DUAS
VERTIGENS
(Marcos
Brás)
I
Olhando
para tudo isso,
é
como se olhasse para um amontoado de ruínas,
que
até ontem me apareciam como alguma coisa de aproveitável,
mas
que agora, quando olho,
não
me aparecem senão como ruínas...
Olhando
para tudo isso,
é
como se olhasse para o interior da própria perplexidade,
como
se tivesse de carregar em minhas mãos
um
objeto que não posso sequer compreender
e
que me parece complexo demais para que se possa compreender
mas
que no fundo não presta para nada
(e
ninguém me disse isso ao chegar)
e
não vale a pena carregar...
Olhando
para tudo isso,
é
como se olhasse pela última vez,
apressadamente,
numa iminência de partida,
como
se tivesse de olhá-lo antes de partir...
Mas
olhá-lo apressadamente
é
falso, como também é falso pensar
que
o estou olhando na véspera da partida...
Tenho
todo o tempo do mundo para olhá-lo –
tenho
todo o tempo de minha vida
e
por isso se estou olhando apressadamente
é
porque estou trapaceando...
Tenho
todo o tempo do mundo para olhá-lo,
mas
não posso compreendê-lo...
Ou
não posso compreendê-lo senão pensando que tenho de transportá-lo
comigo
como
um objeto difícil e incômodo
que
se transporta com imenso incômodo das mãos...
O
que é isso afinal?
O
que posso fazer disso afinal, quando o descubro e olho de frente
para ele?
Como
posso aproveitá-lo, se é que se pode aproveitá-lo,
ou
como posso colocá-lo de lado,
para
esquecê-lo no instante seguinte,
se
está aí, como alguma coisa
que
eu devo olhar de um modo definitivo
e
que me incomoda como o próprio sentido de uma vida –
e
que sempre me escapa quando tento olhá-lo de frente
e
me assombra durante as noites, na insônia,
com
mil arestas de desconforto que destroem meu sono e meu sossego?...
Olhando
para tudo isso
– tempo ou espaço ou o que seja –
é
como se estivesse olhando para mim mesmo,
sem
poder me aproveitar como se aproveita um resto de tecido ou um
bocado de alimento
e
sem poder incluir entre meus pensamentos a solução para o impasse,
seja
ele qual for...
É
como se olhasse para nada
e
aí dentro estivesse vendo a minha vida...
II
De
repente uma perplexidade, acocorada no caminho,
como
um animal que tivesse estado caçando e atravessasse nosso caminho
e
se acocorasse nesse caminho
e
se pusesse a olhar para nós com olhos frios e penetrantes...
Uma
perplexidade como uma surpresa
ao
final de um dia sem surpresas...
Ou
como um peso novo a ser transportado
ao
final de uma viagem em que nenhum peso foi transportado,
mas
que nos desgastou o suficiente para que não mais possamos transportar
qualquer peso ou qualquer
fardo novo...
Uma
perplexidade como um começo, um ponto de partida
em
pleno término:
um
ponto de luz a brilhar depois que todas as luzes se apagaram...
Isto
ou o equivalente
no
pensamento sem coragem...
Uma
palavra difícil numa frase longa e incompreensível
ou
uma frase incompreensível em meio a tudo o que é incompreensível...
De
repente uma perplexidade
como
um sol aceso em plena noite,
ou,
antes, como um cachorro a ladrar em plena noite –
e
esta pergunta por quê
afixada em todas as portas...
De
repente, como uma deflagração ou uma convocação,
ou
como uma má notícia recebida no exílio...
E
a consciência de que nada se pode fazer...
De
que não se pode manipular nenhum cordão,
de
que não se pode lidar com a coisa de um modo isento e
equilibrado...
De
que se vai afundar quando se der o próximo passo...
E
de que nada se pode fazer para evitar o afundamento,
porque
não se pode mudar de direção...
24-4-2001
|