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Alberto Lacet

 

 

A TRISTE HISTÓRIA DE THANGOBRIND, O JOALHEIRO

 

(Lord Dunsany)

 

Quando Thangobrind, o joalheiro, ouviu aquela tosse ominosa, voltou-se de imediato para o caminho estreito. Era um ladrão de alto renome, patrocinado pelos grandes e eleitos, pois tinha roubado nada menos que o ovo de Moomoo, e durante toda a sua vida roubara apenas quatro tipo de pedras: o rubi, o diamante, a esmeralda e a safira. E, como é comum aos joalheiros, sua honestidade era grande. Agora havia um Príncipe Mercador que o procurara e oferecera a alma de sua filha em troca do diamante que é maior que uma cabeça humana e que se encontrava sobre o colo do ídolo-aranha, Hlo-hlo, no seu templo em Moung-ga-ling, pois tinha ouvido que Thangobrind era um ladrão de confiança.

 

Thangobrind untou o corpo e saiu de sua loja, enveredando secretamente por vias secundárias, e chegou até Snarp, antes mesmo que alguém soubesse que ele tinha saído outra vez a necócios ou desse pela falta da sua espada, que ficava guardada num lugar sob a caixa registradora. Então, passou a se mover somente à noite, escondendo-se durante o dia e afiando a lâmina de sua espada, que ele chamava de Camundongo porque era lépida e veloz. O joalheiro tinha métodos sutis para viajar, ninguém o viu atravessar as planícies de Zid, ninguém o viu chegar a Mursk ou Tlun. Oh, mas ele apreciava as sombras! Certa vez a lua, despontando inesperadamente de uma tempestade, traíra um joalheiro ordinário; mas não trairia Thangobrind. A sentinela apenas viu arrastar-se uma silhueta furtiva e sorriu. “É apenas uma hiena”, disseram. Uma vez, na cidade de Ag, um dos guardiões o pegou, mas Thangobrind tinha se untado e escapou de suas mãos. Mal se pôde ouvir o ruído de seus pés descalços na fuga. Ele sabia que o Príncipe Mercador esperava pela sua volta, seus pequenos olhos abertos durante toda a noite e brilhantes de cobiça. Sabia que sua filha jazia acorrentada e gritando noite e dia. Ah, Thangobrind sabia. E, não estivesse em serviço, teria se permitido uma ou duas risadas. Mas negócio é negócio, e o diamante que ele buscava ainda estava sobre o colo de Hlo-hlo, onde permanecera pelos últimos dois milhões de anos desde que Hlo-hlo criara o mundo e dera ao mundo todas as coisas exceto aquela pedra preciosa chamada Diamante do Morto. A jóia era roubada freqüentemente, mas sempre dava um jeito de retornar ao colo de Hlo-hlo. Thangobrind sabia disso, mas não era um joalheiro comum e esperava enganar Hlo-hlo, sem perceber a ponta de ambição e de luxúria e que ambas são vaidades.

 

Com quanta ligeireza ele avançou entre as escarpas de Snood! Ora como um botânico, perscrutando o chão; ora como um dançarino, saltando entre saliências que desmoronavam. Já estava escuro quando passou pelas torres de Tor, onde os arqueiros atiravam flechas de marfim contra os estranhos, com o fim de impedir que algum forasteiro alterasse suas leis, que são más, mas que não são para serem alteradas por gente de fora. Atiravam à noite guiando-se pelo som dos pés dos estranhos. Ó Thangobrind, jamais houve um joalheiro como tu! Ele arrastou duas pedras atrás de si, amarradas por cordas, e foi contra elas que os arqueiros dispararam. Tentadora era a isca que haviam colocado em Woth, o penduricalho de esmeraldas no portão da cidade. Mas Thangobrind percebeu o cordão dourado que, a partir dele, ia até o alto da muralha e os pesos que despencariam sobre ele se os tocasse, e assim o deixou, embora o deixasse chorando, e por fim chegou a Theth. Todos ali adoravam Hlo-hlo, embora tenham vontade de acreditar em outros deuses, como atestam os missionários, mas apenas como presas para as caçadas de Hlo-hlo, que traz as suas auréolas – segundo dizem – penduradas em ganchos no seu cinto de caça. E de Theth passou à cidade de Moung e ao templo de Moung-ga-ling e, entrando, viu o ídolo-aranha, Hlo-hlo, sentado com o Diamante do Morto a rutilar sobre seu colo, e olhando para o mundo inteiro como uma lua cheia, mas uma lua cheia vista por um lunático que dormiu demais sob os seus raios, pois havia no Diamante do Morto um certo aspecto sinistro e uma porção de coisas por acontecer que é melhor não mencionar aqui. A face do ídolo-aranha era iluminada por aquela gema fatal. Não havia outra luz. A despeito de seus membros estarrecedores e do corpo demoníaco, sua face era serena e aparentemente inconsciente.

 

Um certo medo veio à mente de Thangobrind, um tremor passageiro, não mais que isso. Negócio era negócio, e ele esperava o melhor. Thangobrind ofereceu mel a Hlo-hlo e se prostrou diante dele. Oh, como era esperto! Quando os sacerdotes saíram da escuridão para apanhar o mel, tombaram inconscientes no chão do templo, pois havia uma droga no mel que foi oferecido a Hlo-hlo. E Thangobrind, o joalheiro, pegou o Diamante do Morto e o colocou sobre o ombro e saiu do santuário. E Hlo-hlo, o ídolo-aranha, não disse nada, mas sorriu discretamente quando o joalheiro fechou a porta. Quando os sacerdotes despertaram do efeito da droga que fora oferecida a Hlo-hlo junto com o mel, correram para uma salinha secreta que tinha uma abertura para as estrelas e fizeram o horóscopo do ladrão. Algo que viram no horóscopo pareceu satisfazer os sacerdotes.

 

Por certo, Thangobrind não retornaria pela mesma estrada pela qual viera. Não, ele foi por outra estrada, mesmo que conduzisse ao caminho estreito, à casa-da-noite e à floresta-da-aranha.

 

A cidade de Moung se elevou, muito alta, atrás dele – sacadas e mais sacadas, eclipsando metade das estrelas –, quando ele partiu. Embora, quando um patear suave como de pés de veludo ressoou atrás dele, ele se recusasse a reconhecer que poderia ser o que temia, ainda assim os instintos de sua profissão lhe disseram que não era nada bom que qualquer ruído seguisse um diamante à noite, e este era um dos maiores que negócio algum jamais pusera em suas mãos. Quando chegou ao caminho estreito que conduz à floresta-da-aranha, o Diamante do Morto parecendo frio e pesado, e os passos de veludo parecendo ameaçadoramente próximos, o joalheiro parou e quase hesitou. Olhou para trás; não havia nada. Aguçou os ouvidos; agora não havia som. Então pensou nos gritos da filha do Príncipe Mercador, cuja alma era a paga do diamante, e sorriu e prosseguiu altivamente. Lá o espiava, apática, aquela mulher sinistra e dúbia cuja casa é a Noite. Ele ainda não chegara ao fim do caminho estreito, quando a mulher emitiu monotonamente aquela tosse hedionda.

 

A tosse foi por demais significativa para ser subestimada. Thangobrind voltou-se e de repente viu o que temia. O ídolo-aranha não ficara em casa. O joalheiro colocou delicadamente o diamante no chão e sacou da espada chamada Camundongo. E então começou aquela famosa luta no caminho estreito, na qual a mulher velha e sinistra cuja casa era a Noite pareceu ter tão pouco interesse. Via-se logo que, para o ídolo-aranha, era tudo uma horrível piada. Para o joalheiro era um compromisso imperioso. Ele lutou e ofegou e foi obrigado a recuar lentamente pelo caminho estreito, mas feriu bastante, com talhos compridos e terríveis, o corpo profundo e macio de Hlo-hlo, até que Camundongo ficou tinta de sangue. Mas, por fim, a gargalhada persistente de Hlo-hlo foi demais para os nervos do joalheiro, e este, ferindo mais uma vez o seu adversário demoníaco, tombou perplexo e exausto junto à porta da casa chamada Noite, aos pés da mulher velha e sinistra, a qual, depois que emitiu aquela tosse hedionda, não mais interferiu no curso dos eventos. E então aqueles a quem compete essa tarefa levaram Thangobrind para a casa onde os dois homens enforcam e, cada um deles tirando do seu laço a mão esquerda, puseram esse aventuroso joalheiro em seu lugar. Assim lhe adveio o destino que receara, como todos os homens sabem, embora tenha sido há muito tempo, e um pouco se aplacou a ira dos deuses invejosos.

 

E a filha única do Príncipe Mercador sentiu tão pouca gratidão por esse grande ato de libertação que passou a praticar a respeitabilidade do tipo militante, tornando-se agressivamente enfadonha, e deu ao seu lar o nome de Riviera Inglesa, e fez algumas trivialidades de lã sobre a capa do bule de chá, e enfim nunca morreu, mas simplesmente faleceu, em sua residência.

 

 

(Traduzido por Renato Suttana)

 

 

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