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Odilon Redon

 

 

Poemas de Enrique González Martínez

 

 

VENS A MIM

 

Vens a mim, te aproximas, te anuncias

Com tão leve rumor, que meu repouso

Não perturbas, e é um canto milagroso

Cada palavra que tu pronuncias.

 

Vens a mim, e não tremes, não vacilas,

E há ao nos olharmos atração tão forte

Que tudo desdenhamos, vida e morte,

Suspensos só no brilho das pupilas.

 

Penetras calmamente em meu viver,

E te sinto tão perto do que cismo,

E há nessa possessão tão funda calma

 

Que interrogo ao mistério em que me abismo

Se somos dois reflexos de um só ser,

A dupla encarnação de uma só alma.

 

 

 

ORAÇÃO ÀS ESTRELAS

 

Porque sois só lonjura,

luz e silêncio a fulgurar na altura,

minha alma vos saúda, cintilantes

irmãs, tão silenciosas e distantes.

Porque sois como rosas
sempre abertas às brisas misteriosas
de um largo campo a trescalar odor,
minha alma se consome num ardor
de sorver vossas auras luminosas.

Que divina mensagem

da excelsitude nos mandais em viagem,

ou que enigma profundo

à alma dos homens?... Cada amanhecer

do sol o trunca - para o refazer

a noite grave, quando desce ao mundo.

 

Da noturna quietude

na fragrância suave, as mais remotas

mensagens enigmáticas são gotas

de um filtro azul que o vasto cosmo exsude...

E o sonho se depura na amplitude!...

 

Um laço nos sujeita

e nos une através do infinito;

e eis um augúrio escrito

sobre vossas pupilas, e o poeta

uma pátria distante

em vós descobre... Que casal amante

numa doce querela

não tem marcado encontro numa estrela?

 

No mistério talvez

do fundo céu a fria mão desfez

das eras vosso rastro; mas perdura

vosso fulgor. E em vossa luz se asila

a eternidade, e uma visão futura

de outros planetas surgirá tranqüila

em outra idade... Vossa imagem pura

arderá, enquanto exista uma pupila.

 

Pois guardais um tesouro

de purificação em vosso fogo,

purificai meu ser, caí em choro

lustral, fazei que logo

se delimpe meu verso

e dele surja o canto, como a pura

pérola de cristal límpido e terso

que se entrevê dentro da rocha dura.

 

Fazei meu pensamento

sensível, dócil como o manso vento

que embala os trigos e acalenta as rosas.

e o entregarei aos homens ou às coisas,

sem frase oculta ou intenção estranha,

como dá seus aromas a montanha.

 

Só meu afã secreto

porei em vossas luzes escondido,

longe do vão ruído,

do mirar indiscreto

e das maquinações de todo ouvido.

 

Oh, irmãs cintilantes,

mudas em vossa paz e tão distantes!

 

Segui em vosso império

longínquo, com enigmas de mistério.

 

Brilhai sobre o horizonte,

dando beijos de luz à nossa fronte.

 

Baixai, gemas floridas,

em chuva de silêncio às nossas vidas.

 

 

 

A UMA PEDRA DO CAMINHO

 

Pedra musgosa, onde a fronte deponho,

Pequeno travesseiro, em que, dormindo

A frágil carne, a vida vai subindo...

Graças te dou porque me deste um sonho.

 

A erva cinzenta, que a chuva recente

Umedeceu de pranto, era de prata,

E um pássaro gemia uma sonata

Sob a tênue celagem transparente.

 

Segui no afã o vesperal concerto;

O fio luminoso de uma estrela

Me deu a escada, e me elevei por ela,

De olho fechado e coração desperto.

 

Vi, sobre o azul, como o sonho se espraia

Em profético encanto, milagroso,

E no breve durar de meu repouso

Voguei num mar e regressei à praia.

 

Pedra musgosa, onde a fronte deponho,

Pequeno travesseiro, tu serviste

Meu ermo afã e meu cansaço triste...

Graças te dou porque me deste um sonho.

 

 

PUNHAL

 

(Enrique González Martinez)

 

Longo punhal antigo

Com que feri os meus irmãos

Quase dia após dia

E por tantos anos...

 

Feroz punhal antigo

E oxidado

Com o tépido sangue dos bons

E dos maus...

 

Que afã o meu

Diuturno e solitário

De lavar e lavar essas manchas

Que em tua folha ficaram...

 

Que impulsos os meus

De levar-te na noite e ao campo

Para lançar-te ao fundo do abismo negro

Onde não faças dano...

 

Quantos anos já faz que digo: “amanhã

O farei”!... Sem embargo,

Ainda estás em minha mesa, ao alcance

Da mão...

 

 

(Traduções de Renato Suttana)

 

 

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