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Carlos Martins, A roda do destino

 

Das razões de escrever este ensaio (Introdução ao livro Virgílio e os cantadores)

 

(Mauro Mendes)

 

 

Os mais antigos versos sertanejos eram as ”quadras”. Diziam-nos ‘verso de quatro’. Subentendia-se ‘pés’, que, para o sertanejo, não é a acentuação métrica, mas a linha.

 

Câmara Cascudo. Vaqueiros e Cantadores[1]

 

 

 

Vivi boa parte da infância no sertão cearense, nas cidades de Quixadá, Crato e Sobral, e, assim, tive oportunidade de ver e ouvir os violeiros e cantadores da minha terra. Lembro-me de que, nos dias de feira, eles chegavam, junto com os tropeiros, no lombo de fogosas burras, onde traziam suas rabecas e outras matulas. Eu não seria, hoje, capaz de descrever, com detalhes, o clima daquelas cantorias (às quais meu pai, um sertanejo de Quixadá, me levava), mas a elas fui, instantaneamente, transportado, quando, muitos anos depois, ouvi Caetano Veloso cantando “Circuladô de Fulô”, acompanhado pelo violoncelo do “cego tocadô” Jaques Morelenbaum.[2]

 

Por esta mesma época, tive também o primeiro contato com a literatura de cordel, através daqueles livrinhos rudimentarmente impressos, que eram vendidos nas feiras e mercados. No Crato, durante as festas da padroeira, Nossa Senhora da Penha, tive o privilégio de ver Luiz Gonzaga, acompanhado por zabumba e triângulo, cujas canções, divulgadas naqueles “bolachões” de 78 rpm, eu sabia de cor.

Aos doze anos, minha vida mudou inteiramente, pois fui estudar num seminário, em Fortaleza, o conhecido seminário do Barro Vermelho, onde fiquei muitos anos. Foi a vez, então, de entrar em contato com a música clássica, a música sacra, a literatura de língua portuguesa e também com as obras de escritores e poetas latinos e franceses, entre os quais, naturalmente, Virgílio. O convívio com estas diferentes formas de manifestação artística me fez, já adulto, numa ampla síntese, confirmar, apreciar e valorizar ainda mais aqueles que tinham sido meus primeiros paradigmas de beleza: os cantores de música popular, os violeiros e os repentistas do sertão!

 

Este ensaio é, portanto, antes de tudo, um reencontro prazeroso com um passado que eu considero muito rico. Tento, nele, demonstrar que os temas e cenários que serviram de inspiração ao poeta latino Virgílio para escrever uma de suas obras, As Bucólicas, são semelhantes aos encontrados em muitas letras de canções nordestinas. Adicionalmente, mas não de menor importância, este livro tem o objetivo de refutar os argumentos daqueles que desprezam as letras de canções populares, a ponto de lhes negarem, na totalidade, qualquer valor literário, sem falar no ridículo a que tentam expô-las. Gustave Flaubert, com acerto, teria considerado que “a tolice amena pode ser tolerada, mas não a tolice agressiva”.

 

Finalmente, pretendo provocar uma reflexão a respeito de como pessoas cultas podem chegar a conclusões tão diferentes a respeito de um mesmo substrato, sendo o caso de se perguntar se a análise equilibrada de uma questão não depende menos da falta de conhecimento do que da existência de arraigados preconceitos.

 

 

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