BREVES
REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DA NOITE
(Mauro Mendes)
1.
"Sou todo o meu fantasma, pronuncio na noite, em silêncio"
(p.7)
O pensamento já sai inteiro, definitivo, e, como gema bruta, vai
sendo lapidado, adquirindo mil facetas, que, isoladamente, não
possuem brilho próprio. Mas, assim como quando, ao acaso, se
movimenta, à luz, um anel finamente cravejado, ocorrem muitas
cintilações...
2. É um cantochão, monódico, repetitivo. Poderia ser tocado em
monocórdio. Mas há que se estar atento a algumas modulações:
[...] "O mar verdadeiro - essa potência terrível que faz soar
na praia uma voz de alga e distância". (p. 16)
O mar verdadeiro é também o mar absoluto ou o mar obsoleto...
3. É uma espiral. O pensamento ora sobe, ora desce, girando em
torno de si mesmo, como querendo ser o anti-pensamento (ou o não-pensamento?),
que levasse à total imobilidade do corpo, à não-ação. Mas palavras
sempre cobram seu preço: a imobilidade total é impossível, não
existe a não-passagem, a não-ação.
4. "Aproximei-me de uma grande boca na noite" (p. 12)
...Tomar, então, de empréstimo, um gosto na boca da noite. O resto
é desassossego...
5. É uma aquarela. Como quem pinta tom sobre tom, e tudo fica, ou não
fica, ou pode ficar mais verde ou menos azul, mais negro ou menos
vermelho ou mais amarelo ou menos... Tom sobre tom...
6. "Sou muitos dentro da noite." (p. 8)
É um jogo de espelhos, um caleidoscópio, onde cada imagem é um álibi
de si mesma...
7. "E a noite não se converte em verdade". (p. 8)
A
realidade não nos convém,
a realidade não satisfaz.
A realidade só ilumina
aquilo que se desfaz.
A realidade também
conosco jamais combina:
às vezes, nos diminui
e, outras vezes, nos amplia
muito mais do que devia...
A realidade não tem jeito,
só é capaz de mostrar
o que não nos diz respeito,
o que a nós não se assemelha.
Ficamos, então, pra sempre,
inevitavelmente,
olhando de esguelha,
tentando, inutilmente,
(não sem algum desgosto...)
limpar em nosso rosto
os sujos do espelho...
Nota:
Os números de página referem-se à edição impressa de O livro
da noite. Para abrir a versão digital, clique aqui.
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