DITIRAMBO
um
livro
um
filho
um
idílio
uma
árvore genealógica!
um
deus
um
fruto
uma
flora
uma
fauna arqueológica!
um
filho
um
deus
uma
ninfa
uma
santíssima trindade!
um
livro
um
deus
uma
hera
uma
folha paradisíaca!
GÊNESIS
No
princípio era o Verbum
(João
1;1)
...e
Deus,
por
ter inventado o mundo
antes
de todo mundo,
quanta
coisa deixou de aprender!...
escrever,
rabiscar, desenhar...
escrever
ao acaso, desdenhar...
adivinhar,
garatujar...
no
princípio era o Verbum...
de
repente, as palavras se encontram
ao
redor do vazio deixado pelas mesmas palavras...
escrevinhar,
rabiscar,
tornar
até mesmo adivinháveis as garatujas,
as
burundangas, mixórdias e algaravias...
pensar
ao léu,
penetrar
nos mistérios,
desvendar...
imo
ímã hímen mãe serpente cobra boa
hímen
ímã irmã mãe serpente naja boa
não
haja mais serpente boa
no
imo húmus úmido do paraíso
para
isso estamos aqui mesmo
serpente-ando
por nada
por
isto tudo e aquil'outro
'stamos
estáticos
sintáticos,
sintagmáticos
como
ex-finges que te devoras ou me decifro
por
dez cifras te devoro me desdenho
pra
isto mesmo aqui estamos
desvendando
os sonhos
do
outro lado do léu
do
outro lado do istmo
MAR
OBSOLETO
Foi
desde sempre o mar
e
multidões passadas me empurravam
como
a barco esquecido.
(Cecília
Meireles)
Diante
deste mar revolto,
que,
outrora, simbolizou
a
esperança de um tempo,
estou
sozinho e calmo.
Agora
já não penso,
sou
apenas memória,
lembrança
de outros caminhos,
que
se perderam
no
próprio caminho do vento.
Tento,
em vão, recompô-los
e
presto atenção às ondas,
se
quebrando nos rochedos,
trazendo
conchas e búzios,
respostas
mudas do mar.
O
pensamento é como a água-viva,
atirada
na areia,
misteriosa
e sedutora.
Quem
ousaria romper
o
seu invólucro transparente
e
suportar a ardente ferida
por
puro descaso?
Não!
Deixa-o dormir,
longe
da praia,
numa
profundidade de algas,
num
emaranhado de algas,
numa
discreta espessura e consistência de algas...
Deixa-o
dormir!
Agora
sou apenas memória!
NOSTALGIA
Saudade
dos verdes campos,
das
pastagens,
daquela
vida pré-vegetal,
(aquela
vida pré-)
atrasado
no tempo,
escondido
no
mimetismo universal...
NÁUTICA
I
– A Espera
À
beira do cais deserto,
o
barco ancorado sonha com procelas,
e
eu, que cheguei há pouco,
vindo
de dentro de um sonho impossível,
que
sonho eu?
Dize-me,
barco, o teu segredo
parado
nesta ponta de espera,
nesta
beira de cais!
É
sempre a mesma a distância
que
vai da praia à linha do horizonte?
...
e eu, que venho de ruas estreitas,
sempre
me perco.
Vários
murmúrios marinhos me acompanham
barcos
invisíveis vêm à tona
cheios
de peixes voadores...
II
– A Partida
O
que farei dos sonhos perdidos,
fugidos,
desmastreados,
vogando,
à deriva,
sobre
um mar qualquer?
Farei
velas enfunadas
para
uma ilusão mal curada,
alguma
navegação tardia,
e
sairei em busca de portos inseguros,
açoitados
de vento,
povoados
pela alma de antigos descobridores,
velhos
piratas sem bússola e sem tesouro...
III
– O Reencontro
As
ondas, quebrando na praia,
desfazem
o sulco
(porventura
deixado)
pelos
barcos que se foram
e
que poderia servir de pista
para
irmos em seu encalço.
Quebrando
assim ao acaso,
quase
displicentemente,
as
ondas desfazem este pequeno equívoco,
apagam
a última possibilidade.
É
que o mar não tem caminhos, meu amor,
e
os mares para onde hoje partimos
ainda
são nunca d'antes navegados,
para
nós,
pouco
versados na posição das estrelas,
pouco
afeitos ao solstício,
aos
eclipses e ao plenilúnio.
Pouco
importa!
Velejarei
num mar de versos,
onde
me reconheço,
onde
o campo é minado
e
cada palavra sabe a sua cicatriz.
SIERRA
MADRE
Grandes
asas depenadas,
atrás
daquela serra...
Grandes
nuvens cinzentas,
impacientes
de chuva,
por
cima da alegria invernal...
Pedaços
verdes de serra...
Pedras
esparsas no verde...
As
pedras são íngremes na subida...
A
sombra das nuvens passeia na serra
e
eu não queria mais nada dizer
que
não fosse aquilo dito
esparso
de sombra
das
nuvens passeando na serra...
Não
mais!
Algum
tempo eu já fui vegetal, distonal,
algum
tempo, eu queria te ver...
...
E onde a fonte rumoreja
sua
canção perdida...
...E
a fonte a cantar
sua
canção longínqua,
subterrânea,
do
lado de dentro...
-
Agreste camponesa,
(bucólica,
no mais),
tu
me levas uma vantagem imensa
nestas
curvas retorcidas,
pedras
polidas beirando o luar.
Sem
demora, não é certo
que
eu te alcance jamais
nestes
caminhos!
Ainda
bem que aquela canção
não
se desgastou,
nada
se desgastou,
tudo
continua...
Os
pirilampos verdes como d’antes,
sem
saber nada de bioquímica
ou
de fosforescência...
Só
esta olhessência,
esta
essência mesmo
no
olho de olhar tudo
e
tudo ver-de ou quase...
Reencontrar
meu cheiro de estrume molhado,
meu
cheiro de mato novo...
A
chuva lava nossos detritos inocentes, persistentes...
A
chuva tem esperanças de voltar a ser,
de
voltar a ser nuvem
impaciente
de chuva,
por
cima da alegria invernal...
Então,
ninguém sabe como,
de
repente nós voltamos,
brolhamos
timidamente
e
amadurecemos para sempre
nesta
safra multicor!
ESCALADA
Vou
ao cimo da montanha
me
abastecer de vento e pedregulhos,
sol
poente, luminescente,
(tergiverso)
reverso,
terra
e verso,
contar
estrelas que já não choram
(ora,
direis!) e nem conversam
deixar
quimeras que desabrocham,
ao
relento,
para
que tenham um passado feliz,
à
fina flor dos tempos!
TAUTOLOGIA
enquanto
vivermos,
estaremos
vivos
a
vida toda!
é
preciso fazer do instante cruel,
presente
ou passado,
uma
defesa contra o impossível,
sinal
de que o impossível existe
e
nos acontecerá,
mais
dia menos dia.
vamos
lá pra ver!
você
chora porque não ri
ou
ri porque não chora?
ou
ambos?
ou
isto não interessa
e
o que interessa está perto demais?
hoje
é quinta-feira
e
ainda não sei o bicho que deu,
mas
sei o bode que deu!
SENTIMENTO
(Bic
Poem)
gosto
de me sentir vivo,
de
ver a vida se depositando,
como
a tinta da caneta,
no
traço indeciso do poema,
misterioso
como as palavras,
que
eu não sei de onde vieram
SINOPSE
Leitura
de mim para mim
do
que eu não disse,
mas
percebo,
porque
eu não me engano,
me
vejo,
me
vejo de soslaio,
sou
da minha própria laia.
Recapitulando,
sem
dar tempo ao tempo,
sem
deixar o dito pelo não dito...
Nós
somos trágicos antes da tragédia
e
cômicos depois da comédia.
Tomamos
o antídoto antes do veneno,
engolimos
o dinheiro junto com a cachaça
ou
saímos sem pagar a conta.
Somos
extemporâneos,
desatentos
ao tempo,
ao
lusco-fusco,
ao
fluxo e refluxo,
ao
descompasso das marés.
O
mal do século não nos atinge
e
nos tornamos perigosamente óbvios.
Tente
pensar o óbvio, o ínvio,
o
que há de vir,
seja
o que for o que há de vir.
Coma
o pão,
o
pão ázimo do banquete de cada dia,
pão
ácido, pão duro, dormido,
de
um dia pro outro,
quebrando
os dentes
e
não temos palitos!
Quem
nos dará palitos como antigamente?
Dá
Deus dentes a quem não tem nozes.
Ou
é o contrário?
Faz
alguma diferença?
Três
vezes antes nozes fora nada,
nada,
assim
está melhor!
Vão-se
os dedos e fiquem os anéis.
Para
que queremos dedos
se
não temos palitos?
Já
das nozes nem é bom falar!
Não
falemos de nós,
da
nossa falância e da nossa falência!
PASTORAL
O
bicho-homem,
quando
era bicho-do-mato,
era
de vento e folhas,
balançar
de galhos,
estalidos
secos
de
cobras e lagartos
se
mexendo na folhagem,
murmúrios
de água,
cri-cri
de grilos,
pios
e trinados.
Ia
de vento em folha
o
bicho-homem,
quando
era bicho-do-mato.
Quantos
grilos conta, hoje,
o
bicho-homem,
quantas
cobras e lagartos!
Há
muitos sons e ruídos
ecoando,
em silêncio,
no
espaço das lembranças
do
bicho-homem.
CARROSSEL
A
vontade de cair de um edifício
é
apenas uma lembrança antiga,
uma
lembrança do tempo das valsas...
O
corpo gira e rodopia
e
se afasta da mente,
tão
leve como uma pena,
mais
gracioso que uma falena...
A
vontade de cair de um edifício
é
apenas uma pirueta,
uma
diabrura a mais
nas
travessuras do tempo,
uma
mudança de ritmo,
dentro
da mesma cadência...
A
vontade de cair de um edifício
é
apenas onipotência...
PONTUAÇÃO
estava
escuro
onde
eu estava,
dentro
do livro,
na
página 89.
e
estava escrito
que
eu devia apenas
virar
a página,
porque,
do outro lado, haveria
uma
pista (pelo menos falsa)
para
eu sair de dentro do livro,
de
dentro da página...
e
eu, que tenho (ou tinha)
o
tempo dentro de mim
(um
tempo que já nem é tempo,
um
tempo de pele e osso)
eu
quis saber o que havia e me perdi,
ao
passar da página...
perdi
meu item, meu ponto,
meu
ponto e vírgula,
perdi
meu til, meu cedilha,
meu
traço de união,
minhas
reticências e aspas,
meus
parênteses
e
meu ponto de exclamação.
você
sabe a minha página?
você
sabe a minha alínea?
então
fico mesmo sem linha,
perco
as estribeiras,
fico
fora desta história,
desta
rima rasteira,
sem
eira nem beira.
mas,
não se preocupe,
eu
vou passar tudo a limpo,
sem
emenda e sem rasura,
em
homenagem ao seu novo cheiro,
este
cheiro de papel novo,
o
seu cheiro desconhecido...
PESADELO
Eu
tenho muito,
muito
medo,
muito
medo de você!
Você
é o meu fantasma predileto,
o
meu espectro familiar,
que
me apavora no sono
e
de quem rio ao despertar.
Eu
vivo por você num sonho antigo,
um
sonho de antanho,
maluco,
extemporâneo,
um
sonho que já nem é sonho,
pois
é quase de manhã.
Da
noite alta que se desfez,
surgem
palavras bêbadas,
tontas
de sono,
ecoando
pela casa,
junto
aos passos do sonâmbulo.
Surgem
de abismos profundos,
mas
os abismos do sono
têm
a altura da cama
(felizmente!)
E,
lentamente, se recompõem
velhas
estórias mal contadas,
“buenas
dichas”, vagos presságios,
frágeis
linhas mal traçadas
da
minha mão e da tua
entrelaçadas
e entrelaçadas...
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