JAMES JOYCE: UM VIAJANTE
CIRCULAR OU BABÉLICA EXPLOSÃO
(Gilfrancisco*)
Para Guido Guerra
Todo ano, os adeptos de James Joyce do
mundo inteiro celebram a 16 de junho o Bloomsday, o dia de 1904 de
Leopold Bloom, personagem central do romance Ulysses - 1922 (há 70
anos, portanto, marco revolucionário da novelística moderna, cujo
facho ainda continua a arder). Obviamente um trocadilho joyceano de
Doomsday, dies irae, mas com a conotação também joyceana de que, em
oposição quase à palavra base - neste caso bloom -, significa “vida
e crescimento”. A última palavra em Ulisses é, por sinal, o
significativo sim da personagem Mollie Bloom, pronunciando como
parece, mostrando otimismo e conduta positiva do livro e apontando o
caminho a ser seguido adiante com o Finnegans Wake: antes, a
revolução narrativa; agora, a explosão da linguagem; mas um brado de
vida.
A obra do irlandês James A . Joyce
(1882-1941), principalmente o seu controvertido romance Ulysses,
marca a era literária moderna e se constitui num bloco tão
importante quanto à obra de Shakespeare para o Renascimento, a de
Dante para a Idade Média e a de Homero para a Antigüidade. Sua
publicação no continente mostrou ser somente o começo das
complicações no Reino Unido e nos EUA. Alguns exemplares de Ulysses
foram expeditos para a América e Grã-Bretanha, e como resultado
foram todos apreendidos e queimados pelas autoridades alfandegárias
de Nova York e Folkestone.
Pertencente a uma elite muito restrita,
no sentido de que só publicou obras-primas, James Joyce foi o
primeiro a utilizar psicoanálise, desenvolvendo a técnica do
monólogo interior, para chegar a profundidades, antes insondáveis da
alma humana. No entanto, devido a aparente complexidade de sua
obra, não e um personagem muito conhecida do grande público, apesar
das enormes tiragens que seus livros alcançam em vários idiomas.
Esse individualista radical que, com Ulysses fez a súmula de todas
as vanguardas, e com Finnegans Wake esperou a todos pelo
radicalismo da linguagem e da estrutura narrativa, possui uma obra
“circular”, estilo caracterizado por neologismo e polissemia, com
ilustrações e ampliações, verdadeiros labirintos lingüísticos, base
de toda sua estética.
Esse inventor, num aceno metalingüístico
de uma série de palavras-montagem, demolidora, explode sob seu modo
de ver o mundo que desmorona. Sua obra completa se compõe ao todo
de seis volumes e alguns fragmentos; uma obra que pela amplitude de
suas perspectivas, sua variedade, pela perfeição de sua escritura e
seu paradoxal classicismo (uma linguagem propriamente inédita),
desperta para os críticos, um prazer textual cicatrizador que quanto
mais difícil à viagem, quanto mais numerosos e árduos os obstáculos,
mais se transforma o adepto que no curso dessa iniciação itinerante
adquire um novo eu.
Sabendo que seus primeiros trabalhos
literários foram peças de teatro e poemas, mas logo iria sentir que
a prosa era seu território. Durante seus dias na universidade,
James Joyce escreveu muitos poemas, ilustrando estados de espírito
de alegria e tristeza, ele reuniu em livros manuscritos, chamados
Ânimus, e Luz e Escuridão, vejamos alguns desses poemas que
ainda sobrevivem:
Por este seu amor
Tudo que tinha, dei;
Pois ele passou bem,
E eu louco passei.
Toda carne, afirmam
Como relva secará;
O calor no fogão
Aí, se consumirá.
Época em que começa a escrever breves
esboços em prosa - diálogos monólogos interiores, relatos de sonhos
e imagens da vida do espírito - que ele chamou de “Epifanias”. Em
1902 ele leu algumas dessas epifanias para o poeta Yeats, que as
chamou de “uma bela, apesar de imatura e excêntrica, harmonia de
pequenas descrições em prosa e meditações”. Joyce contou a Yeats
que ele havia “se desvencilhado da forma métrica . . . a fim de que
pudesse chegar a uma forma tão fluente que respondesse aos
movimentos do espírito”, uma idéia que ele viria a repetir em
Retrato do Artistica Quando Jovem, no qual pela primeira vez, usou
epifanias numa obra mais longa.
Época em que começa a escrever breves
esboços em prosa - diálogos monólogos interiores, relatos de sonhos
e imagens da vida do espírito - que ele chamou de “Epifanias”. Em
1902 ele deu algumas dessas epifanias para o poeta Yetas, que as
chamou de “uma bela, apesar de imatura e excêntrica, harmonia de
pequenas descrições em prosa e meditações”. Joyce contou a Yeats que
ele havia “se desvencilhado da forma métrica... a fim de que pudesse
chegar a uma forma tão fluente que respondesse aos movimentos do
espírito”, uma idéia que ele viria a repetir em Retrato do Artista
Quando Jovem, no qual pela primeira vez, usou epifanias numa obra
mais longa.
Estimulado pela aceitação de cinco de
seus poemas, pelo Speaker, Dana e The Venture, ele começa a chamar a
coleção desses poemas de Música de Câmara, por sugestões de
Stanislaus. Embora muitos dele serem ligeiramente líricos, no modo
jacobino que ele admirava, feitos para serem cantados por um amante.
Após várias investidas, finalmente Joyce recebeu as provas em
fevereiro de 1907, mas o livro não lhe agradava. Escritos ainda na
juventude entre os dezesseis e vinte poucos anos, fora editado em
Londre por Elkin Mathews, trazem um modelo lírico Elizabetano, que
lembra William Blake (1757-1827) e Charles Baudelaire (1821-1867),
cuja memória dos poemas é pura versificação de forma exaustiva ou
repassada de sentimentalismo, pois a preocupação por uma forma
tradicional é evidente. Explorando em alguns poemas num certo
sentido a “voz da natureza”, destacando as rimas, a cadência e um
sentimentalismo bem fin de siècle. Alguns poemas o amor parece tão
artificial quanto a linguagem e as emoções são insíopidas, bem como
o tom é assombroso pelas sugestões que faz. Portanto não há muito
para ser dito em favor das coletâneas Música de Câmara, como poesia,
e quando publicada recebeu uma única resenha em Dublin.
Em 1927 James Joyce publica o segundo
volume de poesias, Pomes Penyeach (1) pela Shakeaspeare and
Company, editora que havia publicado em 1922 o seu livro mais
polêmico, Ulysses, era composto de uma dúzia de poemas:
Ele viaja guiando-se pelo sol
invernal,
Tocando o gado por uma estrada fria e
vermelha,
Aboiando para eles, uma voz que
conhecem,
Guia seus animais pelas colinas de
Cabra.
A voz lhe diz que em casa há calor.
Eles mugem e fazem rude música com os
cascos.
Ele os guia empunhando um galho
florido,
Vapor emplumando-lhes as frontes
Campônio, elo de rebanho,
Esta noite, estica-se junto ao fogo!
Eu sangro a beira do negro regato
Pelo meu ramo arrancado.
Nesse livro, Joyce consegue se libertar
um pouco das amarras das formas tradicionais, encontra-se mais livre
e os críticos vêm a sua própria influência, a do inventivo prosador
de Ulisses. Nove anos depois, publica os dois livros: Poemas
Reunidos, em Nova York, acrescentando Ecce Puer (Eis o Menino),
escrito de 1932, por motivo do nascimento de seu neto Stephen e da
morte do pai:
Do passado sombrio
Um menino é nascido;
Como dor e alegria
Meu coração está partido.
Calmo no berço
O vidente está deitado.
Que lhe abrem os olhos
O amor e a piedade.
Vida jovem o espelho
Embaça;
O mundo que não foi
Assim passa.
Uma criança dorme:
Está morto um velho,
Ó, pai abandonado,
Perdoa teu filho!
A esta edição, preparada por Harry Levin,
foram incluídos ainda dois trabalhos, The Holy Office, de 1904 e as
From a Burner (Bico de Gás) de 1912, poemas satíricos que circularam
na época apenas entre “amigos e inimigos”. Este poema no qual
retratou George Roberts, ex-caxeiro viajante de calcinhas femininas,
defendendo sua coragem como editor, o qual fora impresso em Triste e
distribuído como um tiro de despedida numa Dublin que ele nunca mais
voltaria a visitar, exceto em seus livros:
Publiquei folclore do Norte e do Sul,
De Gregory, o Boca de Ouro:
Publiquei poetas, tristes tolos e
solenes:
Publiquei Patrick Como-se-clama:
Publiquei o grande Jonh Millicent
Synge
Que paira nas alturas com asas de
anjos
Nos trajes de playboy que ele
surrupiou
Da mala grande da Maunsel.
Merdas e cebolas! Acham que vou
publicar
O nome do Monumento a Wellington,
Sydney Parade e o bonde Sandymount,
A confeitaria Downes e a geléia
William’s?
Edmundo Wilson observa que alguns
leitores lamentaram o desaparecimento de Joyce da primeira fase, “o
encantador poeta lírico de dois pequenos livros de poesia e o autor
de prosa “fin de siècle” do Retrato do Artista Quando Jovem (tanto a
prosa quanto os versos do antigo Joyce mostravam influência de Yeats).
Esse poeta ainda está presente em Ulysses.”(2) Talvez essa
visão joyceana, tenha encontrado uma outra linguagem, mas uma
linguagem que, em vez de diluir ou violentar-lhe o gênio poético,
capacita-o a assimilar mais elementos, a reajustar-se de modo mais
completo e satisfatório dentro do mundo moderno, visto que a poesia
não é privativa nem do verso, nem do poeta. Todavia, chegado a esse
ponto, o tenha deixado de escrever versos.
Quando publicou a coletânea de poemas
Música de Câmara, Joyce não encontrou nenhuma resistência, mas
Dublinenses precisou aguardar oito anos, enquanto advogados
esquivos, editores irresolutos e tipógrafos censórios discutiam,
antes que seu “espelho bem lapidado” pudesse ser apresentado ao
público. Conforme confessa o próprio Joyce numa carta dirigida em
1932, ao editor americano de Ulysses, começa a surgir os primeiros
aborrecimentos quando tenta publicar Dublinenses:
“O senhor deve estar a par das
dificuldades que encontrei para publicar tudo o que escrevi, desde o
primeiro volume de prosa que tentei publicar: Dublinenses. Tanto os
editores como os tipógrafos pareciam ter chegado a um acordo,
quaisquer que fossem as divergências de seus pontos de vista em
outras matérias, de não publicar nada meu tal como eu tinha escrito.
Nada menos do que vinte e dois editores e tipógrafos leram o
manuscrito de Dublinenses, e quando afinal ele foi impresso, uma
pessoa bastante intencionada comprou a edição inteirar e a queimou
em Dublin, num novo e particular auto-de-fé.”
Retrato do Artista Quando Jovem e
Ulysses só chegaram à forma final após atravessarem o lacerante
campo de obstáculos da realização, das tentativas de expurgo e da
incompreensão.
Os contos do volume Dublinenses, 3
(Londres-1914), são de uma narrativa impiedosa: retrato cruel da
realidade, de uma Dublin diferente da Dublin fantástica de William
Butler Yeats (1865-1939) e o dramaturgo Sean O’ Casey (1884-1964).
Se Joyce não podia aceitar a realidade da Irlanda, então devia
rejeitá-la com violência; e isso aconteceu no romance Retrato do
Artista Quando Jovem, escrito num único dia sua primeira versão, é
narrado com sutil arte simbolista,, mas com tanta radicalidade
contra os jesuítas e o catolicismo irlandês, que só podia ser
publicado depois de Joyce ter saído do país. 4 Excluído para sempre
da realidade dentro da qual nascera, ele não encontrou outro, mesmo
mantendo relações pessoais com a vanguarda de Paris, ficou o
escritor mais solitário da Europa contemporânea, viajando anos e
anos de meditação, constituiu a sua realidade pessoal.
Concluindo em Triste, entre os anos de
1904/05, como o nome indica (Dubliners) é Dublin e seus habitantes,
uma espécie de obsessão de Joyce de agora em diante, mostrando a
cidade, o seu povo, e faz crítica feroz e amarga de seus costumes.
Desta forma toda sua obra passaria quer simbolicamente ou não, a
girar em torno de Dublin e dos dublinenses, mesmo longe dela, podia
senti-la para apalpá-la. E talvez por isso mesmo a tenha retratado
com tanta insistência. Em Dublinenses, o escritor irlandês revela-se
um propósito autobiográfico, pelo menos as melhores lembranças da
sua infância e adolescência como em um Encontro e Arábia. A
compreensão humana e as críticas apontando as chagas da sociedade,
talvez sejam o ponto mais alto deste livro, embora possam ser
confundidos nestes primeiros trabalhos em prosa; em que Joyce
transborda um certo sentimento com um profundo clima poético, o que
também viria a ser acentuado nos livros posteriores.
Os conflitos são visíveis em quase todos
os contos desse volume à luta entre uma vida doméstica, pacata sem
grandes anseios, e sua visão de mundo vista de uma órbita, cheia de
mistérios e tentações. Mas é impiedoso partir porque a cidade não
entende seus filhos, seus personagens. O espírito religioso e moral,
um certo tradicionalismo cultural, ainda está praticamente intacto
neste primeiro livro de prosa de James Joyce. Prepara-se para os
grandes vôos da subversão dos valores tradicionais, morais ou
literários. Dublinenses, livro sem dúvida maduro, narrativa segura,
diálogos bem feitos e espontâneos, criação de personagens com
grande vigor e humanidade.
O texto de Retrato do Artista Quando
Jovem, 5 publicado em Nova York no ano de 1916 - a tradução francesa
logo aparecia e teve efeito de uma bomba; inúmeras controvérsias se
travaram em torno dele, pois as glórias em meio a um grande
escândalo, firam consideradas como pornográfico e proibido em todos
os países de língua inglesa - contém todas as sementes de sua obra
madura: o herói individualista Estevão Dedalos é o alter ego de
Joyce e irá se desdobrar no judeu errante Leopold Bloom,
protagonista de Ulysses. O livro conta à história de um jovem
irlandês educado pelos jesuítas, inteligente, até mesmo brilhante.
Seus mestres tentam fazer dele um padre, desejosos de vê-lo
ingressar em suas fileiras e de utilizar esse espírito de escola
para a obra comum que os ocupa. Também considerado um livro
autobiográfico é um romance onde as ações são delineadas, os temas
desenvolvidos e os diálogos compostos drasticamente. Desenvolvida a
partir do esboço de Estevão Herói, a primeira versão do retrato,
publicada após a morte de Joyce, em Londres em 1944; onde suas
limitações se revelam mais ruidosamente: domínio incerto dos valores
pelos quais ou outros são criticados, imprecisão acerca da “vida”,
tendência a simplificar excessivamente a realidade no processo em
que ela é exposta.
Com uma visão muito mais profunda da que
tivera na época da confecção deste trabalho, nesse romance Joyce
procura localizar no mundo a vida de um jovem sensível, seus
contatos na escola com os adultos e com as injustiças. Ele começa a
discutir com o mundo e a ter a sua visão própria da vida, da
existência e da arte (construindo o único mundo de seu compromisso,
que termina por ter única responsabilidade na obra); com a moral do
mundo cheia de subterfúgios, faz com que o adolescente se recolha a
seu mundo imaginativo, e é desse mundo que ele tirará a sua defesa,
a sua revolta e a sua crítica, é ainda o seu meio de existir, ideal
e material.
O catolicismo irlandês é despido por
Joyce de uma forma impiedosa, ao invés de aterrar seus pecadores,
surge como um desafio à natureza humana, não se deixa levar nem pela
ordem social nem pela ordem religiosa. E deste modo dando início a
sua indiferença pelo mundo, acreditando somente na arte como
salvadora da sordidez do mundo. Podendo gora, discernir o burlesco
da sociedade dublinense a sua meta interior, pois não mais compactua
com o meio em virtude dos anseios de novos horizontes que não cabem
na estreita perspectiva da vida provinciana. O Retrato termina com
um pequeno diário do jovem Estevão, onde ele registra, ao final a
sua resolução de partir. Explorando suas idéias sobre suas
preocupações básicas: a filosofia, a teologia e a estética, ou seja
o autor através do domínio das palavras é o mediador entre o mundo
das idéias e o mundo da realidade. Na verdade, todos os livros de
Joyce seriam marcados por esta dualidade: o real e o simbólico, o
declínio e ressurreição respectivamente.
Assim como os contos de Dublinenses,
onde os personagens nunca conseguem se libertar de meio, da
influência poderosa da província; não encarnavam quase nada, a não
ser noções morais (Eveline ou a impotência, Chandler ou a inveja, Mr.
Duffy ou o egoísmo), enquanto que o Retrato do Artista Quando Jovem,
representa a libertação, os personagens assumirão além de do próprio
papel, o de figuras que se lhes assemelham pelo passado, o herói
rompe com sua juventude, violentamente e esta deixa nele uma chaga,
um imenso vazio. O Retrato, é na realidade uma passagem do mundo de
os Dublinenses para o de Ulysses. O simbolismo de Joyce coloca-o
perto de Marcel Proust (1871-1922), que surge naqueles mesmos anos
de 1920, a ponto de confundirem as repercussões, constituindo “Joyce
e Proust” um binômio indissolúvel, embora tudo - as diferenças de
origem burguesa e origem semiproletária, formação agnóstica e
formação católica, idéias esteticistas e idéias naturalistas,
cosmopolitismo parisiense e regionalismo irlandês - embora tudo isso
convide a distinguir nitidamente entre o simbolismo de Proust e a
síntese simbolista-naturalista de Joyce.
IV. Deve-se notar que Joyce, tão
inovador nos contos e no primeiro romance, escreve Exílios na
tradição realista-naturalista do teatro do século XIX. É bem verdade
que, como Ibsen, aparecem alguns elementos simbólicos na peça, como
a pedra que Robert acaricia por sua beleza, a porta aberta, muitas
vezes mencionadas, rosas exuberantes demais, e a chuva. Apesar do
uso de alguns símbolos, a ilusão de realidade é procurada nas
descrições minuciosas do cenário e das personagens: o vestido,
cor-de-lavanda de Bertha, os móveis, cortinas, tapetes, quadros,
flores, a chave escondida no vaso, os diferentes ruídos, a
iluminação. Joyce cuidadosamente cria uma atmosfera “real” para a
confissão de suas personagens.
Exílios , a única peça de teatro escrita
por ele, não pode ser descartada do conjunto de sua obra, porque tem
um papel muito importante na exploração de um dos temas que mais
preocuparam o autor: a relação homem-mulher. Exílios, é o resultado
da admiração e reverência que Joyce nutria por Ibsen, reveladas em
seus artigos e cartas. Joyce começou a fazer declarações acerca de
seu caráter e de seus objetivos literários bem cedo na vida; pouco
depois de seu 19º aniversário, quando cometia a proeza de publicar
uma crítica de uma peça teatral 6 de Henrik Ibsen (1828-1906), que
mereceu um comentário elogioso, por escrito, do dramaturgo
norueguês;
“Entoei seu nome sobranceiramente pela
faculdade, onde era ou desconhecido ou conhecido parca e
obscuramente: Reivindiquei para o senhor o seu legítimo lugar na
história do teatro. Mostrei qual, a meu ver, era a sua mais sublime
excelência - seu altivo poder impessoal (...) Suas lutas
inspiraram-me não as óbvias lutas materiais, mas aquelas
empreendidas e vencidas no interior de sua fronte; como sua
obstinada resolução de arrancar o segredo da vida encheu-me de
coragem e como, em sua absoluta indiferença aos cânones públicos da
arte, aos amigos e às palavras de ordem, o senhor caminhou à luz de
seu heroísmo interior.”
Não foram poucos os paralelos
estabelecidos entre ela e a produção do escritor norueguês,
principalmente com a peça When We Dead Awaken, na qual um escultor
coloca toda a sua paixão por uma mulher em uma estátua que busca
representá-la; durante o processo de criação o amor é destruído.
Nessa mesma época na Irlanda, um teatro diferente estava sendo
produzido por Yeats, Lady Gregory, Edward Martiyn e J.M. Synge, com
uma nova concepção de arte e da representação da realidade.
O teatro sempre foi uma das paixões de
Joyce e como já vimos, suas primeiras manifestações literárias
penderem, quer através de ensaios e pequenas peças, para este
gênero. Exílios, peça mais amadurecida e que pode sofrer confrontos
com seus outros livros, embora os grupos de teatro a achem “difícil”
para a compreensão de um espectador comum. Escrita por volta de
1914, logo após o Retrato do Artista quando Jovem, a peça só seria
publicada em Londres, quatro anos depois e assim mesmo com algumas
dificuldades, pois as repercussões foram poucas - havia também uma
certa repetição do tema de o retrato, era uma obra confusa como
linguagem teatral, para quem não está familiarizada com sua obra, a
leitura dessa peça é sem dúvida penosa e obscura. O cenário é mais
uma vez Dublin, e a ação se passa em 1912, época em ele deixa
definitivamente a Irlanda e escreve praticamente todos os seus
livros no exílio.
Richard, o personagem central tem o
mesmo dilema do nosso já conhecido Estevão Dedalos., conforma-se com
os convencionalismos da província, se adapta num emprego medíocre,
ou rompe com tudo para se dedicar à sua arte: os problemas
domésticos, a rejeição religiosa, os conflitos familiares são
praticamente os mesmos de o Retrato. Exílios, que também pode ser
traduzida por Os Exilados, é uma peça em três atos, quatro
personagens e três secundários: o escritor Richard Rowan, sua
mulher Bertha, seu amigo Robert Handx, um jornalista, Beatrice
Justice, professora de música. A principal crítica a Exílios é a
ênfase exagerada nos problemas de Richard, que rouba o espaço das
outras personagens. “Outra crítica refere-se ao fim da peça com a
dúvida, sem a catarse. A única esperança parece estar no amor e
ternura por Archie, demonstrando em cenas importantes tanto pela mãe
quanto pelo pai.” 7 Devido a tudo isso, é claro que a peça não
teve carreira teatral, nem hoje pode ser apontada como peça para
repertório. “É uma obra que, vista sob a perspectiva dos outros
livros do autor, serve para estudiosos, para o crítico, e para o
leitor mais atento, percorre com maior segurança o caminho literário
algo difícil de Joyce.” 8
Crítico de grande erudição, o americano
Edmund Wilson em uma de suas conferências realizadas sobre Joyce em
1931, diz: “Creio ser Ulysses o romance mais completamente
“escrito” desde Flaubert. O exemplo do grande poeta da prosa
naturalista influenciou profundamente Joyce - na sua atitude perante
o mundo burguês moderno e no contraste, implícito no paralelo
homérico, entre o nosso mundo e o mundo antigo, bem como no ideal de
rigorosa objetividade e de adaptação do estilo ao assunto - assim
como a influência daquele outro grande poeta naturalista, Ibsen, se
mostra óbvia na única peça de Joyce, Exílios.” 9 Nas várias saídas
que empreendeu à procura de novas técnicas narrativas, Joyce, o
abridor e sugestionador de tantos caminhos, chegaria a uma espécie
de impasse na sua obstinada procura de “reinventar o código
lingüístico. É verdade que só após a publicação de Ulysses, em
1922, a crítica passou a se interessar por James Joyce de maneira
mais objetiva, embora Dublinenses e o Retrato do Artista quando
Jovem, tenha atraído a cólera dos habitantes de Dublin. Da mesma
forma concebida como um conto para Dublinenses e iria chamar-se “Mr.
Bloom’s Day in Dubin”, mas tal idéia se combinou, posteriormente,
com a história ulterior de Estevão Dedalos, herói do autobiográfico
Retrato. Ulysses, porém, na sua forma definitiva - um volume de
cerca de setecentas grandes páginas - assumiu características
inteiramente diversas das obras anteriores, e sua “chave está no
título, está no enredo de Ulysses à luz de seu paralelo homérico. O
modo com que manuseou todo esse material, seu método de dar forma ao
livro, não encontra nenhum paralelo na ficção moderna”.
O livro é repleto de brincadeiras, de
manipulações pueris, de gritos e em cada página há algo capaz de nos
fazer rir. Os últimos capítulos de Ulysses e todo o Finnegans
Wake são extraordinariamente engraçados. Este clímax da
literatura de tão iletrada aparência, este tartamelear loquaz de
vozes, revela-nos o segredo de Joyce. Seu paradoxo de simplicidade
e complexidade provém do pai sobre quem, por ocasião de sua morte,
Joyce escreve a Harriet Weaver em 1932: “Ele era o homem mais tolo
que eu jamais conhecer e, todavia, cruelmente sagaz. Centenas de
páginas e um sem-número de personagens de meus livros vieram dele.”
Ulysses, romance que deu a mais completa sustentação às idéias
modernas da forma espacial, adquirindo aquele conteúdo mínimo
atemporal que, para muitos críticos, se afigura como uma das maiores
realizações literárias modernas. O romance oferece, como uma das
perspectivas mais importantes sobre os acontecimentos do dia, uma
sensação oceânica em que a vastidão do tempo e do espaço se agiganta
sobre qualquer indivíduo humano; tal perspectiva, evidentemente,
encerra a possibilidade de infinitas ironias sobre a trivialidade
referentes às personagens. Ao escreve-lo, o escritor irlandês deu
uma das melhores definições acerca do livro; “É tão difícil para mim
escreve-lo quanto será para os leitores lê-lo.” A profecia se
cumpriu, e Ulysses é o romance mais famoso e menos lido da
literatura do século XX. Disposto a escrever a grande odisséia de
cada um de nós, nada mais natural para Joyce do que retomar por
moldura a epopéia original de Homero. Porém, ao fazê-lo reduziu o
microcosmo aos termos de um dia numa cidade: Dublin, 16 de junho de
1904. 10
Esta obra, que está na base de toda a
literatura modernista e influenciou autores tão diferentes como o
dramaturgo irlandês Samuel Beckett e os escritores americanos John
dos Passos e William Faulkner (1867-1962), explodiu a linguagem e
criou uma nova maneira de representar a realidade, feita de milhares
de fragmentos. A imensa força construtiva de Joyce é a Principal
qualidade desse escritor que os seus contemporâneos consideravam
como “espírito destrutivo; e que, em tantos anos de intensa
atividade literária escreveu tão pouco, publicando, depois das
poesias Música de Câmara, só quatro obras: obras-primas,
organizadas até o último pormenor e constituindo um monumento sem
par na literatura contemporânea.” 11 Ulysses é uma epopéia moderna,
de construção mais homogênea que todas as epopéias antigas, e o
resultado é um triunfo de forma, de equilíbrio, um esquema
fundamental com arabescos e contínuo entrelaçamento. Segundo Pound,
Joyce tomou a arte de escrever onde Gustave Flaubert (1821-1880) a
havia deixado, por isso Ulysses possui mais forma que qualquer um
dos romances. Após registrar os costumes provinciais em Madame de
Bovary e os hábitos da cidade em A Educação, Flaubert se dispôs a
completar seu registro da vida no século XIX apresentando todos os
tipos de coisas que o homem mediano da época poderia ter na cabeça;
Joyce descobriu um método mais expedito de condensação e análise.
“Os personagens de Joyce não somente
falam uma linguagem própria como também pensam sua própria
linguagem.” 12 Por exemplo, no Finnegans Wake, as palavras
sínteses têm uma carga maior de significados, a conotação é mais
rica e variada. Assim Master Digman ficou a
olhar para o cartaz: “Two puckers stripped to their pets and putting
up props.” Leopold Bloom (cidadão pacífico) é um corretor de
publicidade, meio-judeu, e como o Ulysses de Homero, “errante” em
sua vida e profissão, que vive uma vida de nostalgia, pelos quatro
cantos de Dublin é também um homem frustrado, que vaga a procura de
Sião como Ulysses procurou Itaca. O romance de Joyce segue a
própria linha da Odisséia apresentando muitas correlações mais ou
menos extras com os incidentes do poema de Homero. Por isso é
importante que o leitor faça um paralelo com a Odisséia, para poder
chegar a uma identificação mais fácil com os vários episódios de
Ulysses. É claro que Ulysses pode ser lido sem o paralelo imediato
com a Odisséia, mas sem este, o leitor desavisado acabará achando
que o “errante” do livro é desinteressante.
O fato é que Ulysses não é um livro de
entendimento ou para digestão fácil - deve ser lido pelo leitor
interessado em arte, em técnica romanesca, na pesquisa literária.
Não é fácil a exegese desse romance embora o livro seja
auto-suficiente, é tão vasto que não poderia ser de outra maneira.
Ulysses causou grande impacto em escritores seguintes pela estrutura
temática ou pelas aventuras lingüísticas, e sua leitura é sempre uma
experiência. Em alguns aspectos Ulysses é somente uma tentativa de
técnica lingüística quando comparado ao último trabalho de Joyce,
Finnegans Wake. De qualquer maneira, os conhecimentos lingüísticos
de Joyce, sua manipulação no Ulysses, de várias línguas mortas e
vivas e dialetos, deixam realmente a conclusão de que seus
conhecimentos eram vastíssimos. Ulysses continua sendo o livro que
gerou as maiores discussões no século XX.
De construção excessivamente frouxa, é
um vasto monólogo íntimo em que as evocações da memória
involuntárias, todas as fases do estado de consciência, as emoções
mais indefinidas, os pensamentos mais nebulosos e as associações
mais inesperadas encontram expressão graças à exploração de todos os
recursos da língua inglesa, mais de uma vez à custa da sintaxe e do
vocabulário aceitos. Funda sondagem psicológica, síntese de todos
os complexos da alma moderna e representações brutal dos processos
fisiológicos e da vida sexual. Ulysses é, pois, a continuação
direta do romance proustiana; encontramo-nos nele literalmente uma
enciclopédia da civilização moderna, tal como se reflete na trama
dos motivos que constituem o conteúdo de um dia na vida de uma
grande cidade. Este dia é o protagonista do livro. O abandono do
enredo é seguido pelo abandono do herói. Em vez de um fluxo de
acontecimentos, Joyce descreve um fluxo de idéias e associações, em
vez de um herói individual, uma corrente de consciencializar e um
monólogo interior ininterrupto, sem fim.
O que é posto em relevo é sempre a
ininterrupto do movimento, o “contínuo heterogêneo”, a figuração
caleidoscópica de um mundo desintegrado. Levado a espacialização do
tempo mais longe ainda do que Proust, apresentando os acontecimentos
interiores não só em seções longitudinais, mas também em seções
transversais. Por isso sua leitura pode começar a fazer-se onde se
queira, apenas com um vago conhecimento do contexto - não
necessariamente depois de uma primeira leitura, como se tem dito, e
quase em qualquer ordem que se escolha. O ambiente em que o leitor
se encontra, é, de fato, inteiramente espacial, porque o romance
não só representa o aspecto de uma grande cidade, mas também adota,
até certo ponto, a sua estrutura, a rede das suas ruas e praças, em
que as pessoas passeiam de um lado para o outro e param quando e
onde lhes apetece. Ulysses é altamente característico da
qualidade cinemática desta técnica o haver Joyce escrito o seu
romance não seguindo a seqüência final dos seus capítulos, mas como
se faz habitualmente na produção dos filmes - emancipando-se da
seqüência do enredo e trabalhando em vários capítulos ao mesmo
tempo.
Ulysses, antes de ser qualquer coisa, é
um romance, onde o autor dispõe de um instrumento espantosamente
variado, explorando agilidade uns após outros em todos os níveis de
suas personagens. Joyce amplia sua linguagem pela integração de
diálogos, gíria e pelo emprego constante de onomatopéias. O mundo
da Odisséia é o arcabouço que permitiu constituir Ulysses, onde ele
persegue sempre vários objetivos ao mesmo tempo, conduzindo várias
ações. Portanto é uma obra de arte que tem valor permanente, ou
como bem disse Ezra Pound (1885-1972) ao encerrar um dos seus textos
sobre Joyce: “Ulisses fornece assunto para um simpósio, mais do que
para uma só carta, ensaio ou resenha.”14 Porque Joyce não pode ter
sucessores, assim como Ulysses é uma obra-prima solitária,
inconfundível como o seu autor.
VI. Entre a publicação de Ulysses e
Finnegans Wake se passaram dezessete anos, durante todo esse tempo
Joyce esteve ocupado com aquela que seria a sua última obra;
publicando partes de sua (Obra em Progresso), em períodos ou sob a
forma de edições limitadas. 15 Publicado na cidade londrina em
1939, o livro é a representação de um sonho divino em linguagem
perfeitamente simbólica e, enfim incompreensível em torno de seu
processo criador, ultrapassando todas as dificuldades do Ulysses,
quer de leitura ou de interpretação. Dividido em quatro grandes
Partes, ou Livros, não titulados, mas numerados de I a IV, sendo
acrescido em 1944 pelos críticos Cambell e Robinson, de nomes a
esses Livros baseando-se para tanto na relação do ciclo
quadripartido de Joyce com as 4 idades do Corso-Ricorso de Vico. 16
Tim Finnegans é um operário, mais precisamente um pedreiro que,
embriagado cai de uma escada (simbolicamente) e é considerado morto
pelos amigos. Estes promovem logo um barulhento velório, com comida
e bebida - como manda a tradição e ao ser respingado de whisky,
Finnegans desperta de novo, ressuscita e adere às festividades do
próprio velório. 17 Segundo os autores do ensaio “Uma Chave-Mestra
para o Finnegans Wake”: “Finn tipifica todos os heróis - Thor,
Prometeu, Osiris, Cristo, Buda - em cuja vida e através de cuja
inspiração a raça humana se alimenta. E é porque Finn volta de novo
(Finn-again) em outras palavras, pela reaparição dos heróis - que a
força e a esperança são devolvidas à humanidade. Com sua morte e
ressurreição, o pedreiro Finnegans revoca humoristicamente o solene
mistério do deus-herói cuja carne e sangue abastecem a raça de
comida e bebida frutificantes para o espírito.” 18
Acredita ser o FW uma nova
invenção que vai arrastar a linguagem a uma surpreendente aventura,
que determinará toda a organização do livro. “É um estranho livro,
um misto de fábula, sinfonia e pesadelo. Um monstruoso enigma a
cerca imperiosamente dos abismos sombrios do sono.” 19 Esta obra
pode ser lida a partir de qualquer página, Joyce começa seu livro no
meio de uma frase, termina-o no meio de uma outra que pode se ligar
a primeira. A decifração dos aglomerados de caracteres e vocábulos,
nos leva a abandonar uma considerável parte de suas letras; sendo
preciso viajar no jogo das metamorfoses de palavras, se quisermos
ler uma página. FW é assim para cada um de nós, por mais
diferentes, por mais particulares, até mesmo por mais arbitrários
que sejam os primeiros contatos. É antes de tudo uma sinfonia, cuja
linguagem é tratada de ponta a ponta como uma matéria musical no
interior da qual se desenrolam temas e variações.
Para se ter uma idéia, FW nunca
foi traduzido integralmente para língua alguma, somente alguns
fragmentos para o francês, italiano (com a participação do próprio
Joyce), alemão, checo e português. 20 “Rememorei não vinte vezes,
mas talvez cem, abrindo o texto aqui ou ali, ao acaso, parando
quando algumas palavras, algumas frases, alguma história ou algum
sonho se delineava para mim, me atraía, jogando com essas palavras
jogos de uma linha a outra, de uma página a outra, nunca por muito
tempo de cada vez, já que a bruma das letras se espessava muito
depressa depois dessa abertura, voltando às mesmas páginas, às
mesmas frases, alguns dias, algumas horas mais tarde, e descobrindo
nelas novos jogos, outras imagens, outras histórias, outros
pensamentos, evasivos, ondulantes, cintilantes, como algas no
interior de um lago enrugado por correntes de ar.” 21
Tomando como base que a tradução deve
ser um equivalente que produza, tanto quanto possível, o mesmo
efeito sobre o leitor que o texto original, para tentar descobrir
sua significação, existe até um dicionário das personagens dos
livros; contentemo-nos com interpretações, com leituras individuais
que podem facilitar consideravelmente a nossa, mas nunca
substituí-la. Os ensaístas brasileiros responsáveis pelas
traduções, que iniciaram com alguns fragmentos e publicaram pela
primeira vez no SDJB em 15 de setembro e 29 de dezembro de 1957,
onde eles falam das dificuldades que travaram com o texto original:
“Traduzir James Joyce, especialmente fragmentos de Finnegans Wake, é
uma ginástica com as palavras; um trabalho de perfeccionismo.”
Aliando-se em palavras compostas, além
do emprego extensivo da aliteração, onde ela adquire um poder
germinador no interior desse conjunto, a equação das deformações que
Joyce imprime, geralmente através do trocadilho é apresentada por
uma figura humorística e sarcástica; bem como os espantosos exemplos
de paródias, também encontrados em Ulysses. FW, não é apenas
uma história da Irlanda e do mundo, ela se tornou também uma
mitologia, geografia, hagiografia, psicologia e antropologia
universal - uma plenitude de paradigmas das vidas de Everyman,
Everywoman, seus filhos, ancestrais, amigos e inimigos; suas quedas
da graça, sua jornadas pelas terras oníricas do passado e do
presente, para enfrentar batalhas, amores, provações, crucifixões,
desmembrações e ressurreições, tanto “antes como depois do
Dilúvio”. Pois o novo livro descoberto pelo valoroso pioneiro era o
livro da noite, como Ulysses fora o livro do dia. É através das
cartas, que muitos aspectos de sua controvertida obra foi possível
esclarecer, mostrando-nos que o mundo joyceano tem muitos caminhos e
muitas veredas, e estudar-lhe a obra continua a ser ainda um
desafio. Reunidas em três grandes volumes, totalizando
aproximadamente 1.400 páginas, pela primeira vez publicada em 1957,
compilada por Stuart Gilbert, pioneiro nos estudos joyceanos e seu
amigo. Sendo que os dois volumes seguintes saíram nove anos depois,
aditados por Richard Ellmann, consistindo em grande parte das cartas
que ele trouxe à luz no curso de suas pesquisas para escrever a
enorme e belíssima biografia em 1959. 22
Notas
Observe-se que o título do livro não é
Poems Penyeach (Poemas a peny cada), mas um Pomes (pomos, podendo
ser maças, ou batatas, mas mais chegados aos pomos de ouro do jardim
das Hespérides).
Edmund Wilson, James Joyce, in O Castelo
de Axel. São Paulo, Editora Cultrix, (trad. José Paulo Paes), 1967.
James Joyce, Dublinenses. Rio de
Janeiro, Editora Civilização Brasileira, (trad. Hamilton Trevisan),
1964
James Joyce,
Stephen Hero. Londres, Jonathan Cape; Norfolk, Conn. New
Directions, 1944, edição revista, 1963.
James Joyce, Retrato do Artista Quando
Jovem. Porto Alegre, Livraria Globo, (trad.José Geraldo Vieira),
1945. 2ª. Edição, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira,
1970.
James Joyce, A Nova Dramaturgia de
Ibsen. Londres, The Fortnighty Review, abril de
1900.
Murina H. Mutran, James Joyce “Exiles”:
um duelo de Palavras, in Suplemento Cultural do Estado de São Paulo,
n.º 545 - Ano VIII 19 de janeiro de 1991.
Assis Brasil, Joyce o Romance como
Forma. Rio de Janeiro, Livros do Mundo Inteiro/INL, 1971.
Edmund Wilson, Op. Cit.
Todo ano adeptos de James Joyce do mundo
inteiro celebram esta data como “Bloomsday”. Obviamente um
trocadilho joyceano de Doomsday, dies irae, mas com a conotação
joyceana de que, em oposição quase à palavra base, neste caso
“bloom” significa SIM de Molly Bloom, escrito com maiúscula e como
uma prece, mostrando o otimismo e conduta positiva do livro e,
apontando o tema de Finn gans Wake a seguir.
Otto Maria Carpeaux, Joyce, in As
Revoltas Modernistas. Rio de Janeiro, Edições de Ouro, 1968.
Ezra Pound, Ulisses, in A Arte da
Poesia. São Paulo, Editora Cultrix/Edusp, (trad. José Paulo Paes e
Heloysa de Lima Dantas), 1976.
James Joyce, Ulisses. Rio de Janeiro,
Editora Civilização Brasileira, (trad. Antônio Houaiss), 1966. 2.ª
edição, revista e corrigida, 1967. São Paulo, Abril Cultural, 1983.
As ambições arquitetônicas de Ulisses, desafiaram desde logo a
argúcia e audácia dos tradutores. A primeira grande tentativa de
fazer pulsar o Ulysses em outra língua pertence aos franceses
Valéry-Larbaud e Auguste Morel, que, com a colaboração de Stuart
Gilbert, o traduziram em 1929.
Ezra Pound, Op. Cit.
Entre 1927/38, dezessete fragmentos de
Obra em Progresso foram publicados em Transition, Paris; um jornal
internacional editado por Eugène e Mana Jolas, amigos de Joyce; na
Transatlantic Review, editada por Ford Madox Ford; e em edições
limitadas nos Estados Unidos, para proteger o copyright. Essa
proteção era urgentemente necessária, devido à publicação pirata de
Ulysses em Nova York, feita por Samuel Roth, que editou uma versão
seriamente mutilada em forma de seriado no Two Words Monthly. Em
1929, quando apenas um quarto dos fragmentos tinha saído, antes
mesmo de que se conhecesse seu verdadeiro título, a obra tinha
desencadeado em torno dela todo um dilema de discussões e exegeses.
Por esse motivo, A Shakespeare and Company publicou: Examintion
Round His Factification For Incamination of Work in Progress,
uma coletânea de doze ensaios e duas cartas de protesto. 2.ª edição,
Faber & Faber, Londres, 1961.
Joyce tomou para apoiar a concepção do
Finnegans Wake, a partir do pensador italiano setecentista
Giambattista Vico (1688-1744), um dos precursores da antropologia e
da filosofia Hegeliana; que através do seu livro Scienza Nuova
se dedicou a descobrir as leis que regem o progresso da humanidade,
dividindo a história num ciclo quadripartido, ou seja a história
passa por quatro fases: teocrática, aristocrática, democrática e
caótica. A última é a fase que estamos vivendo e a qual Joyce quis
situar, marcada toda ela pelo individualismo e pela esterilidade.
Cena de forte influência no romance
moderno, como por exemplo: aquela passagem descrita por Jorge Amado
no romance A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água,
publicado em 1961 pela Livraria Martins Editora. Quando o Cabo
Martim abre a boca do (defunto) Quincas, em pleno velório e derrama
a cachaça garganta adentro, além de espalhar umas gotas na gola do
paletó e peito da camisa. “Deram mais um gole a Quincas, o morto
balançou a cabeça, era homem capaz de dar razão a quem a possuía,
estava evidentemente de acordo com as considerações de Martim.” - E
juntos saíram para comemorar aquela noite (mágica da Bahia),
memorável, inesquecível, tomar uns tragos de pinga e comer uma boa
moqueca de arraia preparada por Mestre Manuel. “Curió e Pé-de-Vento
saíram na frente. Quincas, satisfeito da vida, num passo de dança,
ia entre negro Pastinha e Cabo Martim de braço de braço dado.”
Joseph Campbell e Henry Morton Robinson,
Introdução a um assunto estranho, in Panaroma do Finnegans Wake,
Augusto e Haroldo de Campos. São Paulo, Editora Perspectiva, coleção
Signos-1, 1971.
Michel Butor, Esboço dre um Limiar para
Finnegans, in Repertório. São Paulo, Editora Perspectiva (trad.
Leyla Perrone Moisés), coleção Debates n.º 103, 1974.
Augusto e Haroldo de Campos, Panaroma do
Finnegans Wake (11 - fragmentos). São Paulo, Conselho Estadual de
Cultura, 1962. 2.ª edição, (16 - fragmentos, seguido de estudos
críticos). São Paulo, Editora Perspectiva. Coleção Signos-1, 1971.
Augusto de Campos, Dois Fragmentos do Finnegans Wake (inéditos), in
A Margem da Margem . São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
Michel Butor, Op. Cit.
Richard Ellmann, James Joyce. São Paulo,
Editora Globo (trad. Lya Luft, 1.056 páginas, edição revista, 1982),
1990.
*Jornalista, pesquisador e professor
universitário
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