RITMOS
(Gérard
Calandre)
1.
Percorro
a cidade sem frio sem fome
Ando
como uma sombra diria: uma pequena sombra
um
fragmento escuro entre automóveis carros
baratos
carros de luxo
Um
hiato de carne entre casas Moradias
onde
nunca entrarei
2.
Conheço-as
há tantos anos as suas imagens enchem-me
Repleto
ou uma pança de reconhecimento de
meiguice
ó
casas sem nome com nome Casas bonitas casas feias
As
casas da cidade habitual
As
vozes não entram em mim ocupam-me
As
flores que não há repousam modestamente
no
sítio do costume
As
que há desafiam-nas para existirem paralelamente
Entram
na minha sombra
ondeiam
estralejam.
3.
Afinal
a minha fome é diferente
talvez
pior que a dos bravos rapazes de Banville
ou
do bairro anão dos marroquinos
que
misturam a polícia trancam-na em monossílabos
sangue
e ruínas pistachos
guisados de borrego
"morte,
onde está tua vitória?"
Visitam
com o seu gáudio os parentes
eles
são os grandes avatares do momento
4.
Vede
é a calva de um tal qualquer
límpida
como a lua límpida como um sol
e
eu sem fome e eu sem sono
Desespero.
Tenho de que me queixar desfaleço
O
meu fato habitual desabitual pende-me do esqueleto
ouço
a música e espero como uma sombra espero
algo
passa vai para um planeta distante o sítio do costume.
NA
COZINHA
(Jacques
Tombelle)
deuses
que entram e saiem
com
o pão
a
fruta
uma
bilha de água
um
gesto de mãos
um
de barriga ao léu
dois
três anos
que
saberá do seu futuro tempo
interroguemo-nos
a
mamã põe os olhos no ar
assim
são os sonhos
passeios
por lugares insondáveis
áfrica
américa
o
choro do filósofo encobre o Sol
com
as suas mãos emagrecidas acaricia um ombro
o
mais pequeno olha a um canto
o
rasto de algum familiar
avós
sobrinhos comadres
um
burrinho branco junto ao maciço de dálias
se
amais as lindas canções
ide
até ao princípio da noite
O
DIA DE PHILICARI
(Jacques
Tombelle)
Georg
Friedrich Handel
em
Meerbusch
no
Hotel
com
mendigos à porta
um
de perna quebrada
outro
zarolho
outro
recordando os seus dias felizes
uma
tarde junto ao rio
com
uma pequena que o adorava
"Zozi!"
dizia ela "Zoziiiii!"
De
boca aberta pensa
Coça
uma perna chagada
Olha
o outro do lado é uma outra
De
saias até aos pés olhando o homem
que
agora chega de roxo e ouro, as meias verdes
um
comerciante célebre que dias antes enviuvou
"Zoziiii!"
chama uma voz fresca morta esfomeada
Ele
sorri a
boca enegrecida os olhos mais fundos
Junto
ao rio os mesmos barcos, a mesma água.
Philicari
prende o violino, a mão hábil o queixo recolhido
O
arco a direito sobre as cordas um sussurro rouco
Haendel
sai, a carruagem vai partir
os mendigos
olham-no
a pouco e pouco mais longe
na rua depois
escurecendo
mais e mais deserta.
(Traduções
de Nicolau Saião)
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