HOMEM, O ANIMAL INSONE
(E. M. Cioran)
Quem quer que tenha dito que o sono é o
equivalente da esperança teve uma intuição penetrante da assustadora
importância não só do sono mas também da insônia! A importância da
insônia é tão colossal que sou tentado a definir o homem como sendo
o animal que não pode dormir. Por que chamá-lo de animal racional,
se há outros igualmente razoáveis? Mas não existe outro animal em
toda a criação que queira dormir e não possa. O sono é
esquecimento: o drama da vida, suas complicações e obsessões se
desfazem completamente, e cada despertar é um novo começo, uma nova
esperança. Assim a vida mantém uma agradável descontinuidade, a
ilusão de uma permanente regeneração. A insônia, por sua vez, da à
luz um sentimento de tristeza irrevogável, de desespero e agonia. O
homem saudável – o animal – apenas chapinha na insônia: ele nada sabe
sobre esses que dariam um reino por uma hora de sono inconsciente,
esses que se horrorizam tanto diante de uma cama quanto diante de
uma mesa de tortura. Há um vínculo estreito entre a insônia e o
desespero. A perda da esperança vem com a perda do sono. A diferença
entre o paraíso e o inferno: pode-se sempre dormir no paraíso, mas
nunca no inferno. Deus puniu o homem tirando-lhe o sono e dando-lhe
o conhecimento. Não é a privação do sono uma das torturas mais
cruéis praticadas nas prisões? Os loucos sofrem enormemente com a
insônia, daí as suas depressões, o seu desgosto com a vida, e os
seus impulsos suicidas. Não é a sensação –típica das alucinações
acordadas – de mergulhar num abismo uma forma de loucura? Os que
cometem suicídio atirando-se de pontes para dentro dos rios ou de
edifícios sobre os calçamentos, motiva-os por certo um desejo cego
de cair e a atração ofuscante das profundezas abismais.
Minha alma é caos, como pode então
ser? Tudo está em mim: procura e encontrarás. Sou um fóssil que
data do princípio do mundo: nem todos os seus elementos
cristalizaram completamente, o caos inicial ainda transparece. Sou a
absoluta contradição, o clímax das antinomias, o último limite das
tensões; em mim tudo é possível, pois sou aquele que no momento
supremo, diante do nada absoluto, gargalhará.
(On the heights of
despair –
Tradução de Renato Suttana)
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