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Carlos Martins, A roda do destino

 

MAIS GARATUJAS

 

(Mauro Mendes)

 

Alegoria

 

Mal podemos acreditar nas histórias maravilhosas que nos contavam. Lembramos delas com satisfação e rimos o riso amargo dos vencidos. Já entramos na região de sombra. Um atalho se desenha na paisagem dispersa, mas ainda não sabemos onde fica a saída. O canto dos pássaros nos atinge e nenhum pássaro específico nos impressiona, todos mudos na visão nostálgica do verde... A chuva cai como uma estranha necessidade de te lembrar... Os duendes foram morar na concha furta-cor de um caracol... Até aqui vim eu. Aqui a letra começa a mudar e o instante é demais. Até aqui vim eu, sem ter coragem de ir para onde não devo e devassar os mistérios desta noite, tão sem mistérios esta noite, pobrezinha desta noite. Talvez seja melhor ir contar as formigas que passeiam na parede ou as moscas ainda acordadas a esta hora ou investigar, cuidadosamente, o caminho dos cupins. Os cupins surgem do fundo da terra, como os gnomos, os duendes, os elfos e os silfos. Eles guardam a verdade que a história não conta... Até que nós também vamos ficando leves... muito leves... etéreos... na crista da onda... sem vontade de voar...

 

 

Noturno (I)

 

Eu não consigo entender o que pode existir por trás de uma fotografia, agora. É meia-noite de um quarto, onde existem lençóis e cama. Nem isto eu consigo entender. O que me resta agora é assim como a areia que não passou na ampulheta do tempo. Isto bem poderia ser o começo de um poema... A areia que não passou na ampulheta do tempo é uma areia cheia de mar... Isto eu consigo entender. É bom ficar escrevendo, quando falta o sono, buscando palavras poéticas como ampulheta, monjolo, musgo, líquen, lusco-fusco e outras, de que não lembro, mas sei que lembrarei um dia. Esta é a única verdade que me interessa, agora. Esta é a única maneira de dar tempo ao tempo, antes do sono, antes do pesadelo e do falar sozinho. Este é, talvez, o único caminho...

 

 

Noturno (II)

(quase um “thriller”)

 

Obrigado! Você me deu a dica. Obrigado! Eu não sabia o que eu queria dizer, ou, talvez, eu não queira dizer nada. Eu, certamente, terei que dizer alguma coisa. É triste dizer que não é triste dizer que você se foi. É noite, eu sei. Há muita fumaça no ar e não é noite de São João. Preste atenção, ao passar nesta calçada. Podem estar falando de um fato novo, nunca visto e você passa, assim, ao largo, prudentemente ao largo, como se não houvesse amanhã, como se não houvesse nada? Preste atenção! É apenas noite, por enquanto. As ruas estão cheias de placas luminosas acendendo e apagando. Há muito as placas não dizem nada. Só dizem “dobre à direita”, “dobre à esquerda”, “siga em frente”. São placas brancas de uma cidade branca sob um sol branco. Amanhã, o sol não virá, mas eu já esperava por isto, juro, pela luz que me alumia!... Pergunte qualquer coisa que eu respondo qualquer coisa. Não tenho papo nem saco nem asco nem jeito. Ponto inicial, vírgula final, abre parênteses para passarem estas palavras soltas. As palavras vão ao final da linha e voltam, mas eu saio do papel e escrevo na mesa, nas paredes e no teto a minha grandiloqüência. Vou, assim, ensinar o alfabeto aos cupins, às moscas e às baratas. Não haverá mais insetos analfabetos, míseros desprezíveis!... O papo é o saco, o meio é o termo. O vilão que assaltou a cidade pacata fugiu com sacolas cheias de dinheiro e não contou o mistério do dólar furado. Não tem problema! O mapa do tesouro pode, hoje, ser encontrado em caixas de OMO (ou coisa que o valha) e nós encheremos, de novo, a cidade-fantasma com os uivos de falsos apaches imitando coiotes verdadeiros, à luz da lua, dizendo que o assalto está próximo. Porque está mesmo. Encontrar-nos-emos nos meandros do desfiladeiro, nas escarpas da encosta. A diligência não tarda. Nela vem uma formosa mulher vestida de negro. É Chapeuzinho Vermelho disfarçada de Bela Adormecida. O lobo é o cocheiro. Eles estão procurando a avozinha, para tirar as provas, e, depois, vão casar na Justiça. A justiça do Oeste é o meu “Colt” 45. Quando ele caiu crivado de balas, seu sangue aguado deu as tintas pro poente... Fez-se noite. Passamos um frio danado em Sierra Madre. Antes que o dia raiasse, as estrelas foram embora. Ao chegar em New City, o xerife me deu sua estrela e fez-se noite para sempre no meu peito... Vê como é simples? O Oeste redivivo, o duelo no “Saloon”, a cavalgada no “Grand Canyon”, os índios coitados caindo de risos de riscos matando poucos morrendo muitos o cacique Alce Ligeiro com seu grande cocar de penas coloridas comandando os guerreiros do sol nascente!...

 

Quando a sombra das casas tiver se deslocado, e nós já não contamos os dias por sóis, por luas, já não esperamos o sinal de fumaça dos índios, então poderemos fumar o cachimbo da paz... Agora, me farei ao largo, porque Barba Negra, o pirata, já não assalta as tímidas galeras. Vogando à flor das águas... Vogando... A brisa é doce... Repousarei, ao sabor das águas... Dormirei... Porque, não esqueci, é apenas noite. Por enquanto...

 

 

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