|
“EPPUR
SI MUOVE”
(Carlos
Garcia de Castro)
Dentro
de casa, exactos, os amigos sentam-se à mesa a conversar de tudo
que há na Cidade e fora da Cidade – principalmente do que há
dentro deles. Seu comodato, instalação e tempo, suas certezas de
experiência à mostra, até desgostos, compleição civil, as emergências,
ditos, as surpresas, encantos, desencantos, os segredos do quanto se
resume ser problema para
quem se habituou a ser feliz, cautelas, cálculos, certezas, manha
– tudo se fala, se conversa aqui.
Dentro
de casa, exactos, os amigos sentam-se à mesa a conversar implumes.
Filosofando,
trivial, persisto numa sentença atreita ao coração:
–
Estes amigos são contemplação.
Contemplar
é louvar e é divertido (desde que assim não seja um fogo-posto).
Estes
amigos são contemplação – todos à volta em távola redonda.
Alastram-se
comigo os seus juízos, tendo da vida a concepção dos úteis que
eu nunca tive, inútil, um Poeta. Por isso, um outro tino, o meu silêncio
de companheiro aceita sem mostrar, contemplativo, os dons e a prevenção
que é necessária à távola redonda. Como se um espelho houvesse
entre universos ali boiando à luz desencontrada – a palurdice em
paz, com indiferença. Serenamente, como os muitos astros sem colisões
a divagar galáxias. Tudo se fala, se conversa aqui, tudo se traz à
távola redonda de gente que entre si é separada. Distância igual
dos astros uns dos outros numa galáxia de harmonia unida. Os meus
amigos são contemplação, cosmicamente os sigo e os acompanho em
órbitas, parâmetros, satélites, circuito circular, mesa redonda.
O
velho Galileu intrometia-se, com Matemática abrangia o céu, com
indução, hipóteses eram leis de Júpiter, de Vénus, de Saturno,
manchas do Sol, arder da Criação.
O
mundo se agitava em Galileu no sobressalto linear das esferas. Eram
assim gigantes, tavolares, as incisões traçadas infinito.
Meus
telescópios são os meus ouvidos, circunscrição à mesa dos
amigos, combinação solar que anda nas ruas de obrigação com
eles, recolhendo, sem nunca fazer mal ou dizer mal por dentro da
amizade em várias partes do quanto em mim aprendo e aprendo neles.
– O infinito é próximo e composto, disperso e agregado, prisão
livre (saber das luas é saber dos homens).
Nossos
caminhos estão na Via Láctea, lançados, arrimados ao bordão de São
Tiago andando a sua Estrada. Somos avindos de ir também com ela, de
sobrenome numa lenda à espreita – isocronia pendular da Terra.
Dentro
de casa nos sentamos todos, dentro de casa em paz, que é circular.
E eu próprio-Galileu do periscópio, contemplativo, à roda,
saturnino, prossigo o espanto do mover dos corpos.
Uns
são vaidosos, outros serviçais, uns são dolentes, outros
activistas. Virtude é ter esperteza, um desenlace, “deitar à
frente quando a cama é estreita”. Nem é preciso ser inteligente,
basta ganhar-se a nossa posição. Há os saudosos dum lugar antigo
que, sem lugar, precisam de função, e sem função ficaram sem
ninguém. Sofrem de costas, dizem: – Quando eu fui ... Mais
interessantes, capitosos, frágeis, mais ofendidos quando lá não
estão, são os que assomam sempre a qualquer mando, perpétuas
competências, delegados. Toda a Cidade é povo, eles fidalgos, por
natureza que não é nobreza fazem-se os nobres de alcançar
primeiro. Outros reúnem no comum de Igrejas, usam direitos de falar
aos padres com a soberba de quem serve a Deus. Oficiosos, nunca
dizem: Porra! Qualquer rotina é graça do Senhor. Quando ao redor
se afoita alguém ilustre de acaso apropriado no falar, dispõe-se o
tal da infeliz cultura a informar saber das Selecções. Da História
se faz luxo de alguns nomes. E há pregações e máximas morais,
comparação do tempo e gerações, casos maiores, com efeito e
sorte, tomada a vida ao canto e às quartas partes. Tomada em quanto
baste a sujeição. Os mais calados, quando falam mostram:
–
Também conheço, é assim e assim.
–
Agora vou passar-lhes a cassette.
–
Um belo Restaurante, sim senhor.
–
Foram de sonho este ano as nossas férias.
...
e vem depois ao caso a profissão ... de sobrevivas chegam as viúvas:
–
O meu Fulano também era assim.
–
Nunca o Fulano me fazia isso.
(E
São Francisco fez um hino ao Sol).
Interminável,
descoberto espaço que outros conceitos traz do céu à vida, iguais
constelações, combinações deixadas de ser Ursa ou Cassiopeia
para as lendas principais com novos nomes. É sensitiva no seu
estado súbito a lentidão sideral dos factos. Nesses traçados
surge um legalista, homem de ofício vindo dos
guichets, a ponderar as situações sabidas que heroicamente
registou em actas. Ao lado, empertigado, um ouriçado, tareco no
falar do esbracejar, logo se atira ao outro do
guichet que se fizera ali dono das leis. Não estava lá, porém, o
erudito, que tem figura de gravata e fato, para digerir então de
toda a lei, historicamente, a sua essência humana.
(E
São Francisco fez um hino ao Sol).
Terá
morrido o velho Galileu? – o tal que achava a Terra em movimento.
Maio,
2001
|