O POETA CLAUDIUS PORTUGAL
(Gilfrancisco*)
“Acredito que a palavra não pode
ficar presa à ociosidade da função de versos. A palavra é sua
sílaba, suas letras – desenho, forma, volume, figura e fundo –, seus
fonemas e tudo nele é signo.”
(Claudius Portugal)
Claudius Emenson Portugal nasceu em
Salvador, em 10 de agosto de 1951, poeta, letrista e editor da
extinta revista Exu (1987/1997), de cuja publicação foram editados
36 números, além da coleção “Casa de Palavras” – ambas publicadas
pela Fundação Casa de Jorge Amado. Concluiu o curso de pós-graduação
em Literatura Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro
depois de estudar Direito. Exerceu jornalismo nas funções de
repórter, colunista e editor Claudius Portugal desde cedo conquistou
um prestígio para o qual dificilmente se encontraria paralelo entre
os jovens poetas de sua geração. Todavia sua obra só viria a ser
reconhecida durante os anos de resistência cultural, em que ele
participou ativamente da “poesia marginal”, ou seja da, “geração
mimeógrafo”, dos dourados anos 70, no Rio de Janeiro, época em que
publicou seu livro de estréia, “Konfa & Marafon” (Carta a família),
1975.Vejamos extrato da apresentação feita por Heloisa Buarque de
Holanda: “Que a novíssima poesia brasileira tomou a palavra é fato
consumado. Veio vindo incerta e múltipla vinculada às produções
marginais e agora começa a se consolidar num movimento em que retoma
as vertentes sombreadas pelo período de dominação dos programas
vanguardistas e do experimentalismo formal. (...) É nesse sentido
que se anuncia Carta a Família, texto novo e denso que refaz a
asfixia do seu estar no mundo a cada trabalho.”
Sua poesia nasce no momento instável em
que ele nos encontra no estado de invenção, onde a realidade se
inventa e ao mesmo se descobre para renovar num interminável
processo de criação, confiando inteiramente na capacidade da
linguagem simbólica. A cada publicação, Claudius Portugal luta pela
mudança nos conceitos da realização, uma saída de determinado
conceito para uma radicalização em outro. Está preocupado com a
forma, sempre inovadora. Realçando a dimensão musical da palavra
poética, anunciando o nascimento de uma nova sensibilidade na
moderna poesia brasileira, – a confundir realidade e fantasia, a ver
o reverso dos fatos mais simples, cotidianamente despercebidos pelo
olho humano e ao mesmo tempo, mais complexo, seduz e comove, fazendo
pensar.
A imaginação poética de Claudius
Portugal atira longe, recupera a liberdade de criar livremente seu
próprio ritmo, além das regras fixas, apresentando jogos sonoros
surpreendentes expressivos a misturar palavras técnicas com outras
plenas de lirismo, mostrando finalização que, quase sempre,
desconcerta o leitor. Assim o texto produtor, criado pelo poeta,
oferece a pré-visão de uma nova realidade, colocando a dinâmica da
atividade principal – o discurso poético. Pois a liberdade de
criação transparece nas sucessivas transformações de significações e
formas. Nelas o poema apresenta-se como um círculo ou uma esfera,
algo que se fecha sobre si mesmo, universal, auto-suficiente, em que
o fim é o principio que volta, se repete, se recria. E o ritmo nos
reclama uma re-flexão através de um conviver e de um confundir ao
mesmo tempo iluminadores dela e iluminados por ela.
E nesse desafio da palavra, leva o autor
a descobrir que é possível e necessário o rompimento, o
desprendimento de tudo que o aprisiona, na busca de atingir o
absoluto vôo; reacende-se a chama, permitindo que a palavra deixe de
ser apenas signo e ganhe uma vida nova, intensificando os espaços
visuais entre elas.
Atento aos apelos da realidade ordinária
destes dias ordinários e extraordinários momentaneamente
transmissível, Claudios Portugal conseguiu preservar a prosa em seu
estado de pureza e de transcendência, deslocando-se para o lado da
verdade cotidiana, refazendo a realidade vista pelos olhos e pelas
lentes comuns, como nos livros Carta a Família, (1975) e Notas
Bandalhas (1986), submetendo-a ao enfoque de outras lentes urbanas.
Falsas que sejam para os óculos neutros, mas verdadeiras e
irremovíveis para os olhos dele, modificadores.
Claudius manipula através do texto
ritmos, imagens, cores, sons com desembaraço e se sobressai pura,
puramente artista, com a singeleza e o espanto dos que não gastam
esforços. O texto paira além do arco-íris, em graça, suavidade... e
até com os indecifráveis dos infinitos, por causa da linguagem, das
sugestões, desperta ganhando um sentimento de humanidade mais vasta
e mais profunda. Um estilo ágil, virtuoso da linguagem – original,
onde a sinergia verbal ganha pleno controle mental do seu produto
final. Uma prosa embebida em cores vivas, filtradas de imagens,
encantadas e encantatórias, encontrando em sua capacidade de
levitação, redescobrindo, se discutindo o fundo sob a camada da
experiência adquirida, sem querer ir longe e fundo – mais longe sem
conclusões e mais fundo dentro de si mesmo. O poeta prosador tem a
sua maneira própria dos malditos solitários, a sua linguagem
pessoal, intransferível, as suas invenções psicológicas e
existenciais. Um risco de ironia e de ácida construção do outro lado
da vida bandalha, que a gente vê sem lentes de cor ou de sonhos.
WXYZ (1992) é uma experiência nos
limites onde a fragmentação busca descobrir um significado mais além
do significado, a montagem, a ausência de pontuação e as técnicas
musicais, buscam oferecer um poema-objeto auto-suficiente, móvel,
isto é aberto a uma intensa polisemântica. Apresentando uma lâmina
cortante fundamental, como o espaço maior de realização dos seres,
como a forma mais plena de se expressar, ou seja a totalidade da
condição humana de criação, revelando como a face esplêndida da
liberdade. Em WXYZ, o poeta utiliza os jogos óticos-verbais para
montar um retrato do cotidiano com leveza, humor e poesia. São
poemas curtos e de leituras multidirecionais em folhas que vão se
desdobrando, fragmentos que se deslocam e se encontram.
Tudo pode ser usado, pois o poeta
Claudius Portugal transforma o tudo em boa poesia, numa visão ampla
das coisas, colocando-as em questão, em estado de exílio
metalingüístico. Poder-se-ia definir ainda como uma animação da vida
total, há uma magia criadora toda pessoal, um resultado raramente
atingido nos poetas da safra dos anos 70.
WXYZ é a continuação de um trabalho
iniciado nos anos setenta, seguindo a mesma pista do Olho de Gato
(1985). Na verdade, que o torna mais notável é a ousadia, a
libertinagem, a irreverência do autor que, além de boa poesia, nos
reserva surpresa e, de uma parte a outra, esconde sempre na frente o
melhor. Um livro graficamente, bem cuidado, que revela mais uma vez
a característica de sua marca de bom editor, de artífice da
linguagem, brincadeiras com palavras e coisas do gênero, feitas com
uma inventividade incomum. Assim nos chega WXYZ, seu sétimo livro,
trazendo uma intimidade toda especial com a palavra do homem comum
de todos os dias, pelo homem que anda de trem, ônibus, carro ou a
pé, desfolhando cada verso e nos oferecendo um leque de caminhos
abertamente para a indagação poética de nós mesmos e do mundo, que
identifica e entrelaça o significado das palavras rimantes,
ajustando-se desse modo à intuição expressa dos versos em que
ocorre.
Sabedor do que ela (sintaxe) lhe pode em
expressividade, o poeta de Negro Azul (1992), explora fundo o
potencial semântico da rima e lhe extrai raríssimos efeitos. Não no
sentido de redescobrir a simples textura material das coisas, e sim
novo sentido para as coisas (fala & gestos), descobrir novos
horizontes de expressão humana. Claudius Portugal, não nega sua
admiração por Pound, Cummings, Maiakóvski, Khlébnikov, Oswald, Auden,
Augusto e Haroldo de Campos, autores com os quais afina o
temperamento e todos os escritores que aliam uma consciência
política e estética avançada, renovadora. WXYZ respira a liberdade
da poesia indissolúvel. Entre ele e o poeta, difícil é saber quem
escolheu quem, porque cada poeta faz sua poesia, que penetra, que
abre e alarga o infinito da vida. Nesse caso, o presente surge na
sua integral legibilidade, atende o leitor para o diálogo de poema a
poema, e de cadeia a cadeia que se desenrola nesse espaço poético,
exteriorização plena (linguagem subterrânea), que vacila a cada
lança de dado já marcado previamente, por significações comuns. Está
correta a afirmação do poeta Antonio Risério sobre o livro: ABCD
para WXYZ.
Em 1996, o poeta baiano publica mais
dois livros Duende e Águas (Prêmio Copone de Cultura e Arte),
coleção Casa de Palavra/série poesia da Fundação Casa de Jorge
Amado, onde reúne todo sua produção poética. Claudius , publicou
ainda os livros Outras Cores (1994), álbum onde reuniu 27 textos
sobre artistas da Bahia reportagens plásticas, e poster os quais
foram publicados anteriormente na revista Exu, Cara Amigo Sarah H
(1995) e Não vamos falar nisso agora (1996), ambos textos para
teatro.
REBELDE SEM CASA
Vidas amargas
Pela cidade
Rebelde sem casa
Faz a revolução
E o poder esmaga a felicidade
Se esquece da falta
De grana e de pão
Eu não acredito em nada
Que eles dizem (falam)
Eu só acredito é na minha emoção
(no meu coração)
Baby, a juventude ilumina
Um rosto pregado nos vidros
E uma solidão sem tribos
(Letra: Claudius Portugal. Música:
Carlos Pitta)
(*Jornalista e professor universitário)
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