IN
MEMORIAM J.F.K.
(Jorge
Luis Borges)
Esta
bala é antiga.
Em
1897 disparou-a contra o presidente do Uruguai um rapaz de Montevidéu,
Arredondo, que havia passado longo tempo sem ver ninguém para que o
soubessem sem cúmplices. Trinta anos antes, o mesmo projétil matou
Lincoln, por obra criminosa ou mágica de um ator a quem as palavras
de Shakespeare haviam convertido em Marco Bruto, assassino de César.
Em meados do século XVII, a vingança a usou para dar morte a
Gustavo Adolfo da Suécia em meio à pública hecatombe de uma
batalha.
Antes,
a bala foi outras coisas, porque a transmigração pitagórica não
é somente própria dos homens. Foi o cordão de seda que no Oriente
recebem os vizires, foi a fuzilaria e as baionetas que destroçaram
os defensores do Álamo, foi a lâmina triangular que segou o pescoço
de uma rainha, foi os escuros cravos que atravessaram a carne do
Redentor e o lenho da Cruz, foi o veneno que o chefe cartaginês
guardava em um anel de ferro, foi a serena taça que num entardecer
bebeu Sócrates.
Na
aurora do tempo foi a pedra que Caim lançou contra Abel, e será
muitas coisas que hoje nem sequer imaginamos e que poderão concluir
com os homens e com seu prodigioso e frágil destino.
(Tradução
de Marcelo Bueno de Paula)
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