POEMAS
DA ROSA (seleção)
(Maria
da Conceição Paranhos)
ROSA
BRANCA
Fugiu
a pomba do lugar das nuvens
sonho
ou miragem da morada humana
–
é aquela rosa, lívida e mimosa,
Branca
de Neve, parecendo morta.
Em
barca de cristal vai-se, contida,
denso
aroma e fulgor então se movem
para
o momento ingente da descida,
ao
derramar perfumes, a corola.
E
mais se guarda, a rosa em seu retiro
frágil,
tão frágil, parecendo morta –
a
sua essência aérea, luminosa,
fala
divina, na oração transida,
grácil,
tão grácil, parecendo viva,
e
o vento empurra o carrilhão das horas.
ROSA
DAS HORAS
Há
luzes na agonia onde me perco
mais
perto, a formosura que me furtam.
Quero
das horas, rosas, neste cerco,
a
pulsação da vida, e o tempo escuro.
Espaço
em que me cegue o toque leve
de
seres imutáveis na certeza
–
uma, apenas, serena, sem retoque,
–
ao divisar a face da beleza.
Nem
mais, mesmo beleza. Quero o mundo
das
incertezas em que me navegue
um
sol de visões claras. No mais fundo
desejo
de teu gesto, que se entregue
ao
tão simples querer do beijo, leve,
que
floresce em jardins de rosas breves.
ROSA
VIOLADA
A
minha dor não vive em minha casa,
mas
num jardim de séculos correndo
em
seu tropel mordaz. O tempo abrasa,
e
o engenho desta hora vai sofrendo.
Das
avenidas largas na cidade
os
carros atravessam linha torta -
cavaleiros
em motos, sem idade
vieram
me abordar em minha porta.
Um
levou-me o relógio; outro o anel;
o
meu cordão de ouro se partiu,
e
o quarto bandoleiro me sorriu,
ao
ter o meu olhar dentro do seu.
Sacou
da cinta arma enrubescida,
Beijou-a.
Deu-me a rosa e a minha vida.
LIÇÃO
DE ROSA
A
matéria que paira, pétalas aéreas
abranda
a dor dos dias;
não
busco nem respostas.
Aprendo
com as abelhas a escolher a flor,
das
flores a mais densa
em
seu possível mel.
A
noite desce súbita, e um punhal perfura
o
torso exposto, calmo,
acolho
a dor do dia.
Nasci
para a doçura; debruçar-me ao vento,
sem
palavra nem medo,
simples,
só, serena.
É
o que aprendo da rosa, rosa cor-de-rosa
nascendo
em meu jardim –
não
ouse o jardineiro
despertar
do seu sonho a pétala a voar.
Por
ser a rosa corpo
em
roupa só de flor,
não
se pense que morre ao se despetalar.
CONFISSÕES
À ROSA I
Ora
contemplo o rosto
palidez
do lírio,
e
o tempo adianta-se
em
sedas e cetim.
Sequer
posso chorar
nesta
hora cruel,
mas
cultivo tua alma
em
canteiro secreto.
Podes
mirar-me, a mim,
face
à dor e ao carinho,
que
tão volátil vivo,
entre
nácar e vinho.
E
assim, quando me vires,
serás
flor infinita
na
concha da palavra–
rosa,
entre tanto espinho.
CONFISSÕES
À ROSA II
Não
te dás conta, te amaria sempre
–
fosses tu algodão, fosses de seda
–
se eu fosse como és, seria bela
se
fosses como sou, serias vera.
Tu
te escondes no canto do jardim,
onde
existem só rosas,e ai de mim,
sou
de carne, de vozes e canções –
eu
sobrevivo, só, nas estações.
Tua
face já destila em cor e cor,
e
eu te contemplo no inverno e no outono
na
mudez desse andar do meu andor.
E
tu, rosa cruel, tão surda e sonsa,
não
cogitas de dores, nem és doce,
nem
saberás jamais quê é o amor.
CONFISSÕES
À ROSA III
Chamejas,
surda, textura cerrada,
fosses
tu concha ou túnica de monja.
Em
ti percebo a face, a mais amada,
mas
me assusto com outra, em que me sonho.
Espelho
ou lago, refletes minha face
exposta
ao tempo em larga tempestade.
Enquanto
te protejo da procela,
abandonas-me
– esconsa, muda e cega.
Tu
és da primavera, interminável,
e
eu, no desamparo,vago, nua,
curvada
pelo inverno, em sede louca.
Não
suspeitas do amor, não sabes nada:
se
palmilho entre lágrimas a rua,
só
eu te vejo, vives nesta boca.
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