixo por ele feito no Brasil tempo antes.

 

Nicolau Saião, por seu turno, respondeu com outro poema, o que transformou a troca de epístolas numa desgarrada, nome que se dá em Portugal ao facto de dois poetas, ou dois cantores, a um poema ou canção responderem com outra obra.

 

 

XÁCARA POR CARLOS DRUMMOND EM COPACABANA

 

(Nuno Rebocho)

 

Chegado à pátria dos andrades

com o cruzeiro desvalorizado,

carlos drummond

cantou-me este fado:

 

– de onde vens, rapaz?

ao que vens, rapaz?

– venho do outro lado, paizinho,

venho da madeira e tenho família inglesa.

com uma pedra de tristeza

e uma lágrima de sal

carlos, de mansinho:

“não me leiam mais poemas de natal”.

 

sentado em copacabana

numa esplanada marginal,

andavam em volta brotinhos

em modas de carnaval

 

e drummond, salafrário,

deu-se de conselheiro:

“pensa na doçura das palavras,

pensa na dureza das palavras.

que febre te comunicam!”

e entretanto eu matutava

se era drummond abecedário

ou era um deus verdadeiro

 

e danavam ondas na praia

e jogavam os brinca-na-areia.

drummond carlos debitava

sem despegar cara feia:

“depois de tantas visões já não vale concluir

 

se o melhor é deitar fora

a um tempo os olhos e os óculos”.

 

que era “literato

sem história”, dizia-me com ironia.

e tanto drummond me xingava

que eu nem acreditava se era noite

se era dia. e atirei-lhe: - paizinho,

vou-me embora para lisboa

que lá sou amigo do pessoa.

 

 

– vai, vai embora, rapaz

e leva estas sete estrofes

que são também sete faces

de um poema de paz.

vai. vai. e não leves a mal

que eu não chupe nem gaste

mais poemas de natal.

 

 

Leia o poema-resposta de Nicolau Saião

 

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