A
ARROGÂNCIA DA ORAÇÃO
(E.
M. Cioran)
Quando se chega ao limite do monólogo, aos confins da solidão, inventa-se –
na falta de outro interlocutor – Deus, pretexto supremo de diálogo. Enquanto
o nomeias, tua demência está bem disfarçada e. ... tudo te é permitido. O
verdadeiro crente mal se distingue do louco; mas sua loucura é legal, admitida;
acabaria em um asilo se suas aberrações estivessem livres de toda fé. Mas
Deus as cobre, as torna legítimas. O orgulho de um conquistador empalidece
comparado à ostentação do devoto que dirige-se ao Criador. Como se pode ser tão
atrevido? E como poderia ser a modéstia uma virtude dos templos, quando uma
velha decrépita, que imagina o Infinito a seu alcance, eleva-se pela oração a
um nível de audácia ao qual nenhum tirano jamais aspirou?
Sacrificaria o império do
mundo por um só momento em que minhas mãos juntas implorassem ao grande
Responsável de nossos enigmas e de nossas banalidades. Entretanto, esse momento
constitui a qualidade corrente – e como que o tempo oficial – de qualquer
crente. Mas quem é verdadeiramente modesto repete a si mesmo: "Demasiado
humilde para rezar, demasiado inerte para transpor o limiar de uma igreja,
resigno-me à minha sombra e não quero uma capitulação de Deus ante minhas
orações." E aos que lhe propõem a imortalidade, responde: "Meu
orgulho não é inesgotável: seus recursos são limitados. Pensam, em nome da fé,
vencer seu eu; na realidade, desejam perpetuá-lo na eternidade, pois não lhes
basta esta duração presente. Sua soberba excede em refinamento todas as ambições
do século. Que sonho de glória, comparado ao seu, não se revela engano e vã
ilusão? Sua fé é apenas um delírio de grandeza tolerado pela comunidade,
porque utiliza caminhos camuflados; mas seu pó é sua única obsessão: gulosos
do intemporal, perseguem o tempo que o dispersa. Só o além é bastante espaçoso
para suas cobiças; a terra e seus instantes parecem demasiado frágeis. A
megalomania dos conventos supera tudo o que jamais imaginaram as febres
suntuosas dos palácios. Quem não admite sua nulidade é um doente mental. E o
crente, entre todos, é o menos disposto a consentir. A vontade de durar, levada
até tal ponto, apavora-me. Recuso-me à sedução malsã de um Eu indefinido.
Quero chafurdar-me em minha mortalidade. Quero permanecer normal."
(Senhor, dá-me a faculdade de
jamais rezar, poupa-me a insanidade de toda adoração, afasta de mim essa tentação
de amor que me entregaria para sempre a Ti. Que o vazio se estenda entre meu
coração e o céu! Não desejo ver meus desertos povoados com Tua presença,
minhas noites tiranizadas por Tua luz, minhas Sibérias fundidas sob Teu sol.
Mais solitário do que Tu, quero minhas mãos puras, ao contrário das Tuas que
sujaram-se para sempre ao modelar a terra e ao misturar-se nos assuntos do
mundo. Só peço à Tua estúpida onipotência respeito para minha solidão e
meus tormentos. Não tenho nada a fazer com Tuas palavras. Concede-me o milagre
recolhido antes do primeiro instante, a paz que Tu não pudeste tolerar e que Te
incitou a abrir uma brecha no nada para inaugurar esta feira dos tempos, e para
condenar-me assim ao universo, à humilhação e à vergonha de existir.)
(Breviário
de decomposição. Tradução de José Thomaz
Brum)
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