DOIS
POEMAS DE JOSSI BORGES
ANDRÔMACA
Fora
um sonho, uma miragem ou mera lembrança?
Hoje
recordo tudo e a tristeza me apunhala
Como
uma adaga profunda e maligna,
Como
uma picada de serpente diabólica naquela
Noite
sem fim de uma tragédia profunda e abismal.
E
naquela noite de vento gélido como o hálito de Caronte
Eu
dormia, e sonhava, e sofria...
Na
grande cidade de ouro e mármore, na orgulhosa
E
vibrante cidade da Grande Deusa
Todos
os corações acordaram, numa noite ardente
Pelas
chamas de um incêndio, que a tudo ia devorando:
Desde
as mais humildes choupanas ao longe,
As
praças de mercados e os templos gloriosos...
E
o incêndio ia arrastando as pessoas nas ígneas ondas
De
horror e caos, e era um inferno, entre espasmos
De
desespero, de lágrimas e gritos arrasados...
Quando,
enfim, acabou-se e quedou-se muda
E
aflita a antes orgulhosa cidade, o inimigo
Apossou-se
dos restos humilhados do povo
Saqueado,
deixando para trás esqueletos negros
E
ruínas enfumaçadas, e os fantasmas desolados
Dos
antigos chefes no cerco assassinados...
E
quando eu saí na noite enegrecida pelo horror
E
pela destruição, gritando pelo teu nome,
Nada
mais vi, além do horror do caos, do inimigo
Impiedoso
e duro, e duas mãos brutas agarraram-me
Os
braços e me empurraram... para longe... para longe...
—
Heitor! — Eu gritava em vão, sentindo o amargo sabor
Do
teu nome vazio de esperança, vazio de futuro...
—
Heitor... — Eu solucei, buscando no abismo
Uma
sombra clara e luminosa, um halo,
Um
lufar de asas, um som mavioso, um resto qualquer
De
teu amado fantasma, de tua sombra querida...
Nada!
Deixei que me arrasassem as dores,
Deixei
que arrastassem os corvos negros do inimigo
Minha
pobre vida destroçada e sem sentido,
E
nada mais vi, nada mais senti, cega e louca
Na
dor avassaladora de tua ausência...
Viúva,
perdida no caos, as lágrimas corroíam
Meu
rosto, ardiam como chamas líquidas
E
nada mais me importava, nem o inferno, nem o caos,
Nem
os restos e cinzas frias da glória antiga e perdida...
Fomos
para outros céus, outros mares, outras cidades,
E
lá, outro homem a querer-me por esposa...
Jamais!
Árido para sempre está meu peito,
Para
sempre árido e destruído, com a velha glória
De
Troia, a cidade que amaste... Heitor, meu senhor
E
esposo, dono e algoz, fantasma que esvoaça
Nos
meus sonhos, cujos lábios tanto anseio,
Cujos
lábios os meus querem tocar, em vão,
Nas
noites geladas em que me revolvo nos
Braços
de um estranho... Jamais, quero gritar,
Jamais
outro será dono de meu amor...
Neste
inferno em que minha alma mergulha
Dia
e noite, eu espero ansiosa que a morte
Me
tome e me leve em suas asas ligeiras e negras
Para
o Tártaro abismal, onde sei que me esperas.
Onde
sei que teu fantasma, doce e claro,
Estende-me
os braços, como o deus Apolo
Estende
seus raios quando nasce o dia...
Oh,
Tártaro abismal, mais desejado que o céu,
Mais
puro e mais florido, com jardins de flores mortas,
Com
seus bosques de árvores úmidas onde
Geme
o vento, numa eterna noite vazia...
É
para lá que quero ir... É lá que encontrarei a vida.
O
REI DOS DUENDES
Prados
verdejantes e cálidos bosques,
Vento
suave batendo no meu rosto...
Águas
tranqüilas de uma lagoa, verdes colinas ao longe,
O
calor de um sol amistoso em minha pele...
Ventura!
Oh, alegria e ventura, por este momento,
Quando
penetro o santuário do meu deus, do meu amor...
Para
trás o tormento, para trás a saudade, para trás a dor...
Para
trás, o esquecimento, a solidão, a clausura
Entre
as frias paredes de um castelo...
Agora
minha vista se embriaga do verde, da luz, do ar,
E
procura ávida pelos meus amigos pequeninos.
O
vento sopra forte, o ar agita-se ao som de uma flauta
E
de uma melodia doce como o mel.
Eles
vêm, miríades de criaturas brilham em todas as cores,
Pequenos
rostos, olhos amendoados, cabelos verdes...
A
música dos duendes flutua, aquece e envolve,
Suaves
modulações ao vento da tarde, carinho e magia,
Sussurros
e frases, beleza e poesia...
As
fadas erguem-se majestosas dos canteiros de flores,
As
hamadríades sondam das árvores,
Seus
olhos verdes lançando fulgurantes reverberações,
E
do lago as loreleys elevam os rostos molhados...
Das
rochas saem em procissão pequenos gnomos
E
dentre o bosque, os elfos acorrem em bandos,
Enquanto
os silfos descem de diáfanas nuvens de brilho.
—
Princesa, a cativa princesa! — Ouço-os cantarem...
A
Princesa cativa libertou-se... cantemos à sua alegria!
Cantemos
em honra da liberdade e do amor!
O
vento esparge a canção dos pequeninos em ondas...
Cascatas
de luz, cascatas de formas e cores,
E
a forma maior surge, um vulto humano feito de energia,
Luz
e cor...
O
Deus dos bosques, o Rei dos Duendes, o Senhor das Folhas...
O
vento agita meus cabelos e os seus cabelos,
Meus
olhos são duas estáticas esmeraldas a fitarem
O
intenso e móbil verde dos olhos dele...
Movo
os lábios numa silenciosa prece... encantamento,
Surpresa,
euforia, diante da majestosa e amorosa presença...
Fecho
os olhos e suspiro, em profunda e apaixonada reverência.
Em
torno, a Natureza entoa odes e elegias...
Paz,
calor, luz... para trás a tristeza... meu coração se inunda de
alegria.
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