ANTONIO RISÉRIO,
POETA E ANTROPÓLOGO
(Gilfrancisco*)
Eu vivo numa sociedade em que o saber
é uma mercadoria. Tenho que resgatar a prazo, numa faculdade, o
diploma, e depois revendê-lo no mercado.
(Antonio Risério – 1979)
Nos tristes e repressivos anos 70 a
poesia rompeu o compromisso com: a realidade, o intelectualismo e o
hermetismo modernista, partindo para ser marginal, diluidora,
anticultural, pós-moderna. Sem constituir um movimento unificado,
poetas jovens se declararam marginais e surgiram de norte a sul do
país, espalhando que a poesia perdera a pompa e a solenidade e
decretando o fim da modernidade.
Essa poesia ganhou a qualificação de
marginal porque se desenvolveu à sombra do terrível Ato
Institucional nº5 (AI-5) anunciador de um tempo nebuloso, que
abalaria nossa história política e cultural. A poesia marginal,
adotou a alegria e o humor como armas da guerrilha lírica que
promoviam, tentando mostrar caminhos diferentes para a crise que,
além de imobilizar, calava a sociedade brasileira.
Explorando todas as possibilidades do
papel – folhetos, jornais, revistas, manuscritos -, a poesia chegou
aos muros através de pichações, foi às praças, aliou-se à música e
organizou exposições. A poesia mutante dos anos 70 é inquieta, por
isso não se filia a nenhuma estética literária particular, embora se
possa encontrar nela traços de algumas vanguardas que a precederam,
tais como o concretismo dos anos 50/60 ou o poema-processo.
Acompanhei os escritos de Antonio
Risério na década de 70. publicados na imprensa local e em
periódicos alternativos de circulação nacional como Versus (SP), que
mantinha a proposta latino americanista e popular, José (Rio),
revista de literatura, crítica & arte dirigida por Gastão de
Holanda, Suplemento Literário de Minas Gerais, Contexto (RN),
suplemento cultural do jornal A República. Mas os primeiros versos
musicados do poeta, que ouvi, estão no LP da Copacabana (1979) “Quem
fica é quem traz o sol”, do baiano Jorge Alfredo, onde encontramos
três poemas de Risério (Doideira, Assim Preto-Brasa Branca e
Parecendo Piqui) e no LP Descendo a Ladeira, do mesmo ano, duas
parcerias com Moraes Moreira: Assim pintou Moçambique e Eu sou o
carnaval.
Estive sempre nas emoções profundas de
suas palavras. Curti como um cidadão comum a incomum Banda do
Companheiro Mágico, onde estão reunidos alguns poemas e letras de
músicas. A obra de Antonio Risério caracteriza-se por sua ruptura,
pela reinvenção, subversão da linguagem e redescoberta do cotidiano.
Seu universo é o homem, abrindo o peito e a alma em cada
encruzilhada da velha cidade, alumbrando e alumbrado ele vai
seguindo seu rumo, profetizando humanidades, lançando a sorte e
flechando a morte.
Sempre com um cigarro entre dentes e
dedos, sorriso estampado no rosto, o que deixa ainda mais à vontade
para qualquer bate papo sobre literatura, música ou antropologia,
Antonio Risério vive surpreendendo expectativas. Tem uma carreira
marcada pela pluralidade, multiplicidade, pelos encontros que
conseguiu provocar e que fazem dele um autêntico produtor da
miscigenação cultural brasileira. Apesar de sua obra ter alcançado o
limite da palavra, aquele limite depois do qual tudo o que se disser
permanecerá inútil e sem sentido, tudo que ele faz tem uma
intensidade poética muito grande e também qualidade. Risério
pertence a uma linha de poetas que alcançaram grande fluidez entre a
poesia escrita e a poesia cantada, avançando por esse campo aberto,
veredas roseanas por onde circularão depois os malditos solitários
dos anos 70.
Risério é um nome já bastante conhecido,
sobretudo entre os poetas da vanguarda concretista e por suas
polêmicas travadas, como a que manteve com o poeta praxista Mário
Chamie, ou a que ocorreu em 1979 ao rejeitar a visão de Alfredo Bosi
na História Concisa da Literatura Brasileira, ao afirmar ser um
livro que muitos leram, todos louvaram e ninguém discute e
recentemente trava uma polêmica com o juiz João Batista de Castro
Junior, sendo acusado de injúria. A polêmica iniciada em setembro de
2004, quando o juiz federal proferiu sentença determinando que o
Palácio Thomé de Souza, sede da Prefeitura Municipal de Salvador,
fosse retirado (ou demolido) da Praça Municipal em seis meses,
alegando que o prédio fere o conjunto arquitetônico, paisagístico e
urbanístico do centro histórico da cidade. O antropólogo Antonio
Risério foi uma das vozes que se posicionaram contra a decisão do
magistrado. No auge da polêmica em entrevista, Risério classificou
de “cretina e ignorante” a sentença de Castro Junior, alegando que o
juiz abandonou a seara das leis para adentrar na da cultura.
Natural de Salvador (BA), 21 de novembro
de 1953, poeta e antropólogo, fez política estudantil no final dos
anos 60, mergulhando na viagem (undragrad) da contracultura, editou
várias revistas de poesia experimental na década de 70: Código,
Muda, Bahia Invenção. Em dezembro de 1989 Risério criou o suplemento
quinzenal do Jornal da Bahia, Fetiche, editando nove números. Tendo
colaborado na grande e pequena imprensa brasileira, teve suas
parcerias poético-musicais gravadas por diversos cantores da música
popular brasileira. Foi um dos integrantes da equipe que coordenou a
implantação da televisão educativa na Bahia, e um dos criadores e
diretor da Fundação Gregório de Mattos. Como diretor do Cerne-Centro
de Referência Negromestiça, onde editor a revista Padê. Risério foi
também um dos idealizadores da Fundaçãondazul e integrante da equipe
que implantou o hospital SARAH-Salvador. Recentemente fez parte da
equipe do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, desligando-se com a
saída de Roberto Pinho.
Alguns livros publicados – Carnaval
Ijexá (notas sobre os blocos e afoxés do novo carnaval afro-baiano,
1981), mostra seu grande interesse pelo fenômeno humano e social,
examinando a reafricanização da juventude da Bahia, mostrando
influências que sobre ela exerceram os movimentos black dos Estados
Unidos. No livro, Risério analisa a própria dinâmica interna da vida
baiana e relembra que alguns clubes carnavalescos da elite baiana
não aceitando negros em seu meio, precipitou a reação africanizante.
Carnaval Ijexá fala também dos afoxés e maracatus apresentando uma
mini-antologia da nova poesia afrodescentente baiana, com textos de
Paulinho Camafeu, Moa do Catendé, Charles Negrita, Chico
Evangelista, Lazinho Boquinha e outros. O poético e o político
(1988), com Gilberto Gil, é a reunião de textos inéditos e algumas
entrevistas, poesias de Gil e Risério. Sem dúvida um grande encontro
dos dois parceiros.
Cores Vivas (1989) integra a coleção
Casa de Palavras, da Fundação Casa de Jorge Amado. É um livro que
reúne quatro estudos escritos em épocas diferentes e sobre temas
variados – Blake, grupo Noigandres, o conceito de América Latina e
um ensaio sobre Caymmi. Avant Garde na Bahia (1996) é um livro que
retrata o reitorado de Edgar Santos na Universidade Federal da
Bahia, em Salvador, época em que começa a acessar o que havia de
mais moderno no mundo, iniciando um processo de atualização
histórico-cultural, que marcaria profundamente o seu destino. O
livro mostra um momento de transformação vivido pela cultura baiana
entre os anos de 1956-1961, pela vinda de um grupo de intelectuais e
artistas que defendia propostas ousadas e experimentos inéditos na
arte brasileira: o português Agostinho Silva para o centro de
Estudos Afro-Orientais (CEAO), de Eros Martim Gonçalves para a
Escola de Teatro, de Koellreuter, Smetak e Enert Wildmer para o
Seminário de Música, e de Yanka Rudzka e Rolf Gelewsky, para a
Escola de Dança.
Fetiche (1996), Prêmio Copene de Cultura
e Arte é, na verdade, segundo o próprio Risério, seu primeiro livro
de poemas, apesar de ter publicado anteriormente numa pequena
tiragem feita por seu pai do livreto A Banda do Companheiro Mágico,
que contou com a participação do poeta gráfico André LuyzSã-tos,
morto tragicamente num acidente de moto, aos vinte e dois anos. Mais
conhecido por seus escritos críticos e teóricos (estéticos,
políticos e antropológicos), o antropólogo e poeta Antonio Risério
nos brinda com Fetiche, pondo à mostra o seu arsenal de criatividade
gráfica e poética. A coletânea surpreende por suas várias tendências
e sua leitura será, por certo, uma grande aventura, com seus
grafismos, desenhos e ilustrações que se misturam aos versos,
associados e interdependentes, mas que só funcionam em conjunto.
Ensaio sobre o texto poético, em contexto digital (1998), é um livro
que trata das relações entre criação textual e ambiente tecnológico,
para examinar, de modo ao mesmo tempo claro e erudito, a questão da
poesia na cultura informática.
Uma História da Cidade da Bahia é o
panorama conciso de cinco séculos de vida e de um lugar, da formação
de um povo, do progresso construtivo de uma sociedade diversa.
Escrito para todos aqueles que têm interesse em saber mais sobre o
passado que se fez presente em Salvador, na Bahia de Todos os
Santos. Para Risério o que há para ler neste livro não é a história
de Salvador, mas uma, entre tantas outras existentes. Brasibraseiro,
em parceria com o pernambucano Frederico Barbosa, apesar de ser um
livro de poesia, vamos encontrar um texto que discute interpretações
e saídas para o Brasil. Os poemas se articulam em constante diálogo,
seja sobre a questão amorosa, seja nas recriações de textos
importantes para a compreensão do país, como a literatura
informativa quinhentista.
Adorável Comunista narra a trajetória
política do baiano Fernando Sant’Anna, discute seus conflitos
religiosos e ideológicos e revela confidências de um homem de
personalidade marcante. Além de apresentar os principais movimentos
políticos do Brasil nos últimos cem anos, destacando a intensa
atuação do Partido Comunista (partidão), e finalmente, Anos 70:
Trajetória, com mais de uma dezena de colaboradores. O livro é o
resultado das discussões do Ciclo de Palestras que integrou o evento
Multidisciplinares Anos 70, promovido e apresentado pelo Instituto
Itaú Cultural. A coletânea reuniu 18 personalidades que viveram
intensamente os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. Os
anos 70 têm um amplo acervo histórico, estético, ideológico, ainda
não completamente explorado.
Antonio Risério publicou ainda os livros
Gilberto Gil-Expresso 2222 (org.), Caymmi - uma utopia de lugar
(1993), Textos e Tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos
brasileiros (1993), Oriki Oriká (1996) e A Via Vico e outros
escritos (2000).
MAIS ADIANTE
Deve haver
Uma menina alegre agora
No Amapá
Alguém que se deita na
praia
Na ilha de Maracá
Deve ser
Uma moça sonhadora
Que pensa em se mudar
Pra Belém do Pará
Deve haver algum velho
cansado
Num quarto
De um pequeno hotel
De Macapá
Olho de boi Oiampi
Ano que foi
E o que virá
Olho de boi Oiampi
Ano que foi
E o que virá
(Letra: Antonio
Risério. Música: Jorge Alfredo. Intérprete: Diana Pequeno)
(*Jornalista e professor universitário)
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