"ESQUECIMENTO" E OUTROS
POEMAS
DE HART CRANE
ESQUECIMENTO
O esquecimento é uma
canção
Errante e solta sem
compasso.
O esquecimento é um
pássaro de asas avindas
Abertas e paradas
—
Um pássaro encostado ao
vento sem fadiga.
O esquecimento é a chuva
à noite,
Ou uma casa velha
na floresta
—
ou uma criança.
O esquecimento é
branco
—
branco de árvore abatida.
E pode pôr a Sibila a
profetizar pasmada,
Ou enterrar os deuses.
Lembro muito
esquecimento.
INTERIOR
Espalha uma festa tímida
A lâmpada em nosso
quarto.
Calma dourada e
cinza,
—
Silêncio e suave
enfarto!
Longe do mundo, a hora
roubada
Pedimos, quem saberia
Que o amor é uma flor
atrasada
A abrir no que resta ao
dia.
E se o mundo entrasse em
cena
Com ciúmes e malícia,
Partiria com uma vénia
Levando
pena e um sorriso
REPOUSO DE RIOS
Os salgueiros tinham um
som lento,
Uma sarabanda que o
vento cortara no campo.
Jamais me lembraria
Aquele fremente,
constante alisar dos pântanos
Até a idade me trazer ao
mar.
Folhas, ervas. E
lembranças de alcovas a pique
Com ciprestes
partilhando a tirania do sol
No alto; levaram-me até
ao Hades, quase.
E tartarugas mamute
escalando sonhos de enxofre
Rendiam-se, enquanto a
lama do sol as separava
Em ondas…
Tanta coisa para trocar!
a garganta escura
E todos aqueles ninhos
estranhos nos morros
Onde os castores
aprendiam ponto e dente.
O lago onde uma vez
entrei para logo fugir —
Relembro agora a sua
margem cantante de salgueiros.
E por fim nessa memória
que todas as coisas amimam;
Depois de passar a
cidade enfim
Com óleos escaldantes
vertidos e dardos fumegantes
Que a monção lançava
através do delta
Às portas do golfo…além,
para lá dos diques
Ouvi a safira que
esboroa ventos, como o verão de agora
E os salgueiros não
podiam ter som mais constante.
PROÉMIO:
À Ponte de Brooklin
Quantas manhãs, molhadas
no descanso
As asas da gaivota
hão-de rodá-la
Tumultuando anéis
brancos, levantando
Por sobre as águas
presas Liberdade-
E depois numa curva
inviolada
Sair da nossa vista como
velas
Fantasmas através de
relatórios;
—
Até o dia acabar nos escritórios
Penso em cinemas,
truques panorâmicos
Com multidões correndo
em grande afã
A uma cena de luz nunca
entendida,
Prevista aos outros
sobre o mesmo ecrã.
E Tu, através do porto,
andada em prata
Como se o sol tomasse em
ti o passo
Mas te deixasse um
mover nunca exausto-
Tua liberdade implícita
travando-te.
De uma boca do metro,
cela ou prédio
Um louco corre até aos
teus parapeitos,
Oscila, grita a camisa
em balão,
Um chiste cai da
caravana muda.
Da trave, escorre por
Wall Street abaixo
Um dente serra ao céu de
acetileno;
Nuvens, a tarde inteira,
rodam guinchos….
Os teus cabos aspiram
ainda o Atlântico.
E obscuro como o tal céu
dos Judeus,
Teu prémio...
conferes o galardão
Do anonimato que o tempo
não cria:
Mostras o alívio
vibrante e o perdão.
Ó harpa e altar, da
fúria derretida
(como é que mero
esforço te encordoou!)
Tremendo umbral do voto
do profeta,
Prece do pária, e
queixume do amante.
As luzes dos semáforos
que escumam
De novo o teu idioma sem
fracções,
Contas de estrelas-condensam
o eterno:
E já vimos a noite alta
em teu braços.
Esperei à tua sombra
junto ao cais;
Só às escuras a tua
sombra é clara.
Desfeitos os embrulhos
da cidade,
Já o ano férreo em neve
se afundara.
Ó sem sono como águas do
teu rio,
Saltando o mar, prados e
sonhos seus,
Uma ou outra vez
rebaixa-te até nós
E do encurvado empresta
um mito a Deus.
(Traduções de Sephi Alter)
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