EUFRÁSIA, NOS SEUS OLHOS MAREJADOS DE FOME E SOLIDÃO
(Miguel Carneiro)
“O camponês sem terra
Detém a charrua
E pensa em colheitas
Que nunca serão suas.”
(José Paulo Paes, “Bucólica”)
Em Lagoa Salgada, distrito de Jaíba,
ainda não existem antenas parabólicas, luz elétrica, celular, linha
telefônica ou televisão. Lá naquele ermo de Brasil, no sobocó da
Bahia, vive Eufrásia dos Santos, 75 anos, solteira, trabalhadora
rural, mãos calombadas pelo punho duro do cabo da enxada velha e
cega, naquela luta diária da destoca, derrubando malva, jurubeba,
caçutinga, pião. Na angústia da espera da invernada, na sorte de
poder plantar um litro do precioso grão, ganhar a pequena safra e
ter o privilégio de ter a mesa o saboroso feijão.
É, é lá em Lagoa Salgada que o Brasil é
mais Brasil, mais verdadeiro, sertão. Sem mentiras, sem negociatas,
sem pizzas – é lá que se arrancha Eufrásia, comendo o pão que o Cão
largou naquele chão.
Essa mulher tem que ter muque, nessa
peleja de sol escaldante, sem poder se amofinar, tem que ter coragem
para poder trabalhar. E no raiar do dia lutar contra a besta e
contra o dragão. A fome rondando seu pequeno rancho naquela
cenografia inóspita de um pote d’água e um caneco amassado de
alumínio é a sua salvação. Vive Eufrásia como se fosse um velho
ermitão.
No quarto de dormir uma pequena esteira
de pindoba, um travesseiro com recheio de algodão, uns paninhos de
chita para se cobrir e uma imagem de São Sebastião. De noitezinha
ela se ajoelha agradecendo por estar ainda viva e teimando nessa
terra de tantos “mangangão”.
O tempo, senhor do destino, não dá
trégua. Eufrásia levanta cedo, faz a diminuta refeição, capina,
capina, capina .... Espera a bonança e, se fraquejar, aguarda como
todos, após a morte, o manjar do céu e a esperada Ressurreição.
Não há mistérios na vida de Eufrásia,
nada que se preste para ser exibido num programa de televisão.
Eufrásia dos Santos, brasileira, maior, solteira, semelhante como
muitas nesse Brasil de tempos de “mensalão”, ela trabalhadora rural,
ganhando com o suor de seu rosto, o almejado pão.
Se o dia amanhece, Eufrásia sonha com
uma enxada nova, quem sabe ainda não exista “papai-noel”? Ela
gostaria de uma enxada para aliviar os calos de sua mão. Nada mais
justo para quem não rouba, não difama, não anda metida em
corrupção.Cadê o Lula mandar um “besouro” para Eufrásia lavrar a
terra, arar, plantar e repartir com suas companheiras o precioso
pão? Perguntar não ofende: será que no Brasil só há ladrão?
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