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Edgar Degas, Canto do palco durante o balé (detalhe)

 

POEMAS DA ROSA (seleção)

 

(Maria da Conceição Paranhos)

 

 

ROSA BRANCA

 

Fugiu a pomba do lugar das nuvens

sonho ou miragem da morada humana

– é aquela rosa, lívida e mimosa,

Branca de Neve, parecendo morta.

 

Em barca de cristal vai-se, contida,

denso aroma e fulgor então se movem

para o momento ingente da descida,

ao derramar perfumes, a corola.

 

E mais se guarda, a rosa em seu retiro

frágil, tão frágil, parecendo morta –

a sua essência aérea, luminosa,

 

fala divina, na oração transida,

grácil, tão grácil, parecendo viva,

e o vento empurra o carrilhão das horas.

 

 

 

ROSA DAS HORAS

 

 Há luzes na agonia onde me perco

mais perto, a formosura que me furtam.

Quero das horas, rosas, neste cerco,

a pulsação da vida, e o tempo escuro.

 

Espaço em que me cegue o toque leve

de seres imutáveis na certeza

– uma, apenas, serena, sem retoque,

– ao divisar a face da beleza.

 

Nem mais, mesmo beleza. Quero o mundo

das incertezas em que me navegue

um sol de visões claras. No mais fundo

 

desejo de teu gesto, que se entregue

ao tão simples querer do beijo, leve,

que floresce em jardins de rosas breves.

 

 

 

ROSA VIOLADA

 

A minha dor não vive em minha casa,

mas num jardim de séculos correndo

em seu tropel mordaz. O tempo abrasa,

e o engenho desta hora vai sofrendo.

 

Das avenidas largas na cidade

os carros atravessam linha torta -

cavaleiros em motos, sem idade

vieram me abordar em minha porta.

 

Um levou-me o relógio; outro o anel;

o meu cordão de ouro se partiu,

e o quarto bandoleiro me sorriu,

 

ao ter o meu olhar dentro do seu.

Sacou da cinta arma enrubescida,

Beijou-a. Deu-me a rosa e a minha vida.

 

 

 

LIÇÃO DE ROSA

 

A matéria que paira, pétalas aéreas

abranda a dor dos dias;

não busco nem respostas.

Aprendo com as abelhas a escolher a flor,

das flores a mais densa

em seu possível mel.

A noite desce súbita, e um punhal perfura

o torso exposto, calmo,

acolho a dor do dia.

Nasci para a doçura; debruçar-me ao vento,

sem palavra nem medo,

simples, só, serena.

É o que aprendo da rosa, rosa cor-de-rosa

nascendo em meu jardim –

não ouse o jardineiro

despertar do seu sonho a pétala a voar.

Por ser a rosa corpo

em roupa só de flor,

não se pense que morre ao se despetalar.

 

 

 

CONFISSÕES À ROSA I

 

Ora contemplo o rosto

palidez do lírio,

 

e o tempo adianta-se

em sedas e cetim.

 

Sequer posso chorar

nesta hora cruel,

 

mas cultivo tua alma

em canteiro secreto.

 

Podes mirar-me, a mim,

face à dor e ao carinho,

 

que tão volátil vivo,

entre nácar e vinho.

 

E assim, quando me vires,

serás flor infinita

 

na concha da palavra–

rosa, entre tanto espinho.

 

 

 

CONFISSÕES À ROSA II

 

Não te dás conta, te amaria sempre

– fosses tu algodão, fosses de seda

– se eu fosse como és, seria bela

se fosses como sou, serias vera.

 

Tu te escondes no canto do jardim,

onde existem só rosas,e ai de mim,

sou de carne, de vozes e canções –

eu sobrevivo, só, nas estações.

 

Tua face já destila em cor e cor,

e eu te contemplo no inverno e no outono

na mudez desse andar do meu andor.

 

E tu, rosa cruel, tão surda e sonsa,

não cogitas de dores, nem és doce,

nem saberás jamais quê é o amor.

 

 

 

CONFISSÕES À ROSA III

 

Chamejas, surda, textura cerrada,

fosses tu concha ou túnica de monja.

Em ti percebo a face, a mais amada,

mas me assusto com outra, em que me sonho.

 

Espelho ou lago, refletes minha face

exposta ao tempo em larga tempestade.

Enquanto te protejo da procela,

abandonas-me – esconsa, muda e cega.

 

Tu és da primavera, interminável,

e eu, no desamparo,vago, nua,

curvada pelo inverno, em sede louca.

 

Não suspeitas do amor, não sabes nada:

se palmilho entre lágrimas a rua,

só eu te vejo, vives nesta boca.

 

 

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