Três
poemas de Margarita Abella Caprile
AURORA
Taquicardia
da insônia,
crua
lucidez da aurora,
balanço
vertiginoso
dos
já incontáveis ontens
que
engoliram a manhã:
sobressalto
de entender
que
esta existência de agora
é
já “o depois” que tão longe
mirávamos:
angustiosa
explicação
com a criança
que
ainda somos e não crê
senão
num viver de séculos.
Ansiedade
da abundância
que,
conosco tendo vindo,
retornará
ao infinito,
pois
não alcança o futuro
para
o que pôde fazer-se,
para
o que nunca se disse.
Inquieture
de entender
que
naquela encruzilhada
pôde
ser outro o caminho.
Pânico
de não saber
se
assim nos quer o mistério;
terror
de não perceber
a
mensagem insistente
que
acaso transmite. Medo
do
espanto de haver a morte
e
de estar só e sem nome
perdida
num panorama
de
raças e de milênios.
Consciência
atroz de si mesmo;
pensar
que, talvez, devessem
todas
as coisas ter sido
de
outra maneira.
TARDE
NO PORTO
Céu
de suave matiz, que um sol cinza engalana,
argenteando
e esbatendo a imensidão do rio.
O
porto, onde ancorou a névoa baça e o frio,
tem
uma placidez aflita e cotidiana.
A
água, cinza também, que à água azul se irmana,
se
resigna à quietude e acalma o seu fastio
agora
em que, salobre, a quilha de um navio
da
fundura distante os prodígios lhe explana.
De
pátrias um resumo entre os diques, em frota,
mistura
a palidez da neve mais remota
à
lembrança de um ocre esplendor tropical.
Pela
tarde agourenta, um vapor se retira,
parecendo,
ao fugir, que sem rumo partira
a
um destino qualquer misterioso e fatal.
SOLIDÃO
Ah,
que desolação e que cansaço
este
inútil lutar,
cada
espírito é como uma ilha
à
qual ninguém jamais aportará.
Rodeado
pelo mar do egoísmo,
ou
rodeado quem sabe
pelo
mar de safira do seu sonho,
sozinho
cada espírito há de estar.
Através
da fundura de si mesmos
nem
as ideias chegarão jamais,
se
desvirtua nosso pensamento
ao
cruzar.
A
invenção incompleta das palavras
só
distancia mais;
que
angústia repetir por toda a vida
a
explicação que nada explicará!
E
sentir os horrores do impossível
frente
a essa fatal
e
infinita muralha das almas
que
nem o amor consegue derrubar.
E
volver outra vez sobre o já andado
depois
de tanto andar,
e
novamente a trágica e profunda
solidão!
(Traduções
de Renato Suttana)
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