DA MINHA RENÚNCIA
(Thomas
Bernhard)
A
eleição de Scheel, o anterior Presidente da República Federal,
como membro honorário da Academia para a Linguagem e a Poesia foi
para mim o motivo final e definitivo de me separar desta Academia
para a Linguagem e a Poesia, a qual, na minha opinião, nada tem a
ver nem com linguagem nem com poesia, devendo ser as justificativas
para a sua existência, de maneira evidente, negadas por toda pessoa
pensante e de boa consciência. Durante anos me perguntei sobre a
razão de ser desta assim chamada Academia de Darmstadt, e sempre
tive de dizer a mim mesmo que sua única razão de ser consiste em ser
uma associação que, em última análise, foi fundada meramente
para a autoimagem dos seus vaidosos membros, e que se reúne duas
vezes por ano para se entregar à auto-adulação, e que, depois de
viajar luxuosamente a expensas do estado, consome esplêndidos
jantares de alta classe e bebe vinhos de alta classe, em bons hotéis
de Darmstadt, durante quase uma semana, enquanto tergiversa por aí,
literariamente falando. Se um único poeta ou escritor já é, para
a sociedade humana, risível e difícil de suportar, quanto mais risível
e ridícula não é uma inteira horda de escritores e poetas e
pessoas que pensam ser escritores, empilhados num só monte! Com
efeito, todos esses ganhadores de prêmios anteriores se ajuntam em
Darmstadt, a expensas do estado, depois de um ano de impotência e mútuo
desprezo, para passar mais uma semana em Darmstadt entediando-se uns
aos outros até à morte. Bate-papo de escritores nos saguões dos
hotéis da Alemanha provinciana é a coisa mais desagradável que se
pode imaginar. O fedor é, no entanto, ainda mais fedorento quando
subsidiado pelo estado. Toda a festança contemporânea e fumegante
da subvenção fede até os céus! Poetas e escritores não deviam
ser subsidiados, eles deviam se virar por si mesmos.
A
Academia para a Linguagem e a Poesia (o título mais absurdo do
mundo!) distribui anualmente um Anuário, e isto, por acaso, teria alguma razão de ser? No entanto,
todo Anuário traz,
impressos, uns assim chamados ensaios que já estão cobertos de pó
antes de terem sido sequer levados à prensa e que não têm nada a
ver com linguagem ou poesia, ou nada a ver com o criativo, porque
provêm das máquinas de escrever emperradas de tagarelas caducos,
ou, como diríamos na Áustria, abelhudos desconsiderados. E
o que mais há no Anuário da Academia, além dessas malcheirosas efusões? Uma
comprida lista de todas as possíveis e impossíveis honrarias, cada
qual mais obscura, que essas minhocas intelectuais receberam no ano
precedente. A quem isso interessa, a não ser às próprias
minhocas? E mais, para não esquecer: uma hipócrita “lista de
falecidos”, com obituários constrangedores a jogar um tipo de pôquer
dos mortos da Academia, cada um aumentando as apostas da estupidez
bajulatória contra os outros. Uma lástima que esse Anuário
seja impresso em papel caro que não presta sequer para acender o
meu fogão em Ohlsdorf. A cada vez que o carteiro deixa comigo esse
fardo, tenho as maiores dificuldades com ele.
Mas
– as pessoas dirão – a Academia para a Linguagem e a Poesia (só por
esse termo o Prêmio Büchner já deveria ser dado aos seus inventores!)
distribui o Prêmio Büchner, o assim dito mais admirado prêmio literário
de toda a Alemanha. Não vejo por que esta Academia obscura deva dar o
Prêmio Büchner, pois ninguém necessita de uma Academia para conceder
tal premiação. Certamente, não de uma Academia para a Linguagem e a
Poesia, que é uma curiosidade conceitual e linguística como o seu nome
já indica, nada mais. Há sete anos exatamente, quando fui eleito para a
Academia, não pensei muito nisso, nem o levei a sério. Foi só
gradualmente que a dubiedade dessa Academia de Darmstadt se tornou
clara para mim; e eu, literalmente, só tomei essa entidade dúbia a
sério, pela primeira vez, no momento em que li que o Sr. Walter Scheel
tinha sido eleito para esta Academia, e de imediato renunciei. Se o Sr.
Scheel está entrando, pensei, então posso sair no mesmo instante.
Desejo
à Academia para a Linguagem e a Poesia, que considero a instituição
mais dispensável da Alemanha e por certo de todo o resto do mundo,
e que certamente é mais nociva que útil a esses poetas que são
poetas de verdade e a esses escritores que são escritores de
verdade, o melhor com o Sr. Scheel. Toda vez que um de seus membros
morre, a Academia de Darmstadt (para a Linguagem e a Poesia!)
sempre, automaticamente, emite um cartão com margens pretas
anunciando o falecimento, com um texto fúnebre que tem sempre as
mesmas palavras (cuja linguagem e poesia dariam causa a discussões).
Talvez eu viva para presenciar o dia em que eles enviarão um cartão
noticiando não a morte de um honorável membro, mas a
deles próprios.
(Traduzido a partir do inglês por Renato
Suttana)
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