Porque
sois só lonjura,
luz
e silêncio a fulgurar na altura,
minha
alma vos saúda, cintilantes
irmãs,
tão silenciosas e distantes.
Porque sois como rosas
sempre abertas às brisas misteriosas
de um largo campo a trescalar odor,
minha alma se consome num ardor
de sorver vossas auras luminosas.
Que divina mensagem
da
excelsitude nos mandais em viagem,
ou
que enigma profundo
à
alma dos homens?... Cada amanhecer
do
sol o trunca - para o refazer
a
noite grave, quando desce ao mundo.
Da
noturna quietude
na
fragrância suave, as mais remotas
mensagens
enigmáticas são gotas
de
um filtro azul que o vasto cosmo exsude...
E
o sonho se depura na amplitude!...
Um
laço nos sujeita
e
nos une através do infinito;
e
eis um augúrio escrito
sobre
vossas pupilas, e o poeta
uma
pátria distante
em
vós descobre... Que casal amante
numa
doce querela
não
tem marcado encontro numa estrela?
No
mistério talvez
do
fundo céu a fria mão desfez
das
eras vosso rastro; mas perdura
vosso
fulgor. E em vossa luz se asila
a
eternidade, e uma visão futura
de
outros planetas surgirá tranqüila
em
outra idade... Vossa imagem pura
arderá,
enquanto exista uma pupila.
Pois
guardais um tesouro
de
purificação em vosso fogo,
purificai
meu ser, caí em choro
lustral,
fazei que logo
se
delimpe meu verso
e
dele surja o canto, como a pura
pérola
de cristal límpido e terso
que
se entrevê dentro da rocha dura.
Fazei
meu pensamento
sensível,
dócil como o manso vento
que
embala os trigos e acalenta as rosas.
e
o entregarei aos homens ou às coisas,
sem
frase oculta ou intenção estranha,
como
dá seus aromas a montanha.
Só
meu afã secreto
porei
em vossas luzes escondido,
longe
do vão ruído,
do
mirar indiscreto
e
das maquinações de todo ouvido.
Oh,
irmãs cintilantes,
mudas
em vossa paz e tão distantes!
Segui
em vosso império
longínquo,
com enigmas de mistério.
Brilhai
sobre o horizonte,
dando
beijos de luz à nossa fronte.
Baixai,
gemas floridas,
em
chuva de silêncio às nossas vidas.
A
UMA PEDRA DO CAMINHO
Pedra
musgosa, onde a fronte deponho,
Pequeno
travesseiro, em que, dormindo
A
frágil carne, a vida vai subindo...
Graças
te dou porque me deste um sonho.
A
erva cinzenta, que a chuva recente
Umedeceu
de pranto, era de prata,
E
um pássaro gemia uma sonata
Sob
a tênue celagem transparente.
Segui
no afã o vesperal concerto;
O
fio luminoso de uma estrela
Me
deu a escada, e me elevei por ela,
De
olho fechado e coração desperto.
Vi,
sobre o azul, como o sonho se espraia
Em
profético encanto, milagroso,
E
no breve durar de meu repouso
Voguei
num mar e regressei à praia.
Pedra
musgosa, onde a fronte deponho,
Pequeno
travesseiro, tu serviste
Meu
ermo afã e meu cansaço triste...
Graças
te dou porque me deste um sonho.
PUNHAL
(Enrique
González Martinez)
Longo
punhal antigo
Com
que feri os meus irmãos
Quase
dia após dia
E
por tantos anos...
Feroz
punhal antigo
E
oxidado
Com
o tépido sangue dos bons
E
dos maus...
Que
afã o meu
Diuturno
e solitário
De
lavar e lavar essas manchas
Que
em tua folha ficaram...
Que
impulsos os meus
De
levar-te na noite e ao campo
Para
lançar-te ao fundo do abismo negro
Onde
não faças dano...
Quantos
anos já faz que digo: “amanhã
O
farei”!... Sem embargo,
Ainda
estás em minha mesa, ao alcance
Da
mão...
(Traduções
de Renato Suttana)