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Edgar Degas, Vestidos azuis

 

SONETOS SHAKESPERIANOS

 

(Maria da Conceição Paranhos)

 

 

A VOZ QUE OUVES

 

A voz que ouves agora cai no incerto

momento de amanhã e de segredo,

um dia estará morta em seu deserto,

num mundo cego, relegada ao ermo.

Apenas canto. É assim, assim que sou.

Canto porque não sei se fico ou vou.

Nada predigo: nossa história muda

como mudam as formas de Proteu.

Nos meus dias apenas este canto.

lembra de mim, pois nada mais sou eu.

Quando me renderá na minha sorte

a experiência extrema dela, a morte?

Quero afundar no seu olvido límpido

pois só cantei, sem sequer ser ouvido.

 

 

 

ONDE ESTÁS, ONDE ESTÁS

 

Onde estás, onde estás que te esqueceste

de aparecer na casa que te cabe,

afastada de ti que te aqueceste

num corpo de mulher que sempre arde

por tua voz infiel? Dita essa memória

agora, que te quero. Quando abria

o dia de meu fado, eu auscultava,

como o sol, novo e velho a cada dia,

tua magia no peito que pulsava.

Ergue, musa de fogo, a face antiga

onde o tempo esculpiu amor e intriga

— e se também o fez em minha vida

doou-me o meu sustento, este meu verbo

para conter a foice quando chegue.

 

 

 

O DESEJO DO BELO HABITA

 

O desejo do belo habita a alma,

mas o temor é que se apague e passe,

quando o tropel das horas se abater

sobre a figura prima da beleza.

A memória não traia a realidade,

todavia, fixada na centelha

do rápido fulgor de uma lembrança —

alimenta esta flama em teu caminho,

apesar de cruel o esto dos dias.

Sopra frescor no mundo envelhecido,

arauto da doçura em primavera.

E nós com nosso verso suplicamos

piedade aos errantes dessa estrada

 seu roteiro é ceifar-nos para o nada.

 

 

 

AS HORAS COM MÃOS ENGENHOSAS

 

As horas com mãos engenhosas

teceram no olhar dos humanos

a face fugaz da beleza.

Tateamos no escuro denso,

buscando a visão soberana.

Sopra o vento no descampado

e destrança a breve urdidura.

Nossos olhos não mais divisam

a miragem da formosura —

cela volátil do sublime.

É a mão do tempo que nos priva

do que pensávamos perene.

A lembrança absorve fiel

o instante tornado indelével.

 

 

 

QUANDO O PASSAR DOS ANOS

 

Quando o passar dos anos se arrastar

frente à janela onde esperaste o amado,

não te aflijas em vão, pois ao findar

o passageiro bem da mocidade

persiste o teu desejo e a tua chama —

o ardor do teu amar não tem idade.

Porém, se mesmo assim te atormentares

ao lembrar os olhares deslumbrados

com o frescor de tua boca e de tua pele

sedenta de carícias e de beijos,

reflete só um pouco: os anos idos

podem ter sido duros e amargados,

e não padeces mais da longa espera

de um desprezado amor, louca quimera.

 

 

(In Poemas da luz inesperada - Leia o texto completo dos Sonetos Shakesperianos)

 

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