PLAN
DE LA RUE NICOLAS-CHARLET DANS LE 11e
ARRONDISSEMENT
(Miguel
Carneiro)
Il
est trois heures
à
Paris.
Sur les quais de la Seine
un homme marche.
Pedro
Vianna, in À Paris
I
As
ruas por onde um dia eu passei
escondem
nas entranhas
em
cada pedra que pisei
os
meus passos ligeiros.
Foram
passadas ignávias
que
o tempo não cuidou de apagá-las.
Qual
pedra ainda guarda
aquela
passada tímida
quase
indefesa
quando
buscava meu verdadeiro pouso?
Creio
que naqueles frios granitos
de
ruas parisienses
ainda
ressoa meu andar apressado
sepultado
por outros passos
imersos
em profundo isolamento.
O
peso do mundo sobre minhas costas
eu
coxo de tanto lutar
cravava
na rocha ígnea
passadas
sérias como se fosse um militar.
Ruas
por onde um dia eu passei
retumba
no ar o cheiro dos meus pés,
no
basalto duro moldado pela picola
banhado
a sangue e suor,
nas
pedreiras azuis dos Pirineus.
Estrangeiro
de mim mesmo
comboiava
solitário sem cais de atracação
com
um verso clandestino na memória
e
a alma impregnada de dispersão.
II
Em
que pedras guardas o caminhar de minha amada
na
tarde ensolarada de Printemps parisiense?
Ò
Pórfiro,
com
qual delicadeza amalgamaste
na
poeira esquecida
as
pisadas pequenas de minha flor
entre
o boulevard Malesherbes
e
a place de La Madeleine?
III
Sob
os meus pés,
no
território dos sonhos,
dirijo-me
a ti,
Reino
Mineral,
na
esperança de que guardaste em clave
o
troar macio da marcha de minha doce namorada,
naquele
distante inverno
sombrio
de Setenta e Seis.
Pois
a
memória dos homens padece de celebração.
Vão
eles no porvir das auroras
expurgando
sem compromisso
qualquer
tipo de recordação.
Só
tu,
Rocha!
Agasalhas
a minha estranha lembrança.
E
sob os meus pés
a
memorável pátria da liberdade
eterniza-se
em fôrma de bronze.
E
por essas ruas, praças, bulevares
guardas
minhas passadas
e
também a poeira de nosso tropel
que
não mais advirão.
IV
A
saudade encharca
o
meu peito estrangeiro
quando
debruço de cansaço nos Jardins du Luxembourg.
E,
com um exemplar atrasado do Libération,
aguardo
ansioso o teu advento.
Mas
sem carte Orange,
burlando
a fiscalização,
caminho
por essas gares em busca de teu rosto.
Ó
Chantal!
diva
de minha estação.
E,
no entanto,
eu
sei onde te encontrar:
no
Bois de Boulogne,
luminosa,
de
cabelos longos,
perto
de Mouffetard.
V
Um
imigrante senegalês morto de frio,
deitado
ao chão.
Um
totem africano espantando o inevitável infortúnio,
e
os homens de quepes azuis caçando algozes, passam...
Disfarço-me
de europeu,
numa
terra povoada por argelinos.
Busco
comprar num marroquino
um
haxixe bom
fumado
num narguilé.
VI
Eu
sei que a França poderia ser a minha pátria
e
nela eu me inteiro encerrar.
Mas
com tantos sertões no meu lombo
torna-se
difícil me acostumar.
Sou
das pelejas de caminhos tiranos,
sofrer
não escolhe lugar.
VII
No
Marché aux Puces,
procuro
pelo vidro de perfume patchuli.
Mas
a passagem aérea
perdida
num vagabundo vagão
onde
um mutilado de guerra
escarra
as minhas costas
vem
de chofre a me atormentar.
Aqui
por tudo se pede:
‘S’il
vous plaît!’,
nessa
terra repleta
de
amabilidade e comoção.
Telefono,
então,
para
o poeta Pedro Vianna,
da
place de Clichy.
Em
Châtelet,
dois
clochards se encharcam de vinho
à
entrada da estação.
Descortina
a Île-de-France,
e
os diabinhos do pórtico
da
Catedral Notre Dame
chamam-me
as atenções.
Eu
te desejo ò cidade!
Eu
te conclamo no meu canto
nessas
tardes de completa solidão.
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