ELOGIO À POESIA DE
ADELMO OLIVEIRA
(Gustavo Felicíssimo)
Estamos, agora, frente a um dos mais
versáteis e criativos poetas que a terra grapiúna viu nascer.
Trata-se de Adelmo Oliveira, natural de Itabuna, mas pouco conhecido
na terra natal (como tantos outros sobre os quais também falaremos),
em Maio de 1934. Na sua biografia, inserida no livro Canto Mínimo,
antologia poética produzida por Ildásio Tavares para o selo Bahia:
prosa e poesia, publicado pela Fundação Cultural do Estado em
parceria com a editora Imago, consta que sua família é constituída
por sertanejos retirantes da seca de 1932 que se estabeleceram nas
terras do “fruto de ouro”.
Formado em Direito, em 1966, pela
Universidade Federal da Bahia, participou ativamente do movimento
cultural da sua época, escrevendo estudos, ensaios e poemas para os
principais jornais de Salvador. Teve poemas publicados nas
principais antologias sobre a poesia baiana, inclusive, na Poesia
Moderna da Região do Cacau, produzido pelo poeta Telmo Padilha, em
1977. Publicou diversos livros de poesia: Canto da Hora Indefinida,
1960; Três Poemas; 1966, O som dos Cavalos Selvagens, 1971; Cântico
para o Deus dos Ventos e das Águas, 1987; Espelho das Horas, 1991;
Canto Mínimo, 2000 e poemas da Vertigem, 2005.
Em 1962, sob um júri formado por nomes
de expressão da literatura brasileira, como Manuel Bandeira,
Austregésilo de Athayde, José Carlos Lisboa e Pio de Los Casares,
recebeu o Prêmio Nacional Luis de Góngora com o ensaio “Góngora e o
Sofrimento da Linguagem”.
Consta ainda que o lançamento do livro O
Som dos Cavalos Selvagens, obra de protesto contra a ditadura
militar, lhe custou uma prisão (sua casa foi invadida, foi submetido
a um interrogatório e sua obra confiscada e destruída por ordem do
Ministério da Justiça). Em 1975 foi seqüestrado, torturado e
submetido uma segunda vez a um longo interrogatório, em local
ignorado e, em seguida, levado sob escolta à presença do General
Adyr Fiúza de Castro, então comandante da VI Região Militar, tudo
por suas atividades políticas e literárias. Em 1978 foi eleito
deputado estadual pela Assembléia Legislativa do Estado da Bahia,
tendo declarado que “tanto a política quanto a poesia são artes de
criação a serviço da conquista da liberdade plena.”
A partir de 1986, começou a compor
letras de música popular, com as parcerias de Fábio Paes e do
carioca Augusto Vasconcelos.
Somos vulneráveis em nossa condição
humana, porém o nosso maior privilégio está no exercício da palavra
que resiste às agressões à capacidade criativa da sociedade que vem
sofrendo um processo exaustivo de marginalização, sentido em todo
país. Se é difícil o prazer, também se tornou difícil se alimentar,
educar e curar, mas através da palavra viva geramos os anticorpos
necessários para o combate a um corpo social doente que tende a
apagar as experiências vívidas e vividas pelos seus agentes ao longo
do tempo. Entalhar essa palavra na memória do incauto leitor é
tarefa árdua e para poucos.
É dessa matéria viva, combatente e
sofredora, que se faz a poesia de Adelmo Oliveira, um vate que,
segundo as palavras de Ildásio Tavares, é “poeta, decididamente
poeta, firmemente plantado em seu passado cultural (...) com o passo
à frente calcado pela retaguarda com o olho na vanguarda”.
Adelmo Oliveira nos oferece uma poesia
repleta de perspectivas e armada para o grande combate, como neste
fragmento do poema Canto Agrário para o Tempo Presente:
Convido-vos, amigos, a preparar a terra/ O campo está novamente
inculto/ O tempo quis esta divisão de fronteiras/ E agora o que
vemos/ É este grande deserto:/ Plantas agrestes/ cactos/ Vegetais de
daninha duração/ E parvas figuras/ dominando outeiros/ vales/ e
colinas (...). Tal poema é de 1966 e, meu Deus, continua atual
porque o homem continua em estado de degeneração que, espera-se,
tenha fim quando o sistema que aí está se esgote, dando início a um
novo tempo patrocinado por um novo homem, mais justo, mais humano.
Basta um rápido olhar para a poesia de
Adelmo Oliveira para percebermos que ela dá continuidade a toda uma
tradição literária existente e a atualiza, num caminhar decidido que
firmemente aponta para o futuro, pois sabe ele que a verdadeira
poesia, inclusive as de vanguarda, não se faz ignorando os pilares
que sustentam toda uma tradição com milênios de história. E essa
história nos mostra que a criação só cabe dentro da liberdade, mas
que também não se desconstrói o que não se sabe construir.
Adelmo sabe construir, seja em verso
livre ou em verso medido, como no poema O Som dos Cavalos
Selvagens, um poema de métrica difícil, o de quatro sílabas
poéticas: Dentro da noite/ E pelo dia/ Um eco surdo/ De ventania.//
Sobe a montanha/ Transpõe o vale/ - A fúria avança/ - A sombra
invade.// Marcas no tempo/ Finas esporas/ - Um catavento/ No fio das
horas.// Patas de ferro/ Porta-fuzis/ Deixa no vento/ A cicatriz.//
Dentes de faca/ Olhos de fogo/ Cuspindo raiva/ Do próprio rosto.//
Destrói cidades/ E espanca a luz/ Por onde passa/ Finca uma cruz.//
Tempo de guerra,/ Este é meu tempo/ - Cavalos de ódio/ No
pensamento.
A melhor ilustração de um poema são as
imagens que ele suscita e também a sua melodia, fruto de um domínio
estético apurado, como neste terceto do poema Cantiga de Alto-Mar:
“Vem que vem na cadência das marés/ Colher pedras de sal e
fantasias/ Encobrindo de conchas os meus pés”, onde quase podemos
sentir mesmo o balanço da maré.
Adelmo sente e pensa, arma-se para
encantar os sentidos e a inteligência, portador da verdade cunhada
por Fernando Pessoa “o que em mim sente está pensando”, num
instante entre o poeta e a eternidade “Feita de mito e se fazendo
estrela”, que tanto pode ser a mais nobre quanto a mais humilde
das musas, impressa no exuberante Soneto da Última Estação:
Esta que vem do mar por entre os ventos,/ Sacudindo as espumas dos
cabelos,/ Vem molhada de azul nos pensamentos,/ Seu corpo oculta a
ilha dos segredos.// Vem e dança ao andar sobre as areias/ Úmidas
sob os passos e os desejos,/ Onde as ancas são ondas em cadeias/
Infinitas de luz contra os espelhos.// Nem precisa de flor nem de
perfume,/ Ela é a própria essência do ciúme,/ Feita de mito e se
fazendo estrela.// Vem – dança – e passa aos fogos do verão/ –
Fantasia da última estação./ Explodiu na vertigem da beleza.
Escreveu o poeta Miguel Carneiro que “há
em cada poeta um misto de santidade, pois cada poeta está mais
próximo de Deus na medida em que enuncia uma linguagem que toca os
corações de todos os homens, rudes e polidos, segundo as normas que
regem a sociedade pós-moderna: excludente, globalizada, egoísta e
multifacetada”. E sobre a poesia adelmiana disse que “nesses tempos
de falta de solidariedade, da raridade de caráter entre as relações,
nada mais atual que rever em profundidade os poemas de Adelmo
Oliveira.” Tal alusão se justifica dada a natureza fraternal que
pulsa sotoposta na poesia desse poeta que nos enche de entusiasmo e
admiração.
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