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Henri Rousseau - Guerra

 

DOIS POEMAS DE JOSSI BORGES

 

 

ANDRÔMACA

 

Fora um sonho, uma miragem ou mera lembrança?

Hoje recordo tudo e a tristeza me apunhala

Como uma adaga profunda e maligna,

Como uma picada de serpente diabólica naquela

Noite sem fim de uma tragédia profunda e abismal.

E naquela noite de vento gélido como o hálito de Caronte

Eu dormia, e sonhava, e sofria...

Na grande cidade de ouro e mármore, na orgulhosa

E vibrante cidade da Grande Deusa

Todos os corações acordaram, numa noite ardente

Pelas chamas de um incêndio, que a tudo ia devorando:

Desde as mais humildes choupanas ao longe,

As praças de mercados e os templos gloriosos...

E o incêndio ia arrastando as pessoas nas ígneas ondas

De horror e caos, e era um inferno, entre espasmos

De desespero, de lágrimas e gritos arrasados...

Quando, enfim, acabou-se e quedou-se muda

E aflita a antes orgulhosa cidade, o inimigo

Apossou-se dos restos humilhados do povo

Saqueado, deixando para trás esqueletos negros

E ruínas enfumaçadas, e os fantasmas desolados

Dos antigos chefes no cerco assassinados...

E quando eu saí na noite enegrecida pelo horror

E pela destruição, gritando pelo teu nome,

Nada mais vi, além do horror do caos, do inimigo

Impiedoso e duro, e duas mãos brutas agarraram-me

Os braços e me empurraram... para longe... para longe...

— Heitor! — Eu gritava em vão, sentindo o amargo sabor

Do teu nome vazio de esperança, vazio de futuro...

— Heitor... — Eu solucei, buscando no abismo

Uma sombra clara e luminosa, um halo,

Um lufar de asas, um som mavioso, um resto qualquer

De teu amado fantasma, de tua sombra querida...

Nada! Deixei que me arrasassem as dores,

Deixei que arrastassem os corvos negros do inimigo

Minha pobre vida destroçada e sem sentido,

E nada mais vi, nada mais senti, cega e louca

Na dor avassaladora de tua ausência...

Viúva, perdida no caos, as lágrimas corroíam

Meu rosto, ardiam como chamas líquidas

E nada mais me importava, nem o inferno, nem o caos,

Nem os restos e cinzas frias da glória antiga e perdida...

Fomos para outros céus, outros mares, outras cidades,

E lá, outro homem a querer-me por esposa...

Jamais! Árido para sempre está meu peito,

Para sempre árido e destruído, com a velha glória

De Troia, a cidade que amaste... Heitor, meu senhor

E esposo, dono e algoz, fantasma que esvoaça

Nos meus sonhos, cujos lábios tanto anseio,

Cujos lábios os meus querem tocar, em vão,

Nas noites geladas em que me revolvo nos

Braços de um estranho... Jamais, quero gritar,

Jamais outro será dono de meu amor...

Neste inferno em que minha alma mergulha

Dia e noite, eu espero ansiosa que a morte

Me tome e me leve em suas asas ligeiras e negras

Para o Tártaro abismal, onde sei que me esperas.

Onde sei que teu fantasma, doce e claro,

Estende-me os braços, como o deus Apolo

Estende seus raios quando nasce o dia...

Oh, Tártaro abismal, mais desejado que o céu,

Mais puro e mais florido, com jardins de flores mortas,

Com seus bosques de árvores úmidas onde

Geme o vento, numa eterna noite vazia...

É para lá que quero ir... É lá que encontrarei a vida.

 

 

 

O REI DOS DUENDES

 

Prados verdejantes e cálidos bosques,

Vento suave batendo no meu rosto...

Águas tranqüilas de uma lagoa, verdes colinas ao longe,

O calor de um sol amistoso em minha pele...

Ventura! Oh, alegria e ventura, por este momento,

Quando penetro o santuário do meu deus, do meu amor...

Para trás o tormento, para trás a saudade, para trás a dor...

Para trás, o esquecimento, a solidão, a clausura

Entre as frias paredes de um castelo...

Agora minha vista se embriaga do verde, da luz, do ar,

E procura ávida pelos meus amigos pequeninos.

 

O vento sopra forte, o ar agita-se ao som de uma flauta

E de uma melodia doce como o mel.

Eles vêm, miríades de criaturas brilham em todas as cores,

Pequenos rostos, olhos amendoados, cabelos verdes...

A música dos duendes flutua, aquece e envolve,

Suaves modulações ao vento da tarde, carinho e magia,

Sussurros e frases, beleza e poesia...

 

As fadas erguem-se majestosas dos canteiros de flores,

As hamadríades sondam das árvores,

Seus olhos verdes lançando fulgurantes reverberações,

E do lago as loreleys elevam os rostos molhados...

Das rochas saem em procissão pequenos gnomos

E dentre o bosque, os elfos acorrem em bandos,

Enquanto os silfos descem de diáfanas nuvens de brilho.

 

— Princesa, a cativa princesa! — Ouço-os cantarem...

A Princesa cativa libertou-se... cantemos à sua alegria!

Cantemos em honra da liberdade e do amor!

O vento esparge a canção dos pequeninos em ondas...

Cascatas de luz, cascatas de formas e cores,

E a forma maior surge, um vulto humano feito de energia,

Luz e cor...

 

O Deus dos bosques, o Rei dos Duendes, o Senhor das Folhas...

O vento agita meus cabelos e os seus cabelos,

Meus olhos são duas estáticas esmeraldas a fitarem

O intenso e móbil verde dos olhos dele...

Movo os lábios numa silenciosa prece... encantamento,

Surpresa, euforia, diante da majestosa e amorosa presença...

Fecho os olhos e suspiro, em profunda e apaixonada reverência.

 

Em torno, a Natureza entoa odes e elegias...

Paz, calor, luz... para trás a tristeza... meu coração se inunda de alegria.

 

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