POEMAS DE INGEBORG BACHMANN
Todos os Dias*
A guerra já não se declara,
continua-se apenas. O que brada aos céus
torna-se o dia a dia. Os heróis
ficam longe das batalhas. Os fracos
recuam para a linha de fogo.
O uniforme do dia é a paciência,
a medalha a mísera estrela
da esperança sobre o coração.
Atribui-se,
quando já nada acontece,
quando os canhões se calam,
quando o inimigo se torna invisível
e a sombra da armadura perpétua
cobre o céu.
Atribui-se
à deserção das bandeiras,
à audácia frente aos amigos,
à traição de segredos indignos,
ao não acatamento
de qualquer ordem.
Dizer
escuro
Tal Orfeu toco
nas cordas da vida a morte
e na beleza da terra
e dos teus olhos que mandam no céu,
só sei dizer escuro.
Não esqueças, que também tu, de repente,
naquela manhã, com a cama
ainda molhada de orvalho e o cravo
a dormir no coração,
viste o rio escuro
a passar por ti.
Com a corda silêncio
tensa na onda de sangue,
agarro o teu coração.
Tuas madeixas mudavam,
tornavam-se cabelos de sombra da noite,
flocos negros de treva
nevavam no teu rosto.
E eu não sou tua pertença.
Ambos nos queixamos já.
Mas tal Orfeu sei
na borda da morte a vida,
e azula-se-me
o teu olhar para sempre fechado.
Terra
de névoa
No Inverno a minha amada
está com os bichos na mata.
Que eu tenho de voltar antes do dia,
a raposa sabe-o e ri.
Tremem tanto estas nuvens! E
na minha gola de neve cai
uma cama de gelo quebrado.
No Inverno a minha amada
é uma árvore entre as árvores e
convida aos belos ramos
os corvos abandonados da sorte. Sabe
que o vento, ao anoitecer, lhe levanta o
vestido hirto de noite e geada,
e me leva para casa.
No Inverno a minha amada
Vai silenciosa com os peixes.
Servindo as águas, movidas adentro
pelo o fio das barbatanas,
eu fico na margem e vejo-a
mergulhar e revirar,
enquanto os gelos não me expulsam.
E de novo, ao embate do grito
da ave que me ampara
com a asa, desabo
num campo aberto: a amada depena
as galinhas e atira-me
uma clavícula branca. Ponho-a ao pescoço
e afasto-me por entre a penugem amarga.
Infiel é a minha amada,
eu sei que às vezes flutua
de saltos altos até à cidade,
beija nos bares com a palhinha
os copos profundamente na boca
e vêm-lhe palavras para todos.
Mas eu não percebo o idioma.
Vi terra de névoa.
Comi coração de névoa.
Sombras rosas sombras
Debaixo de um céu estrangeiro
sombras rosas
sombras
por sobre terra estrangeira
entre rosas e sombras
dentro de uma água estrangeira
minha sombra
(Traduções de Sephi Alter)
* Este poema foi traduzido a meias com Renato Suttana.
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