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Max Ernst, Uma menina, uma viúva, uma esposa

 

BALADAS

 

(Miguel Carneiro)

 

 

BALADA DO CANGACEIRO SEM MÃE

 

Vim de muito longe

Das terras de Massacará

Trazendo somente farinha

E a vontade de pilhar

Pelejando por caminhos tiranos

Entre xiquexique, macambiras e gravatás.

Perdido entre tantas lembranças

Sozinho, sem mulher, sem sonhar.

 

Vindo de muito longe

Pra nessa terra guerrear.

O punhal atravessado sobre o peito

E o meu ferro de marcar.

Zé Baiano é o meu nome

E não sei

Onde minha mãe agora está.

 

Anel de ouro, trancelim,

Seda, cachaça

Trago no fundo do emborná.

A coragem no meu olho

Sou de longe, sou de longe

Das terras de Massacará.

A coragem no meu olho

Sou de longe, sou de longe,

Das terras de Massacará.

 

Minha sina é morrer lutando

Em qualquer tiroteio

Na hora que eu for enfrentar.

Tenho a bênção do Meu Padim

Em meu corpo fechado

Bala nenhuma irá se alojar.

Nem as pegadas do inimigo

Poderão um dia me alcançar.

 

Dormindo em coitos

Sem poder sequer descansar

Acordando no breu da noite

Depois de parar pra rezar

Minha vida pertence ao deus-dará

Vim de longe,

Vim de longe,

Das terras de Massacará.

 

 

 

BALADA DO CANGAÇO

(Para João Ba)

  

Para quem pensa

Que o cangaço se acabou

Vive parado na história

O cangaço continua

Silencioso na memória

Sem volantes, cangaceiros

Ou Lampiões

Matando muito mais gente

Pelas cidades e pelos sertões.

 

Quem imaginou

Que no tempo do Capitão

Houve mais mortandade

Enganados todos estão

O cangaço anda solto

Com a anuência do grande Cão

Agora dando gravatas

Em insuspeitos cidadãos

Matando muito mais pais de família

Pelas cidades e pelo sertão.

 

O nordestino morrendo de fome

E o preto pobre metralhado na invasão

Lampião foi um santo

Besta é aquele que difama o capitão

Diga-me se o cangaço

Não tá aí agora, não

Sem clavinote, fuzil ou mosquetão,

Silencioso na capital federal

Em pleno coração de minha Nação.

 

 

 

BALADA DO DESERTOR

 

Na Primavera a guerra prenunciava

Uma nova batalha no Vale dos Mortos

Semelhante como a destruição do Har-Magedon.

Lembrei-me dos inúmeros mutilados,

Volvi meus olhos de poeira e dor,

Para centenas de lares,

Repletos de órfãos famintos,

Onde o fantasma feroz da fome,

Rodava em círculo aquelas moradas.

 

Amarrei, então, o cadarço da botina,

Salpicado de lama e sangue,

Trilhei pela estrada deserta de minas,

Dando adeus ao “front”.

Nada de glorioso me aguardava.

 

Apenas o pelotão de fuzilamento,

O uniforme rasgado,

Os botões dourados arrancados

E a insígnia tirada à força de meu peito.

 

Quando descansei ao cair da tarde,

Num rancho à beira da estrada,

Só havia entre os escombros,

Um naco de pão centeio,

Empoeirado na desordem daquela dispensa.

 

Faltava água para beber,

E o cantil já estava vazio,

E os rios corriam lento em direção ao mar,

Passavam envenenados,

Nada mais podia esperar.

 

A minha arma vendi num bordel,

E entre putas e rufiões,

Celebrei a minha deserção,

Morri crivado com a minha própria arma,

Naquela madrugada fria

 

Quando não mais havia um níquel

Para eu gastar.

De que serve um homem hoje em dia,

Somente para morrer,

Somente para matar?

 

 

 

BALADA DE UM HOMEM APAIXONADO EM MEIO AO LUAR NA BAÍA DE TODOS OS SANTOS

 

Dos meus olhos cintilam faíscas vermelhas

Que incendeiam como fachos de fogo

Teu lençol encharcado de suor e centelha

A boca vermelha, rubra de tanta paixão

Busco na madrugada me embeber de tanta predileção.

           

O hálito delicioso de estranho almíscar

Envolve-me num clima de verdadeiro estupor

Respiga na memória as ancas belas de meretriz

E minha mão desliza na tua escultura verniz

Moldada em febre por Camile Claudel.

E o lençol do véu

Lentamente descubro na penumbra desse meu céu.

 

Trêmulo de ardor dessa paixão

Toco com a ponta dos dedos

O bico eriçado de teu peito mortal

E como um bebê que busca a mama

Sugo com sede teu fruto abissal.

Revira-se, então, com pose de gazela,

E como um caçador de estepes africanas

Lanço o falo em tua gruta aveludada e bela.

 

Pego teus cabelos sedosos e macios

Mergulho os dedos na direção

De teu rosto de porcelana chinesa.

Repousa enfim em meu peito de esfinges.

Lentamente adormece, e à francesa

A lua cruza a abóbada celeste

Em direção ao Japão.

 

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