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PELA
SOBREVIVÊNCIA DOS ESPÍRITOS LIVRES
(Alberto
Lacet entrevista Fernando Monteiro)
Em
entrevista concedida a Alberto Lacet em fevereiro de 2010, o
romancista, poeta e cineasta pernambucano Fernando Monteiro fala
sobre seu livro Vi uma foto de Anna Akhmátova e também
de literatura, cultura, Suassuna, T. E. Lawrence e outros.
AL
– Em seu último
livro, Vi uma foto de Anna Akhmátova, o leitor encontra um tipo de
literatura muito longe do "instrui e diverte", do
"edificante" etc., tradicionais “muletas” literárias.
Esse texto passa um tipo de dor que dificilmente é alcançado por
jovens atuais, que nunca estão interessados etc. Monteiro escreve
para os de sua geração?
FM
– Essa questão
de "para quem" a gente escreve
– frequentemente
colocada, nos últimos anos – para mim é uma falsa questão,
porque eu sou daqueles que acreditam no ato de escrever (ou de
pintar, de esculpir, compor etc.) como resposta a uma pulsão
profunda. Na verdade, uma espécie de "danação" que
impele os espíritos mais atormentados pelos caminhos da arte, em
busca de resposta a perguntas – que (eu concordo) estão sendo
pouco a pouco "abolidas" – tipo "quem somos?, para
onde vamos?" etc. Os jovens de hoje estão nascendo num inferno
artificialmente refrigerado e sonoramente poluído por
"certezas" de ordem mais do que nunca intranscendentes,
como aquele muro de Bartleby (personagem de um conto de Herman
Melville) fixado pelo escrevente que resolve se ausentar até se si
mesmo. Assim, como Bartleby, os jovens estão ficando ausentes (pra
começar) e, daí, vem essa omissão do resto, enquanto,
paradoxalmente, eles esperam uma Shangri-Lá de felicidades,
merecidas ou imerecidas, caídas do céu sobre as suas cabeças...
Eu escrevo para eles? É claro que não. Então, eu escrevo para o
passado? Não, também não, pois sei, perfeitamente, que o passado
está morto e não poderá me ler, na espuma do nada. Escrevo para
mim mesmo? Talvez sim, na busca – ainda – daquelas respostas que
ficaram para trás, no limbo do "não-ouvido", na terra de
ninguém deste começo de século de inquietação e perplexidades.
O meu longo poema começa pela visão de uma foto
– dentro de um
livro – de uma poeta russa, num sebo do Recife. Os poetas estão
se transformando noutra coisa (que quase nada tem a ver com a
poesia!), os livros estão ameaçados de se tornarem excrescentes,
inúteis – se não forem de divertimento ou de falsa
"auto-ajuda" –, num mundo que desaba [pelo menos no
Ocidente]. Vi uma foto de Anna
Akhmátova foi escrito no que eu chamo uma espécie de
"estado de transe controlado", que mantém o seu ritmo até
o último verso. Já teve gente que não conseguiu parar de ler, uma
vez iniciado o poema. Para que tipo de leitor foi escrito? Eu
arriscaria dizer: para os que não têm certezas sobre nada, e que
interrogam a vida como se fosse difícil até escovar os dentes,
amanhã de manhã, se hoje não for possível encontrar certas
respostas, antes que seja tarde demais.
2
– O que no século
XX causou mal maior à poesia, Stalin, Franco & Cia., os
formalismos estéreis das vanguardas, ou o grande vilão segue mesmo
sendo a indústria cultural de massas?
R
– O mal que os
obscurantistas e ditadores causaram à poesia, foi logo sanado pela
sobrevivência dos espíritos livres. As vanguardas foram um
veranico de janeiro, e o carnaval de desagregação posterior terá
sido muito mais agenciado pela maldita cultura de massa, nos termos
da denúncia do poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini. A poesia
precisa tentar recuperar o que Dámaso Alonso chamava de seu contenido
novelesco. Isso foi responsável pela atraente forma narrativa
que vigorou em outros tempos, e desde a Odisseia.
A Divina Comédia, o Paraíso
Perdido e outros poemas longos da tradiçaõ ocidental foram
poemas em que "algo estava acontecendo", e não construções
abstratas, excessivamente mentais e tudo o mais. Contra essa
"esterilização" da palavra poética, eu proponho que os
poemas narrem, contem, relatem e, no final,
"transcendentalizem". A palavra de toque é esse verbo
esquecido...
3
– Não temos em
"Anna" exatamente uma literatura do tipo engajada, nos
termos compreendidos durante a guerra fria, mas um certo moralismo
ronda o texto, até um certo panfleto, sem que isso cause danos a
aspectos formais. Agora, tirar uma "profissão de fé" do
livro é impossivel, ele não parece preocupado em "apontar
caminhos". Seria uma poesia do "pau-pra-toda-obra"?
R
– Não sei bem
ao que você se refere. A palavra "panfleto" eu acho muito
distante de quaisquer das instâncias do poema – que foge, como
diabo da cruz, do banal e convencional. Entretanto, há
acontecimentos políticos que, partindo-se da biografia de Anna Akhmátova,
não poderiam deixar de ser referidos no poema. São fatos da Revolução
russa de 1917 e dos anos que se seguiram, principalmente, quando a
condução do processo revolucionário passou de Lênin para Stálin.
Eu não podia deixar de expressar a dor profunda das pessoas que
sofreram (Anna, entre outros) até vir alguma abertura para o núcleo
duro do regime soviético. O poema não fugiu a descrever isso tudo
(longamente até), porém também não pretendeu fornecer nenhuma
ideologia de emergência para ninguém, na outra ponta do seu,
digamos, "discurso"...
4
– Quando digo
"pau-pra-toda-obra" estou falando de um longo poema que
guarda um sem numero de referencias e de cuja modernidade é
possivel dizer-se que reside em não caber inteiramente em nenhuma
delas. Carrega um aspecto de denúncia que não é preciso ir longe
para encontrá-lo no nosso bem próximo cordel, filho, assim como
"Vi uma foto de Anna Akhmátova" também o é, do
renascentismo épico de cavalaria, onde, segundo sua citação,
"algo está acontecendo", exatamente como em
"Anna", cuja personagem sustenta o fio novelesco, mas sem
onipresença física, sem aquela linearidade típica, pois não
podia ser esse o objetivo. Uma narrativa se desenvolve em torno dela
e segue em paralelo ao que se vai construindo ao longo do poema: um
clima puramente “psiquê”, num cenário cuja concessão ao
bucolismo será essa espécie de paisagem mental na qual é impossível
imaginar-se algum tipo de edificação que vá alem de um paiol com
uma fundição ao lado, e de onde vão surgindo, uma a uma, as armas
que disparam sobre nosso presente, e temos novamente o Orlando do
Ariosto. Mas não sei até que ponto você concorda com isso.
R
– Concordo,
sim, sua leitura do poema é aguda, Lacet, acho eu que
"densidade" é uma das palavras, está faltando isso, você
vê arte rala por toda parte, amadores invadindo tudo em busca dos
seus "15 minutos", oficinas literárias prometendo
transformar medíocres em grandes escritores, prêmios sendo
conferidos a obras medianas (se não ruins), enquanto a
"mass-media" esmaga o território – anterior – da
cultura com vulgaridade & banalidade a nivelar por baixo, como
nunca, neste instante agônico da civilização ocidental obviamente
exausta, eu repito.
5
– Um homem pode
ler pouco e bem, vá lá que seja, mas um país que lê pouco como o
nosso, é claro que lê pouco e ruim. Como se posicionar entre o
mito do "americano tropical", dado ao corpo e não à
mente, e a falta de investimentos pesados na educação?
R
– Não sei se
correspondemos, de fato, a esse "americano tropical" do
clichê etc. Eu penso em Aleijadinho e Villa-Lobos (dois artistas
maiores do que o "País gigante"), e penso que há forças
insuspeitadas dentro da cultura brasileira preparada, como nenhuma
outra, para compreender o Outro. Isso será fundamental, neste
terceiro milênio. Há uma frase do ateu André Malraux que pode ser
uma pista do que ainda vem: "O século 21 será religioso ou não
será". De um modo complexo, paradoxal e profundo, creio que
esse pensamento misterioso do autor de A
Condição Humana se articula com outro vaticínio, desta vez do
argentino Jorge Luis Borges: "O século 21 será o século da
Horda". Horda, horror, religião, terror, 11 de setembro negro
remodelando o século de "terror e poesia" – conforme
disse José Castello a propósito de “Vi uma foto de Anna Akhmátova”
–, tudo isso poderá fazer com que encontremos a saída em mais do
que "investimentos pesados na educação" etc. Porque
restaria saber em qual "educação" – e para o quê –
se está pensando, e como ela seria direcionada (se não fosse, por
exemplo, para recuperar o Humanismo no homem). O que nos leva de
volta à "Idade Desideológica" na qual penetramos como as
primeiras sociedades humanas agora vivendo sem o motor da Utopia
que, sob várias formas, pelo menos até a primeira metade do século
passado, estivera a conduzir o pensamento e a imaginação (ou seja,
a filosofia e a arte)...
6
– Você fala
numa capacidade brasileira em perceber o Outro. Temos uma mitologia
particular em gestação? Um objeto literário em andamento? Uma
investida sociológica? Fale sobre isso.
R
–
Essa nossa capacidade coletiva de perceber o Outro é um
passaporte para o século 21, no sentido do mundo (que já foi
"aldeia", lembra-se de McLuhan) pós-global, digamos que
vamos nos defrontar não com os preconceitos e as estreitezas de um
Ariano Suassuna, mas com a retomada antropofágica dos Mários que
temos: o Andrade, o Peixoto e outros signos da modernidade não-"quaderniana"
(nem de pedras do reino que são uma pedra no meio do caminho) que
nos pode levar para adiante, e não para o Brasil seiscentista dos
sonhos retrô-imperiais de armorialismos próximos demais de um
neo-fascismo, para o meu gosto. Estamos formando uma cultura que tem
tudo para resolver o seu – grave – problema de não ter tido um
idade do Renascimento por aqui, por meio de uma "solução"
sincrética de macumba cultural que entenda todas as culturas,
percebe? Sabemos (o "nós" da cultura total brasileira, eu
quero dizer), por instinto, o que permanece valioso por trás das máscaras
africanas que impulsionaram o melhor da arte do jovem Picasso e a
importância – simultânea – de Elvis Presley (chamado de
"lixo cultural" pelo Dr. Ariano). Quem pense como ele, que
vá formar as suas "juventudes suassunistas" em outra
Alemanha mental, de fechamento e orgulho desse fechamento de
concentração suicida no próprio umbigo dos campos de extermínio
da abertura para o Outro (sem prejuízo do senso de nacionalidade
que só elimina o câncer do "nacionalismo" – enquanto
preserva a saúde de um multirracialismo negro, índio, branco etc.,
sem esquematismos lombrosianos de quem não percebeu que estamos no
Terceiro Milênio. O que temos em formulação, em processo, em
andamento musical, neste momento, é a possiblidade chico-scientífica
de aperfeiçoar o passado e conectá-lo com o futuro, via a
Cultura...
7
–
Fernando, em que medida o universo acadêmico e literário
do Recife de algumas anteriores gerações de Nabuco, Freyre,
Ascenso, Carlos Pena, Zé Lins, Ariano, Cabral etc., influenciou sua
formação de intelectual e artista?
R
– O que me
influenciou mais foi aquilo que influenciou Nabuco, Freyre, Ascenso
etc.: o Recife já urbis no século 17, com Maurício de Nassau e
sua "troupe" de artistas e sábios trazendo justamente um
pouco da Renascença atrasada aqui para as nossas matas de cajus e
revoltosos. Essa marca – sem nenhum bairrismo idiota, é claro –
dá uma peculiaridade ao que se produz em Pernambuco (como centro
regional que até deixa de ser meramente "Pernambuco",
para ser como que uma Barcelona catalizadora da Catalunha toda) que
vai da chamada "Escola do Recife" – no pensamento
brasileiro – ao cinema de Alberto Cavalcanti etc. (Nota: Alberto
nasceu no Rio, mas se considerava pernambucano, em homenagem à mãe
olindense até no nome: Anna Olinda do Rego Cavalcanti). De modo que
nós temos aqui o "cadinho" cultural que agiu sobre Zé
Lins e Augusto, nas suas formações atraídas para o centro de
gravidade regional da capital do estado metido a "falar para o
mundo" (é bem sabido o caso do jornalista da imprensa
interiorana que publicava num "internacional" jornalzinho
de Gravatá, nos anos da Segunda Guerra, e que escreveu, em 1945, lá
do seu cantinho, diante da derrocada do nazismo: "Bem que nós,
aqui desta tribuna, várias vezes avisamos ao senhor Hitler que ele
iria acabar mal na sua aventura")... Apesar dessa megalomania
toda, não somos inteiramente idiotas etc., e algo se salva: para
mim, é a influência mais remota do que a mais próxima, ou seja,
é mais a pintura de Post do que a arte postal de Brusky, ou é mais
o universalismo do "sonho" nassoviano do que a grande arte
de Francisco Brennand (mestre de muitos). Na literatura, ergo bem
alto os nomes do Luiz Jardim de "As confissões do meu tio
Gonzaga" e do Osman Lins de "Avalovara", não citados
por você. Aliás, acho Carlos Pena um poeta muito fraco para ter
sido mencionado nessa companhia de Ascenso, Cabral, Zé Lins etc.
8
– O seu campo de
interesse (e do fazer) se estende do romance à poesia, do cinema ao
teatro, da crítica de arte ao debate cultural – sem falar que fez
até agora duas investidas pelo romance histórico, a primeira com
"Lawrence" e a segunda com "Akhenaton", O
Amenofis IV. Por mais que essas biografias justifiquem o interesse,
haverá sempre por parte do escritor que as investiga um tipo
qualquer de impulso que lhe é intrínseco e particular. Não se
sabe o que fez Sheakspeare preferir César a Alexandre, ou Pompeu, W
J Solha preferir Hamlet a Políbio, Jesus a Maomé . O que levou
Fernando Monteiro a debruçar-se sobre T. E. Lawrence?
R
– O enigma da
sua personalidade, a estranheza da sua trajetória no mundo e a
multiplicidades de talentos do escritor, do homem de ação, do
arqueólogo e do erudito que foi Thomas Edward Lawrence (ele nunca
foi "Sir"; pelo contrário, fez questão de devolver todas
as medalhas ganhas nos campos de batalhas e guerrilhas do Hedjaz, e,
por fim, recusou a "Ordem da Jarreteira" – uma das mais
altas condecorações inglesas – no momento mesmo em que o rei da
Inglaterra se preparava para espetá-la no seu peito). Lawrence
foi, ademais, o Hamlet do século 20, um homem de alma dividida e
atormentado pelas perguntas – aqui já mencionadas – que seguem
sem resposta, sobre o destino humano. Escreveu uma obra-prima literária
– Seven Pillars of Wisdom
("Os Sete Pilares da Sabedoria") –, seguida de um livro
quase desconcertante e sombrio, intitulado The
Mint ("A Matriz"), que eu traduzi e prefaciei para a
Editora Record. T. E. Lawrence foi provavelmente assassinado, em
1935, naquilo que o serviço secreto britânico fez passar por um
mero "acidente de estrada", num daqueles caminhos vicinais
do tranquilo condado de Dorset. Ele estava exausto, cansado da vida
e sem saber o que fazer das suas horas vagas, depois da desmobilização
como soldado raso (embora houvesse alcançado a patente de coronel,
na Arábia). Seus assassinos certamente não sabiam que estavam lhe
fazendo a vontade profunda, quando o mataram – aliás inutilmente,
porque não se consegue assassinar uma lenda, um fantasma do deserto
ou um homem de alma esvaziada como a boca de um bebê sem cabeça...
9
– Em seu
romance A cabeça no fundo do entulho – Editora Record, 1999 –, um eco
de "Lawrence da Arábia" persiste no conto protagonizado
pela personagem-titulo do cap. 5, "O Bey", que tem por único
cenário um salão de audiência pública dominado pela imponência
"bichona" da figura de um sátrapa otomano, e que se vai
concluir com um banho de sangue. A cena, a principio madorrenta, vai
ganhando tensão através de uma única e longa tomada cinematográfica,
somente cortada pelo surpreendente jorro provocado pela cimitarra do
“bey”. Esta figura, o bey, teria sido montada a partir do famoso
episodio em que um chefe muçulmano – também de nome Bey –
captura Lawrence, passa a assediá-lo sexualmente e, diante de
obstinada recusa, perpetra contra ele a serie de torturas que vão
culminar em violação anal?
R
– É possível
que tenha ficado o eco dessa cena, como cenas de um livro às vezes
também se incorporam ao fluxo total da consciência (e imagine do
inconsciente!). Estou escrevendo, neste momento, um texto sobre os
100 anos de nascimento do cineasta Akira Kurosawa, e, por acaso, sua
pergunta chegou, por e-mail, quando eu acabava de citar a seguinte
passagem da autobiografia do diretor japonês: “Não me lembro
quem disse que criação é memória. Minhas próprias experiências
e as diversas coisas que li permanecem em minha lembrança e
tornam-se a base sobre a qual crio algo novo. Eu não poderia partir
do nada. Talvez ninguém possa, como ao escrever roteiros – quando
se deve, antes, partir de alguma inspiração, alguma ideia e também
do estudo dos grandes romances e as grandes peças teatrais que o
mundo produziu. Deve-se procurar saber por que são grandes. De onde
vem a emoção que se sente ao ler? Que grau de paixão o autor teve
de perseguir, que nível de meticulosidade teve de impor para
modelar os personagens e os fatos da maneira como fez? Deve-se ler
inteiramente, a ponto de se compreender todas estas coisas. Deve-se
também assistir aos grandes filmes”...
10
– A sua
literatura está tomada por um espaço fisico, cultural e temporal
que a faz buscar aquelas sociedades mais antigas, e que via de regra
são anteriores até mesmo à formação política europeia. Na América
Latina J. L. Borges pode ser um exemplo ilustre dessa prática,
embora fizesse ainda questão de manter um viés "gaúcho",
"compadrito". Pode-se esperar de sua lavra alguma coisa
nesse sentido e que vá alem de uma curta narrativa como a que
descreve a passagem do Camilo Cela
– depois Prêmio
Nobel de literatura –
pelo Recife?
R
– Acho que há,
aí na pergunta, a lacuna do conhecimento da Trilogia Graumann, toda
dedicada ao mundo contemporâneo brasileiro – e até nordestino,
pois, no primeiro volume ("O grau Graumann", Editora
Globo, 2002), a ação começa na São Paulo atual e vai a
Pernambuco e até mesmo à Paraíba das praias de fronteira etc. O
segundo volume da trilogia ("As Confissões de Lúcio")
foi publicado pela Editora Francis, em 2006, e atualmente eu
trabalho no último volume, "A Intrusa na Sombra". Nestes
romances, defronto o hoje, o agora, o mundo que me cerca – e até
poderia dizer que, em "O grau Graumann", há toda uma
"subsociologia", implícita, da literatura brasileira, na
medida em que um dos personagens principais é o detentor do
primeiro prêmio Nobel tupiniquim, vindo muito tarde para as nossas
letras (de sopa?).
11
– Peço
desculpas pela lacuna, que pretendo preencher em breve. O assunto
parece bem interessante. Que tipo de drama se desenvolve em torno de
um brasileiro que “papa o Nobel”, vindo muito tarde para nossas
letras?
R
– Primeiro essa
espécie de desejo absurdo de “legitimação” (?) da nossa
literatura, que transparece também no cinema aspirando a um
“Oscar” como se não fosse ele a estatueta falso dourado símbolo
apenas de uma indústria (ícone azinhavrado distribuído durante o
decorrer de uma mega-festa caipira norte-americana). Em relação ao
fetiche do Oscar – e nós já tivemos o nosso “Oscarito”, da
Atlântida, não? – , o prêmio Nobel, “pelo menos” (estou
pondo aspas gritantes, aqui), é europeu e, portanto, velho como os
papiros. Depois, quando o prêmio vem para o “maldito” gaúcho
– de Santa Cruz do Sul – Lucio Braun Graumann (no primeiro
volume da trilogia: o “Grau Graumann”, Editora Record, 2002),
atingimos esse “grau”, afinal essa colação de coleção de
frases e de pessoas comemorando o Nobel de literatura como nós
comemoramos as Copas do Mundo, pois afinal somos botocudos-caetés
das praias de Sardinhas, bispos e reis de paus e espadas,
devoradores de Coelhos e sussuaranas parecidas com Suassunas...Viva
o Nobel! Viva as copas das Américas e do Mundo, os jogos
panamericanos e todos os jogos para entrar nos chás da Academia,
ledo e ivo engano dos intelectuais brasileiros que não se prezam ;
SE DETESTAM. Então acontece de tudo, no primeiro (já citado)
volume, e no segundo (já publicado), “As Confissões de Lucio”,
é assim que a banda toca no(s) dois livro(s), há também bundas e
benditas ladainhas em torno de Graumann, o vitorioso, o Rei da
Cocada Preta da Literatura, o melhor escritor de todos os tempos da
semana passada. Sei lá! há tanta coisa ali – e eu ainda estou
obrigado, agora, a terminar o terceiro, para justificar ter falado
tanto em “trilogia” (quem mandou?)
(Entrevista
concedida por e-mail. Publicação
autorizada pelo entrevistado e pelo entrevistador.)
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