ÚLTIMA
LIÇÃO DO ANO, À MODA DE UM DEVER DE CLASSE... (Fragmentos)
(Mauro
Mendes)
Leitura
de mim para mim do que eu não disse, mas percebo. Porque eu não me
engano, me vejo, me olho de soslaio, sou da minha própria laia. Não
quero voar. Rastejo meu alto horizonte indefinido. Verde bruma se
perdendo no desequilíbrio das coisas que não ficam. Passo. Passa
lento o meu descompasso, a minha bebice, a minha mesmice. Se
palavras pudessem florescer, eu não escreveria. Deixaria que
morressem à míngua de sereno e orvalho. Não as colocaria diante
dos teus olhos muito claros, que não querem ver. Como os meus, que,
aliás, vêem tudo. E também posso chorar. E ver e chorar. Eu sei,
não me diga! Não me diga nada e, pra mim, já chega! Quero voar!
No fim do ano, me safo, me safro, me inspiro, sou a minha própria
safra! Produto de um arco de 365 graus. Girando, arcaico, saindo
pela tangente. Repetido. Concentrado na minha viração. Mas, amanhã,
é um novo ano. O mesmo ano novo... No fim do ano, tenho que
escrever alguma coisa, o que vier à cabeça, como nos velhos
tempos... Sacudo meu pó, minha poeira de estrelas, minha poesia
atrasada de espaço-versos... Viajei de meteoro, não sei se cheguei
em hora de desaponto ou desatempo. É que eu sou mesmo assim tão
sem poesia, como a poesia dos teus olhos vistos sem mais... No espaço
sem fim, hadeus!? O espaço de mim sou eu, restos de mim com um
pouco de teu. E aí, Baby, o teu espaço se alarga múltiplo em
tardes alvacentas de delírio unânime. É quando. Não seja quanto
a dimensão. Não seja caso, descaso, disquanto, choro caído, não
seja em vão! A poesia do teu espaço mesmo no chão. Por quê te
queixas de não saber nada? Eu sei tudo de que, um dia, preciso
ficar sabendo... Sou mais as tuas madeixas, as gueixas... Rimos a
noite toda desta rima rasteira, sem eira nem beira! Eu tenho restos
de sol, a noite tem planos. Eu, réstias. Na campina ensolarada e
verdejante, flores, floridas lantejoulas. Alamedas ledas de
borboletas a medo. O campo é demais agora de falar. Vejo mesmo por
alto, não fora a intenção de ir por lá, qualquer noite de
vaga-lumes. Todo dia quer a noite pra se distrair e tem noite todo
dia. Que maravilha! Ando de pernas-de-pau madrugadas intercaladas. O
vento faz um estardalhaço! Logo o vento, este palhaço! O vento não
tem segredos. O vento ventríloquo sopra em toda parte. O vento
amalucado mete por baixo da porta a poeira de ontem, o jornal de
amanhã, o pão da tarde... Já cuidei da manchete de ontem, desta
notícia que não se ajusta... Lembranças de polvos misturados com
mar... E não sei mais escrever um poema com jeito de te agradar. O
mar, há muito, já estava, quando lá chegamos e, de algum modo,
estamos atrasados... O tempo desfutura... Só nos resta sentar na
areia, e a areia da praia é areia mesmo e nós somos nós mesmos e
o mar... Navios apontam do outro lado da linha. O marinheiro Popeye
me espinafra! O sol derrete todos os sorvetes e não nos resta senão....
Nossas pegadas permanecem um mistério para os caramujos, que
continuam furando buracos na areia... Deus te salve, brioso barco,
das águas da ressaca, do plenilúnio, dos vasos de guerra, conchas
marinhas, caramujos furando buracos na areia, por onde a vida, se
mar, se enche, por onde a vida, se mar, se isca, por onde a vida se
pesca... Deus te salve!
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