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Giorgio Morandi

 

UM TRECHO DE MORTE AO ENTARDECER

 

(Ernest Hemingway)

 

E quanto à Velha Senhora? Foi-se. Jogamo-la para fora do livro, finalmente. Um pouco tarde, você diria. Sim, talvez um pouco tarde. E quanto aos cavalos? São aquilo de que as pessoas gostam de falar, quando se trata de touradas. Já tivemos o bastante sobre os cavalos? Mais do que o bastante sobre os cavalos, você diria. Gosta-se de tudo menos dos pobres cavalos. Devíamos elevar um pouco o tom geral desta conversa. Que tal falar de coisas mais altas?

 

O Sr. Aldous Huxley, escrevendo um ensaio intitulado Foreheads Villainous Low, começa assim: “Em (nomeia um livro desse escritor), o Sr. H. se aventura, num certo ponto, a nomear um Velho Mestre. Há uma frase, admiravelmente expressiva (aqui o Sr. Huxley se permite uma deferência), uma frase só, e não mais, sobre ‘as unhas amargas’ dos Cristos de Mantegna; então, rapidamente, pasmado com sua própria temeridade, o autor prossegue (como a Sra. Gaskell poderia apressadamente ter prosseguido, se por acaso se houvesse traído ao mencionar um mictório), prossegue, um tanto ruborizado, falando outra vez de Coisas Mais Baixas.

 

“Já houve um tempo, e não faz muito, em que os estúpidos e os sem instrução aspiravam a ser tomados por cultos e inteligentes. A corrente das aspirações mudou de direção. Não é de todo incomum, hoje em dia, encontrar pessoas cultas e inteligentes dando o melhor de si para fingir estupidez ou esconder o fato de que receberam uma educação” – e mais, mais na melhor veia bem-educada do Sr. Huxley, que é de fato uma veia altamente educada.

 

E daí? – você pergunta. O Sr. Huxley ‘carrega’ um pouco nos tons, tudo bem, tudo bem. O que você tem a dizer a respeito disso? Deixem-me responder com franqueza. Depois de ler isso no livro do Sr. Huxley, obtive uma cópia do volume a que ele se refere e dei uma olhada, mas não pude achar a passagem mencionada. Deve estar lá, mas não tive a paciência ou o interesse de buscá-la, até porque o livro já tinha terminado, e não havia nada mais a fazer. Parece-se muito com aquele tipo de coisa que alguém tenta eliminar revisando um manuscrito. Creio que seja mais do que uma questão de simular ou evitar a aparência de cultura. Escrevendo um romance, um escritor deveria criar pessoas vivas, não personagens. Uma personagem é uma caricatura. Se um escritor pode fazer pessoas viverem, poderá não haver grandes personagens no seu livro, mas é possível que o seu livro perdure como um todo, como uma entidade, como um romance. Se as pessoas que o escritor constrói falam de velhos mestres, de música, de pintura moderna, de letras ou de ciência, então elas deverão falar disso no romance. Se elas não falam desses assuntos e o escritor as faz falar sobre eles, então ele será um farsante, e se ele fala sobre os mesmos para mostrar o quanto sabe sobre eles então estará se exibindo. Não importa o quanto seja boa uma metáfora ou um símile, se ele os coloca onde não são absolutamente necessários e insubstituíveis, estará estragando seu trabalho por excesso de egotismo. Prosa é arquitetura, não decoração de interiores, e o Barroco já passou. Para um escritor, colocar seus próprios gostos intelectuais – que ele talvez vendesse a preço mais baixo na forma de ensaios – na boca de personagens artificialmente construídas, que são mais rentáveis quando lançadas como pessoas num romance, é talvez um bom negócio, mas não faz literatura. Pessoas num romance, não personagens artisticamente construídas, precisam projetar-se da experiência do escritor, de seu saber, de sua cabeça, de seu coração e de tudo o mais que existe nele. Se ele tiver tanto sorte quanto seriedade e conseguir colocá-las inteiras para fora, elas terão mais do que uma dimensão e vão durar por um longo tempo. Um bom escritor deveria saber de quase tudo quanto fosse possível. Naturalmente ele não saberá. Um escritor que seja grande o bastante parece já ter nascido sabendo. Mas ele não nasceu sabendo, ele apenas nasceu com a habilidade de aprender numa razão de tempo mais acelerada que outros homens e sem aplicação pessoal, e com uma inteligência que lhe permite aceitar ou rejeitar o que é oferecido como saber. Há algumas coisas que não se pode aprender rapidamente, e o tempo, que é só o de que dispomos, cobra um preço alto pela aquisição delas. São as coisas mais simples do mundo, e porque leva a vida inteira de um homem para conhecê-las, a pequena novidade que cada homem extrai da vida custa muito caro e é a única herança que ele poderá deixar. Cada romance que é verdadeiramente escrito contribui para o saber total que aí está à disposição do próximo escritor, mas o próximo escritor precisa pagar, sempre, certa porcentagem nominal de experiência para ser capaz de entender e assimilar o que está disponível como direito de nascimento, e aquilo que ele precisa, por seu turno, tomar como ponto de partida. Se um autor de prosa sabe o bastante sobre aquilo que está escrevendo, ele poderá omitir coisas que sabe, e o leitor, se o autor escreve com suficiente verdade, terá dessas coisas um sentimento tão forte quanto o teria se o escritor as houvesse explicitado. A dignidade de movimento de um iceberg se deve ao fato de apenas um oitavo de sua massa estar acima das águas. Um escritor que omite coisas porque não as conhece apenas faz buracos em sua escrita. Um escritor que reconhece tão pouco a seriedade de escrever e que apenas anseia por fazer com que as pessoas vejam o quanto ele é formalmente educado, culto e bem-criado, torna-se meramente um papagaio. E lembrem-se disto também: um escritor sério não é para ser confundido com um escritor solene. Um escritor sério pode ser um falcão ou um bútio, ou mesmo um papagaio, mas um escritor solene é sempre uma lamentável coruja.

 

(Tradução de Renato Suttana)

 

 

 

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