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Ncolau Saião (arte digital)

 

POEMA

 

(Philip Dennis)

 

a Jacques Dupin

 

1

 

Sobre a vidraça coberta de névoa, quantas vezes

é preciso escrever a ausência?

 

Página sulcada de mãos.

 

Andorinha – de salto em salto – contigo

regresso   até à nascente.

 

Debaixo do arco convexo da ramaria

na planura, o riso dum camponês

antecipa a rudeza da subida.

 

Com eles me cruzo, na volta dos caminhos.

 

Minúsculos contactos que me dão

a sua silhueta.

 

O país mudou de língua, por estas veredas

quando às quintas se chega, um cão ladra

- e disso me dou conta.

 

Palpitam as folhas duma planta – a ligeireza

de tudo o que a enquadra.

 

Zumbidos. Toda a noite. Insecto morto, afogado

no algodão da manhã.

 

Caminho que nos leva a esta trémula casa.

 

 

2

 

O vento sopra até junto desta palavra que as minhas

mãos mais não fazem que torcer para que delas saia

a inesperada frescura.

 

Planta abundante nos livros dos ervanários. E tudo

exulta sob o manto das árvores, entre a folhagem

pleno de inocência.

 

Doce piedade transbordante. Piedade

da outra metade do céu.

 

Purpúreo, nos docéis silenciosos, o diálogo

das flores entre si.

 

Vibrantes, estes nadas – que tudo tocam

 

 

 

POEMAS

 

(Philip Dennis)

 

a

 

O que eu busco não é um lugar

mas um ponto de partida.

 

Da nuvem madura

espero o relâmpago

da pobreza duma palavra

a sabedoria.

 

 

b

 

Pastoreio o rebanho das nuvens, que o vento

indiferentemente junta ou dispersa. Partilho

com a encosta as longas horas imóveis

da espera.

 

 

c

 

Por detrás da janela tingida por uma luz

errante, falar, tal como um lume – enquanto neva

sobre a casa, ou o metal exaure nossas vidas truncadas.

 

 

d

 

Quem da terra natal me falasse   falar-me-ia

dum vazio que nem sequer me é pessoal.

 

Penumbrosa origem acordando somente esta palavra

vós – aqui desprendidamente lançada.

 

Velha como um abismo –

ausente como um alto cimo

 

 

e

 

Toda a noite pintando e repintando esta porta

que nunca se fecha…Toda a noite,

até que os nervos, liquefeitos, se tornam

na própria tinta.

 

Lendo de ponta a ponta as linhas sem direcção

– esta mão – que só o meu passado evocam.

 

Próxima cura, se vieres – contigo

eu farei a loucura real.

 

(in "Eclogues")

 

 

 

A VIAGEM DERRADEIRA

 

(Juan Ramón Jiménez)

 

...E partirei. E ficarão os pássaros
cantando;
e ficará o meu quintal, com a sua árvore verde
mais o seu poço branco.

O céu, todas as tardes estará azul e calmo;
e tocarão, como esta tarde estão tocando
os sinos do campanário.

Irão morrendo aqueles que me amaram;
e a cada ano se fará novo o meu povoado;
e no tal recanto do meu quintal florido e calado
o meu espírito vagueará, nostálgico…

Eu partirei; e ficarei só, sem lar, sem a árvore
verde, sem o poço branco
sem o céu azul e calmo…

E ficarão os pássaros cantando.

 

 

 

PARA UMA JOVEM NEGRA DE CALCANHAR RÓSEO

 

(Léopold-Sédar Senghor)

 

No céu primitivo erguem-se imaculados os cantos dos pássaros
e o fresco cheiro da erva ágil com eles se ergue, Abril.
Ouço o respirar profundo da madrugada movendo as nuvens
brancas dos cortinados
e escuto a canção do sol nos taipais das janelas
melodiosas.
Sinto como que um hálito ou uma recordação de Naett
na minha nuca apaixonada e nua
E o meu sangue cúmplice, a despeito de mim, chocalha-me
nas veias.
És tu, minha amiga – ô! Escuta os suspiros escuta
os quentes suspiros neste Abril dum continente novo
Oh escuta, enquanto deslizam, no gelado azul, as asas
das andorinhas migratórias
e não te esqueça ouvir o murmúrio negro e branco das aves
de arribação
horizontais no extremo das suas velas desdobradas.

Escuta a mensagem da Primavera duma outra idade, dum outro
mundo
Escuta a mensagem da África longínqua e velha e a canção
do teu sangue
Pois eu estou ouvindo a seiva de Abril que nas tuas veias

cantando me desafia.

 

 

 

POEMA SEIS (fragmento)

 

(Nicolás Guillén)

 

Índias Ocidentais! Índias Ocidentais! West Indies!
Este é o povo hirsuto
de cobre, multicéfalo, onde a vida luta
com o lodo seco entranhado na pele.
Este é o presídio
onde cada homem existe de pés atados.
Esta é a grotesca sede das companies and trusts.
Aqui estão o lago de asfalto, as minas de ferro
as plantações de café
os port docks, os ferry boats, os ten cents…

 

Este é o povo do all right
onde tudo se encontra mal
Este é o povo do very well
onde nada está bem.

 

Aqui estão os servidores de Mr. Babbit.
Os que educam os filhos em West Point.
Aqui estão os que chilreiam: hello baby
e fumam “Chesterfield” e “Lucky Strike”.
Aqui estão os bailarinos de fox trots
os boys do jazz band
e os veraneantes de Miami e Palm Beach.
Aqui estão os que pedem bread and butter
e coffee and milk.
Aqui estão os absurdos jovens sifilíticos
os fumadores de ópio e marijuana
exibindo as suas espiroquetas
e mandando fazer um fato em cada semana.
Aqui está o melhor de Port-au-Prince
O mais puro de Kingston, o high life de La Habana…
Mas aqui estão também os que remam em lágrimas
galeotes dramáticos, galeotes dramáticos.
Aqui estão eles
os que trabalham com uma picareta
a dura pedra onde pouco a pouco se crispa
o punho de um titã. Os que acendem a chispa
vermelha, sobre o campo ressequido.
Os que gritam: “Cá estamos!” e a quem responde o eco
de outras vozes: ”Cá estamos!”. Os que em rude tumulto
sentem latir o sangue com sílabas de insulto.

 

(Traduções de Nicolau Saião)

 

 

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