DOIS POEMAS
(Mauro Mendes)
BOM TEMPO
O futuro não volta, mas o passado
espera, a cada instante. Bem que mal avançamos, rente ao muro das
casas, protegidos pela sombra das flores de algum jardim... O tempo
vem da mais recente fumaça... Uma canção também vem vindo,
sorrateira... A verdade mora num poço e, na ponta do arco-íris, como
diziam os antigos, existe um pote cheio de ouro, uma botija. Só
esqueceram de dizer em qual das pontas...
Lembra-te disto, nas tuas viagens!
Afinal, nada parece com nada, exceto pela vontade de chegar...
ACALANTO
Pela janela entreaberta, qualquer
descuido de fresta, eu sempre respiro a noite. A luz branca de neon
não tem ciúmes da aurora e se apagará, uma vez amanhecer...
O vento não vai a nenhum lugar. O vento,
em calmos tempos de teto de zinco, sopra uma banda de lua ou outra,
sem pretensão de estar mais que a alguns palmos acima do chão do meu
sono...
O tempo de dormir é um vago bocejo, na
noite que se encolhe... Eternite é a sua marca declarada, como se
fosse uma doença que não passa. A noite que acalenta o meu sonho não
enxuga minhas fraldas...
Foi assim que adormeci e toda noite que
se preza tem cachorros, gatos e galos ao amanhecer... Barulho de
guitarras entremeado... Se a guitarra se quebrar no quente, vai ser
preciso adiar o sol nascente...
Pensei, então, em não pensar em nada,
pra não ter que levantar no escuro e anotar estas idéias a medo.
Deixei tudo pendurado nas vigas do teto. Eternite. Doença que não
passa. Acordarei de olho numa réstia...
— “Oi, “brothers”, rijas tacadas praça
afora, esculápio das sinas, boticário dos sonhos e antolhos. Alguém
me acordou neste sono. Quem me nasceu”?!
Mas tu, quando vieres voltando das
procelas em que te fizeste ao largo, não esqueças: o navio é o
náufrago e, debaixo das águas, milhões de peixes
contemplam esta manhã!
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