Das
razões de escrever este ensaio (Introdução ao livro Virgílio
e os cantadores)
(Mauro
Mendes)
“Os
mais antigos versos sertanejos eram as ”quadras”. Diziam-nos
‘verso de quatro’. Subentendia-se ‘pés’, que, para o
sertanejo, não é a acentuação métrica, mas a linha”.
Câmara
Cascudo. Vaqueiros
e Cantadores
Vivi
boa parte da infância no sertão cearense, nas cidades de Quixadá,
Crato e Sobral, e, assim, tive oportunidade de ver e ouvir os
violeiros e cantadores da minha terra. Lembro-me de que, nos dias de
feira, eles chegavam, junto com os tropeiros, no lombo de fogosas
burras, onde traziam suas rabecas e outras matulas. Eu não seria,
hoje, capaz de descrever, com detalhes, o clima daquelas cantorias (às
quais meu pai, um sertanejo de Quixadá, me levava), mas a elas fui,
instantaneamente, transportado, quando, muitos anos depois, ouvi
Caetano Veloso cantando “Circuladô de Fulô”, acompanhado pelo
violoncelo do “cego tocadô” Jaques Morelenbaum.
Por
esta mesma época, tive também o primeiro contato com a literatura
de cordel, através daqueles livrinhos rudimentarmente impressos,
que eram vendidos nas feiras e mercados. No Crato, durante as festas
da padroeira, Nossa Senhora da Penha, tive o privilégio de ver Luiz
Gonzaga, acompanhado por zabumba e triângulo, cujas canções,
divulgadas naqueles “bolachões” de 78 rpm, eu sabia de cor.
Aos
doze anos, minha vida mudou inteiramente, pois fui estudar num seminário,
em Fortaleza, o conhecido seminário do Barro Vermelho, onde fiquei
muitos anos. Foi a vez, então, de entrar em contato com a música
clássica, a música sacra, a literatura de língua portuguesa e
também com as obras de escritores e poetas latinos e franceses,
entre os quais, naturalmente, Virgílio. O convívio com estas
diferentes formas de manifestação artística me fez, já adulto,
numa ampla síntese, confirmar, apreciar e valorizar ainda mais
aqueles que tinham sido meus primeiros paradigmas de beleza: os
cantores de música popular, os violeiros e os repentistas do sertão!
Este
ensaio é, portanto, antes de tudo, um reencontro prazeroso com um
passado que eu considero muito rico. Tento, nele, demonstrar que os
temas e cenários que serviram de inspiração ao poeta latino Virgílio
para escrever uma de suas obras, As
Bucólicas, são semelhantes aos encontrados em muitas letras de
canções nordestinas. Adicionalmente, mas não de menor importância,
este livro tem o objetivo de refutar os argumentos daqueles que
desprezam as letras de canções populares, a ponto de lhes negarem,
na totalidade, qualquer valor literário, sem falar no ridículo a
que tentam expô-las. Gustave Flaubert, com acerto, teria
considerado que “a tolice amena pode ser tolerada, mas não a
tolice agressiva”.
Finalmente,
pretendo provocar uma reflexão a respeito de como pessoas cultas
podem chegar a conclusões tão diferentes a respeito de um mesmo
substrato, sendo o caso de se perguntar se a análise equilibrada de
uma questão não depende menos da falta de conhecimento do que da
existência de arraigados preconceitos.
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eletrônico Virgílio
e os cantadores, de Mauro Mendes (formato pdf, 188 kb)
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