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Wassily Kandinsky

 

POEMAS DE INGEBORG BACHMANN

 

 

Todos os Dias*

 

A guerra já não se declara,

continua-se apenas. O que brada aos céus

torna-se o dia a dia. Os heróis

ficam longe das batalhas. Os fracos

recuam para a linha de fogo.

O uniforme do dia é a paciência,

a medalha a mísera estrela

da esperança sobre o coração.

 

Atribui-se,

quando já nada acontece,

quando os canhões se calam,

quando o inimigo se torna invisível

e a sombra da armadura perpétua

cobre o céu.

 

Atribui-se

à deserção das bandeiras,

à audácia frente aos amigos,

à traição de segredos indignos,

ao não acatamento

de qualquer ordem.

 

 

 

Dizer escuro

 

Tal Orfeu toco

nas cordas da vida a morte

e na beleza da terra 

e dos teus olhos que mandam no céu,

só sei dizer escuro.

 

Não esqueças, que também tu, de repente,

naquela manhã, com a cama

ainda molhada de orvalho e o cravo

a dormir no coração, 

viste o rio escuro

a passar por ti.

 

Com a corda silêncio

tensa na onda de sangue,

agarro o teu coração.

Tuas madeixas mudavam,

tornavam-se cabelos de sombra da noite,

flocos negros de treva

nevavam no teu rosto.

 

E eu não sou tua pertença.

Ambos nos queixamos já.

 

Mas tal Orfeu sei

na borda da morte a vida,

e azula-se-me

o teu olhar para sempre fechado.

 

 

 

Terra de névoa

 

No Inverno a minha amada

está com os bichos na mata.

Que eu tenho de voltar antes do dia,

a raposa sabe-o e ri.

Tremem tanto estas nuvens! E

na minha gola de neve cai

uma cama de gelo quebrado.

 

No Inverno a minha amada

é uma árvore entre as árvores e

convida aos belos ramos

os corvos abandonados da sorte. Sabe

que o vento, ao anoitecer, lhe levanta o

vestido hirto de noite e geada,

e me leva para casa.

 

No Inverno a minha amada

Vai silenciosa com os peixes.

Servindo as águas, movidas adentro

pelo o fio das barbatanas,

eu fico na margem e vejo-a

mergulhar e revirar,

enquanto os gelos não me expulsam.

 

E de novo, ao embate do grito

da ave que me ampara

com a asa, desabo

num campo aberto: a amada depena

as galinhas e atira-me

uma clavícula branca. Ponho-a ao pescoço

e afasto-me por entre a penugem amarga.

 

Infiel é a minha amada,

eu sei que às vezes flutua

de saltos altos até à cidade,

beija nos bares com a palhinha

os copos profundamente na boca

e vêm-lhe palavras para todos.

Mas eu não percebo o idioma.

 

Vi terra de névoa.

Comi coração de névoa.

 

 

 

Sombras rosas sombras

 

Debaixo de um céu estrangeiro

sombras rosas

sombras

por sobre terra estrangeira

entre rosas e sombras

dentro de uma água estrangeira

minha sombra

 

 

(Traduções de Sephi Alter)

 

* Este poema foi traduzido a meias com Renato Suttana.

 

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