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CONVIVENDO
COM OS BEST SELLERS
(Renato Suttana)
Quando se ouve dizer que um livro
recém-lançado por alguma editora já vendeu o seu
primeiro milhão ou os seus primeiros milhares de
exemplares (cifras que geralmente se contam em dezenas),
a primeira coisa a fazer é manter a calma. Muitos
leitores se desesperam, julgando que, se não forem à
livraria mais próxima e adquirirem o seu exemplar, se
tornarão pessoas desatualizadas ou desmoralizadas diante
dos outros, porém essa não é a atitude correta a tomar.
Manter a calma é sempre a melhor maneira de lidar com a
situação, até porque, além de nos poupar do risco de
gastarmos inutilmente o nosso dinheiro com alguma coisa
que não nos diz respeito, nos poupará, muitas vezes, da
exasperação de concluir que, tendo-o gasto inutilmente,
ainda por cima perdemos o nosso tempo com aquilo que nos
aborrece ou, mesmo, que pode ser nocivo à nossa saúde
mental.
O leitor que hoje em dia não quer
se deixar levar pelo primeiro impulso que lhe ocorre de
ler o que quer que seja que não foi levado a ler por
decisão e interesse próprio, mas por pressão de
circunstâncias que escapam ao seu controle (talvez a
propaganda e a opinião alheia, com todo o poder que têm
de influenciar as nossas decisões), deve sobretudo
aprender a refrear os seus impulsos, a dominar os seus
reflexos. Alguns exercícios simples podem ser feitos,
tais como visitar padarias ou lanchonetes (ou mesmo
livrarias, mas só o aconselharíamos àqueles que têm
certeza de que não sairão chamuscados da experiência),
que propiciam situações em que a força de vontade é
posta à prova. E só então, se a confiança e o
autodomínio tiverem atingido níveis satisfatórios – que
podem ser testados simplesmente abrindo um livro e
recolocando-o na estante sem ler uma linha sequer –, o
leitor se arriscaria a ceder à tentação de ler, por
exemplo, as resenhas que os jornais e as revistas
publicam acerca do último sucesso editorial. Ele verá
que, em larga medida, tudo não passava (antes de ter
aprendido a lidar com a situação) de uma compulsão
inconsciente, que pode ser vencida com esforço.
Não queremos dizer, certamente,
que o leitor que se preocupa em ler o último sucesso de
livrarias que acabou de sair da forja seja um leitor
compulsivo. Muito pelo contrário: ele às vezes não será
mais do que um leitor ocasional e, não raro, bastante
indolente no que se refere a sair no encalço do último
sucesso editorial. Trata-se, apenas, de provar também
que, além de não ser compulsivo, o leitor é capaz de
alguns gestos primários, tais como o de, tendo ouvido
uma notícia que aparentemente deixará a todos em
polvorosa, ser capaz de lidar com ela de maneira
racional, sem se deixar arrebatar pela primeira sugestão
que lhe vem à cabeça. Isso é, a nosso ver, algo bastante
diferente da compulsão. Embora, ao que parece, o leitor
desejável, em caso dos chamados best sellers editoriais,
seja o do tipo compulsivo (porque eles existem, sem
dúvida nenhuma), o mecanismo arrasta, muitas vezes,
também o leitor preguiçoso, aquele que nem pelo último
sucesso de livrarias se convenceria a abandonar o seu
conforto mental. E pode seduzir também o leitor dito
“exigente”, que só lê o que quer e que escolhe o que
quer ler, geralmente, segundo critérios bastante
insondáveis? O mecanismo os fará, tanto a um quanto ao
outro, gastar o seu dinheiro de um modo que, noutras
circunstâncias, eles considerariam insensato.
Quem compra ou lê o livro mais
vendido da semana está à espera de alguma coisa, que
pode ser uma recompensa pelo fato de que, não tendo lido
os menos vendidos, se sentirá logrado e disposto a
recuperar, por meios cômodos, o tempo que perdeu em não
lê-los (se é que o perdeu). Há toda uma série de
aspectos a considerar, mas o leitor se verá confrontado
com estas injunções. É difícil imaginar o que é que ele
procura num livro do qual apenas ouviu dizer que já
vendeu o seu primeiro milhão de cópias. Provavelmente,
além da curiosidade em entender o motivo de tal sucesso
(que, invariavelmente, lhe passará despercebido, pois se
ele chegasse a compreendê-lo seria capaz, supomos, de
também escrever o seu best seller), se é que se
trata de sucesso, vai nisso um outro tipo de
curiosidade, que se liga ao fato de que, onde todo o
mundo colocou a mão, temos também o desejo de colocar a
nossa. Talvez essa justificativa não seja suficiente e
não explique tudo ou não explique sequer uma parte, mas
não podemos deixar de pensar que a idéia de que os
livros que venderam muitos exemplares atraem mais a
atenção do que os que venderam poucos depõe contra a
noção de livro em geral, como se estivéssemos
falando de uma outra coisa que nada tem a ver com eles.
Ler um livro que todo o mundo leu é, de certo modo,
participar de uma espécie de comunidade – e tudo estará
bem enquanto pudermos nos manter aí dentro. E o leitor
se sentirá recompensado na medida em que cumprir a sua
parte.
Adviria daí o verdadeiro
sentimento de convocação que nos invade quando lemos a
lista dos dez ou vinte mais vendidos do mês ou quando
ouvimos dizer que certo autor, após ter obtido sucesso
(de vendas) com seu último (agora penúltimo) livro,
acaba de lançar o seguinte? É freqüente imaginar
que esse outro livro deveria partilhar do sucesso do
primeiro – e não sabemos bem por quê – , embora não
enxerguemos as razões por que isso deveria ser assim,
mas não importa. Até certo limite, o sentimento de
comunidade obstrui aquelas faculdades da nossa percepção
que, se exercitadas em excesso, tornariam a vida menos
interessante. Levados não tanto pela inércia, mas por
essa mesma obstrução, é que vamos ao encontro de
improváveis surpresas que, para a nossa imaginação, são
sempre as mais saborosas – verdadeiras delícias de
inteligência cuja intensidade e amplitude parece
estampar-se em cifras e casas decimais. Estamos
entediados e não sabemos o que fazer para tornar menos
penoso o passar das horas e o escoar-se dos dias, até
que chegue o domingo em que nos damos conta de que não
há nada a fazer para tornar mais interessante o
nosso domingo? Por que não um bom livro (pois se
trata sempre de bons livros) para nos ajudar a encher
essas horas que, de outra maneira, ameaçariam tornar-se
monótonas e insuportavelmente arrastadas, até para a
menos compulsiva das mentalidades?
Aprender a resistir ao impulso –
manter a calma e não se deixar levar pelas inspirações
do momento talvez não seja aquilo que os autores de best
sellers esperam do melhor leitor, tal como se,
procedendo assim, o leitor desistisse da sua parte no
contrato. É preciso levar as coisas a bom termo, e
alguns não hesitariam mesmo em admitir que é preciso
manter a “máquina” em funcionamento, o que depende
profundamente de que o leitor seja capaz de tomar as
atitudes corretas, ou seja, as mais decididas e
instantâneas. Sem elas, nenhum sucesso de vendas
se corporifica, os livreiros não podem sobreviver e os
autores, sobretudo, que mais do que ninguém precisam
disso para viver, não têm com que pagar as suas contas.
E o que é que o leitor recebe em troca, cumprindo tão
fielmente o papel que lhe cabe no processo? Não há que
negar que ele recebe uma contrapartida. E, desde que a
necessidade de distrair-se se tornou a regra da
vida moderna, a crença é de que os livros o ajudam a
obter distração. Mas, se a distração obtida com a
leitura depende de que o livro lido não seja o mais
sério, o mais profundo ou o mais complexo (o que nada
tem a ver com sucesso de vendas e talvez não devesse ser
posto em questão), e sim de que seja o mais vendido e o
mais comentado pela crítica, então se pode concluir que
a divulgação das listas e o esforço geral que se faz
para comentar e resenhar livros nas revistas e nos
jornais são melhores serviços a serem prestados ao
leitor – pelos quais ele só poderá pagar ou manifestar a
sua gratidão correndo a uma livraria e comprando o que
importa comprar.
Recusando-se a ler o livro mais
vendido do mês ou do ano, decidindo-se a resistir ao
fluxo como quem nada contra a correnteza, ele se põe à
prova em sua capacidade de resistência – e geralmente
perde a partida. Manter a calma se torna, portanto, a
maneira mais sóbria de dominar a situação. E, depois,
talvez em seguida, pensando melhor, ele poderia tomar
uma atitude mais refletida: não comprar livro nenhum,
manter o ritmo dos seus passos cotidianos, ir à padaria
ou à feira, sem a menor preocupação de pensar que, em
algum lugar do mundo, toda uma multidão de curiosos está
se fartando com alguma coisa que, para ele, não tem
senão um interesse ocasional – se é que tem qualquer
interesse.
set./2006
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